“Porque eu te disse que te vi debaixo da figueira, crês; verás coisas maiores que esta.” (Jo 1, 50)
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
O que esses homens que o Senhor chamou tinham em comum? Eles formavam uma verdadeira comunidade de espírito: a mesma expectativa, o mesmo desejo, a mesma linguagem. Conduzir-vos-ei ao deserto, falarei ao vosso coração: a mesma busca de Deus conduziu-os ao deserto, não ao lugar físico, mas ao lugar onde a alma se encontra, o lugar anunciado nas sagradas escrituras.
Mas o que é que diferenciava esses homens, então? Eram animados por uma autêntica vida espiritual: uma vida que os liberta e que os fará abandonar tudo para seguir o Senhor que se manifesta. Se muitas almas não encontram Deus, é porque a religião que desejam é, como a dos fariseus e de outros, uma religião que refaz a sociedade sem refazê-las elas próprias. Estas almas buscam a sabedoria sem coroa de espinhos e sem cruz, preferem a sua própria imagem à de Deus.
Natanael já não especula sobre um anúncio ou uma ideia de Deus. Ele se submete. Como os outros que o precederam, ele já não se preocupa com os seus “porquês”, mas com os deveres que a revelação do Senhor lhe impõe. Já não quer simplesmente analisar a divindade, mas satisfazê-la.
Há uma grande diferença entre conhecer a Deus através do estudo e conhecê-Lo através do amor. Muitos professores céticos conhecem as provas da existência de Deus melhor do que alguns que, ajoelhados e derrotados, fazem suas orações. Mas, porque estes doutores nunca agem de acordo com o conhecimento que possuem, porque não amam a Deus que conhecem através do estudo, nenhum conhecimento novo lhes é dado… Gostam de falar sobre a religião, mas não fazem nada a respeito, e sua ciência é estéril.
Natanael, tu verás coisas maiores. Na alma que respondeu ao chamado divino, pelo contrário, um simples conhecimento de Deus foi recebido com amor e as portas da sabedoria e do amor se encontraram abertas. Nessas almas, o amor conduz a um conhecimento de Deus que ultrapassa em certeza e realidade a informação teórica dos professores: “Se alguém ama a Deus, Deus é conhecido por ele”, dirá São Paulo.
Que seja feita a vossa vontade e não a minha, ó Senhor. Estes primeiros discípulos, estas almas escolhidas por Deus, estão disponíveis às surpresas da vontade divina. Já não procuram no Infinito a ajuda para os seus interesses limitados, mas procuram abandoná-los ao Infinito. Não é isto que Nosso Senhor reconhecerá nestes homens? Sois meus amigos, pois estiveram comigo desde o princípio: eles aceitaram, assinaram com suas vidas os decretos de Deus… e decidiram segui-Lo por onde quer que Ele fosse. A quem iremos, Senhor? Só vós tens as palavras da vida eterna.
Não desejando mais servir-se de Deus, Natanael deseja que Deus se servisse dele. Como a Virgem Maria e o seu Faça-se em mim segundo a vossa palavra, como São Paulo e o seu Que farais comigo, Senhor? ou como São João Batista e o seu eu devo diminuir para que ele cresça, a vida espiritual é uma adesão, uma procura contínua das disposições de Deus, e a oração, essa respiração da alma, só se torna verdadeira quando é a expressão dessa profunda dependência.
Nessas almas, Deus se faz conhecer. Nelas, a fé é a semente viva da vida sobrenatural. Ela encerra possibilidades infinitas e sempre novas. Não há repetição em Deus. Toda a visão do Céu, toda a vida eterna está no movimento da alma que desperta e no primeiro brilho da clareza divina que a ilumina. O que será esse brilho? Para onde levará esse movimento? Só Deus sabe: Nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem entrou no coração do homem (Is. 64,4), o que Deus preparou para aqueles que o amam.
Que sentido, que horizonte escondeu Nosso Senhor por detrás deste anúncio que o futuro revelará aos olhos dos seus primeiros discípulos? A cada passo do evangelho, diz Dom Guillerand, a mente é confrontada com questões que não consegue resolver com precisão. Segundo os tempos e as necessidades da nossa alma, o Espírito Santo ilumina estas grandes palavras que Ele mesmo nos recorda, e o ângulo sob a qual as mostra manifesta cada vez mais a imensurável grandeza daquele que as pronunciou.
A vida espiritual que vemos nascer nestas almas é a vida sobrenatural da graça, a fonte de água viva, uma fonte que jorra para a eternidade. Duc in altum, avance para as profundezas… É uma aventura. Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por minha causa, encontrá-la-á.
Pe. Vincent Bétin, FSSPX