Clique aqui e ouça o belíssimo ofício Adoro Te Devote, composto por Santo Tomás de Aquino a pedido do Papa Urbano IV, no século XIII, por ocasião da promulgação da Festa de Corpus Christi através da Bula “Transiturus de hoc mundo”.Ó sagrado convite em que se recebe a Cristo:
renova-se a memória de sua Paixão;
a alma se plenifica de graça,
e nos é dado um penhor da glória futura.
Fonte: Hojitas de Fe, 200, Seminário Nossa Senhora Corredentora, FSSPX
Tradução: Dominus Est
Nas Vésperas da festa de Corpus Christi cantamos esta linda antífona, escrita (como todo o Ofício do Santíssimo Sacramento) por Santo Tomás de Aquino, e carregada de significado teológico.
Com efeito, Santo Tomás nos ensina na Suma Teológica (III, 60, 3) que todo sacramento, especialmente o da Eucaristia, é um sinal sensível que significa a nossa santificação, na qual podemos considerar três coisas: 1º a própria causa da santificação, que é a Paixão de Cristo; 2º sua essência mesma, que é a graça; 3º seu fim último, que é a vida eterna.
E assim, a Sagrada Eucaristia é um sinal rememorativo da Paixão de Cristo; um sinal demonstrativo do que se realiza em nossas almas pela Paixão de Cristo, a saber, a graça; e um sinal prenunciativo da glória futura. Consideremos, pois, cada um desses três pontos.
1º A Sagrada Eucaristia – sinal rememorativo da Paixão de Cristo
Esta é uma das verdades fundamentais que se nos quer fazer esquecer hoje, quando nos apresentam a Sagrada Eucaristia somente sob o aspecto da comunhão ou de ceia. No entanto, a Sagrada Eucaristia deve ser apreciada e considerada também sob outro aspecto, mais importante, que é o de sacrifício. A Sagrada Eucaristia não é tão somente uma comunhão com o Corpo e Sangue de Cristo; é, antes de tudo, a renovação incruenta do Sacrifício do Calvário. Ambos os aspectos são inseparáveis. Sem Sacrifício não haveria Sacramento: uma vez que Cristo faz-se presente sob as espécies de pão e vinho para ser imolado. Da mesma forma, sem Sacramento não há Sacrifício: porque, para que haja sacrifício, é necessária a presença da Vítima e porque a integridade do Sacrifício exige a comunhão com a Vítima sob o aspecto de Sacramento.
E para nos mostrar de maneira sensível a íntima união entre os dois aspectos, a Igreja sempre manteve juntos o sacrário e o altar. Desgraçadamente, por quase cinquenta anos agora, nas igrejas passou-se a separar o tabernáculo do altar; o Santíssimo, que anteriormente tinha seu trono solene no meio da igreja, no centro, onde todos os olhos imediatamente o viam, foi relegado para o lado, às vezes para um canto, quando não há que se voltar para tentar localizar a lâmpada que indica sua presença. Querem fazer-nos esquecer que a Eucaristia é, em primeiro lugar, sacrifício. Qual é a triste consequência disso? Uma vez destruída a noção católica da Missa, uma vez perdida a ideia de sacrifício, acaba mesmo por perder-se a noção de presença real. Já não se crê na presença eucarística; reduziu-se a uma simples presença espiritual, uma simples memória…
É fundamental que compreendamos esta verdade: a Sagrada Eucaristia é Adoração, é Expiação pelos nossos pecados, é Ação de Graças e é Súplica de tudo quanto necessitamos, porque é Sacrifício: o Sacrifício de Jesus Cristo, Deus feito homem, renovado todos os dias nos altares, para devolver-nos a amizade de Deus e alcançarmos os dons celestiais.
2º Santa Eucaristia – sinal demonstrativo e causa da graça.
A Sagrada Eucaristia, em virtude da Paixão de Cristo, aumenta e fortalece em nós a graça santificante. No entanto, não o faz como os outros sacramentos, nos quais se nos comunica uma graça criada; este Sacramento supera a todos em excelência, porque nele se nos comunica o autor mesmo da graça. E que graça quer conceder Nosso Senhor pessoalmente à nossa alma? O evangelho da festa de Corpus Christi nos mostra muito bem. Nosso Senhor nele nos diz:
- “A minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue, verdadeiramente uma bebida”. Ou seja, do mesmo modo que a vida corporal necessita de alimento, assim também a vida espiritual. Mas o que é realmente maravilhoso, é que Jesus Cristo não se conformou em dar-nos qualquer alimento; Ele mesmo quis ser o alimento de nossas almas, o alimento de nossa vida sobrenatural. Assim já o manifestaram as figuras da Sagrada Eucaristia no Antigo Testamento, sendo quatro as principais, todas elas sob a forma de alimento: 1º a árvore da vida; 2º o sacrifício de Melquisedec; 3º o maná; 4º o cordeiro pascal. E assim como na vida corporal “o alimento sustenta, acrescenta, restaura e deleita”, como Santo Tomás assinala, assim Nosso Senhor Jesus Cristo quer, através deste sacramento, sustentar nossa vida sobrenatural para que ela não pereça, acrescentá-la para que se desenvolva, restaurá-la para devolver-lhe as forças que podem se perder pelo pecado, e deleitá-la para nos plenificar de gozo e de amor de Deus.
- “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”. Ou seja, se Nosso Senhor quer ser nosso alimento, é para unir-se a nós, e para unir-nos a Ele. O fruto próprio deste sacramento é a união a Jesus Cristo e a união entre todos os fiéis. Por quê? Porque neste sacramento Nosso Senhor realiza e aperfeiçoa nossa incorporação a Ele, conforme já nos ensinara: “Eu sou a videira, vós sois os ramos”. Por esta razão, na Secreta da Missa da festa de Corpus Christi, a Igreja pede a Deus o dom da unidade: “Concedei-nos propício, Senhor, à vossa Igreja os dons da unidade e da paz, misticamente representados pelos dons que vos oferecemos”.
- “Assim como o Pai que me enviou vive, e eu vivo pelo Pai, assim também aquele que comer a minha carne viverá por mim”. Com efeito, se Nosso Senhor quer nos unir a Si, é para fazer-nos viver de sua vida, é para ser nossa vida: “Para mim o viver é Cristo”; é para transformar-nos n’Ele. “O unigênito Filho de Deus – diz Santo Tomás nas Matinas do dia de Corpus Christi – querendo fazer-nos partícipes de sua divindade, tomou nossa natureza, para que sendo homem, fizesse aos homens deuses”. E para isso, continua Santo Tomás, “entrega-se como resgate por nós na cruz, e como alimento na Sagrada Eucaristia”. De modo que, por meio da Sagrada Comunhão, Nosso Senhor vem estabelecer em nossas almas: • “uma comunhão de vida: possuímos, realmente e sem figura, a própria vida de Cristo; • uma comunhão de mistérios: Nosso Senhor nos faz participar de todos os estados de sua vida mortal, e apropriar-nos de sua própria virtude, para que continuemos reproduzindo-o em nós; • uma comunhão de sentimentos: dando-nos uma perfeita conformidade de visões, de julgamentos, de vontades, de sofrimento, de ação; • uma comunhão, enfim, do que Jesus Cristo tem de mais íntimo: sua qualidade de Filho de Deus.
3º A Santa Eucaristia – sinal prenunciante da glória futura.
Essa união que Jesus Cristo contrai conosco através da Eucaristia não desaparece quando as espécies sacramentais de pão e vinho deixam de existir, mas deve durar por toda a eternidade. A Sagrada Eucaristia comunica às nossas almas uma vida divina e imortal, que nos fará viver para sempre, e que já coloca em nosso corpo uma semente da ressurreição gloriosa: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia”.
Se, de fato, esta união é interrompida, é somente por culpa nossa, porque Deus nos dá de sua parte quantas graças são necessárias para que esta união seja perpétua. Com efeito, por este Sacramento, Jesus Cristo nos dá força para evitar o pecado e nos preserva das culpas; sustenta e fortalece a vida da graça para que dure sempre; e nos une a Si, para que nós já nesta vida o possuamos como o possuem os bem-aventurados no céu.
De modo que Deus dá um mesmo manjar aos santos do céu e aos homens neste vale de lágrimas, mas preparado e acomodado ao estado de cada um. Esse manjar único é a divindade e a humanidade de Cristo, que os bem-aventurados veem claramente, e nas quais se embriagam e encontram toda felicidade; e que também a nós se nos entrega neste Sacramento, mas acomodado ao nosso estado de peregrinos, ou seja, sob o véu e obscuridade da fé.
Nosso Senhor prometeu: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue viverá eternamente”. Portanto, a alma que frequentemente recebe a Jesus na Comunhão, que se prepara para recebê-lo fervorosamente e que, alimentada por esse manjar, leva uma verdadeira vida cristã, está moralmente seguro de sua salvação eterna, pois através deste sacramento receberá as forças necessárias para vencer todos os obstáculos e alegremente atravessar as portas da eternidade. E lá, no céu, a união final e total da alma com Jesus Cristo será consumada, uma união já iniciada nesta vida através do sacramento da Eucaristia.
Conclusão
A recepção frequente da Eucaristia obriga-nos a levar uma vida santa. Nós não podemos, nós que recebemos a Jesus tantas vezes, viver como os outros homens. Devemos levar a mesma vida de Jesus: “Aquele que comer a minha carne viverá por mim”. Por isso:
- Antes de tudo, devemos guardar, a todo custo, o estado da graça santificante, que Jesus Cristo nos comunica através deste sacramento, e tratar de cultivá-lo com a união a Deus através da oração e dos sacramentos.
- Depois, devemos lembrar que a Eucaristia obriga-nos a reproduzir a paixão de Cristo, ou seja, obriga-nos a morrer definitivamente ao pecado e a unir todos os nossos sofrimentos e sacrifícios aos de Jesus.
- Finalmente, devemos nos esforçar em viver desde agora uma vida de anjos, uma vida que esteja em consonância com a glória futura que Cristo nos promete, amando as coisas do céu e aprendendo a desprezar as da terra, onde estamos apenas de passagem.
“Beija-me com um beijo de tua boca”, desejava a esposa do Cantares: a Igreja, até então beijada pela boca dos patriarcas e dos profetas, já deseja que o mesmo Deus em pessoa, fazendo-se homem, viesse a ela para unir-se a Ele. E por isso alegra-se ao vê-lo finalmente chegar: “ Ei-lo que aí vem, saltando sobre os montes, pulando sobre as colinas”. Admiremos os saltos do Verbo de Deus para unir-se a nós: do seio do Pai, salta ao seio de Maria, daí para a Cruz, da Cruz para o sepulcro, do sepulcro para o céu; mas antes de nos deixar, Ele inventa a maneira de permanecer entre nós, não sendo capaz de separar-se das almas que tanto ama.
Assombremo-nos com a maravilhosa condescendência de um Deus que, apesar de tantas ingratidões e rudezas como as que há neste mundo, ainda assim quer permanecer presente entre nós! Celebremos, pois, alegremente, a presença de Jesus Cristo entre nós, e peçamos-lhe a graça de apreciar tão grande benefício, aproveitando quanto pudermos do Sacramento de seu Amor: “Oh Deus, que neste sacramento admirável nos deixaste o memorial da vossa Paixão, fazei, nós Vo-lo suplicamos, que veneremos o vosso Corpo e Sangue de tal modo que mereçamos sentir constantemente os efeitos da vossa Redenção”. (Colecta da festa de Corpus Christi).
Que a Santíssima Virgem nos ajude a compreender a grandeza da Eucaristia: da Missa e do Sacramento. Queremos um segredo para assistir com grande fruto a Santa Missa, para comungar com fervor? Unamo-nos a Ela, peçamos-lhe que nos empreste seus sentimentos, os mesmos que Ela teve quando ofereceu seu Filho no altar da Cruz e quando o recebia em seu peito pela comunhão das mãos de São João. Seja Ela a mestra que nos ensine a amar tão grande Sacramento.