UM PADRE MORREU

Alguns vão chorar… mas, eu invejo esse padre que acaba de celebrar sua última Missa.

Fonte: La Part des Anges – Tradução: Dominus Est

Ao visitar um cemitério antigo, aproxime-se da grande cruz no centro. Olhe ao seu redor. O túmulo mais mal-cuidado, aquele que não tem flores e parece esquecido, é o de um padre. No dia de seu funeral, o número de pessoas presentes era inversamente proporcional ao número de anos que ele havia passado nesta terra.

Ontem, um padre morreu. O Pe. Simoulin morreu (*). Ele foi nosso capelão em Romagne por vários anos, há muito tempo, e o pastor de nossas almas.

Alguns vão chorar… mas eu invejo esse padre que acabou de celebrar sua última Missa. Noli tangere Christos meos… Christos meos, o sacerdote é o ungido de Jesus, ele pertence a Ele, sua vida pertence a Ele. Ele é seu ungido por toda a eternidade.

A grande ideia que explica e domina a vida de um sacerdote é ser para Jesus uma humanidade além para continuar a obra redentora. Para esse homem, a ação sacerdotal foi uma longa morte para si mesmo, e sua morte foi, muito mais do que sua própria vida, uma ação sacerdotal, um sacrifício, a consumação de todos os seus sonhos, a doação total de si mesmo, superior à santidade e ao valor redentor de sua vida.

Penso que foi isso que o padre viveu, que foi por isso que ele tentava viver como Jesus e, portanto, morrer como Jesus… Será que ele tentou? Não, todos os dias de sua vida como sacerdote, ele rezava a Missa, em outras palavras, ele trazia a morte de Jesus à vida no altar, por meio de seu próprio ser. Sua vida foi uma Missa, e sua morte foi, de certa forma, a última Missa nesta terra, antes da Missa eterna no céu.

O primeiro mistério de Nosso Senhor Jesus Cristo é o da sua missão, uma missão misteriosa. Jesus foi enviado por seu Pai. Ele vem, por assim dizer, do seio da Santíssima Trindade, para a sua criação, para o meio dos seres que ele criou, para fazer sentir a sua presença, para habitar no meio deles.

“Assim como me enviaste ao mundo, também eu os enviei,” diz Nosso Senhor, falando ao Pai sobre os seus apóstolos na magnífica oração sacerdotal O grande mistério da vinda de uma Pessoa divina a este mundo, no meio de suas criaturas, é também o mistério do sacerdote: “Assim como meu Pai me enviou, eu vos envio”.

Há uma missão divina particular que reside em cada sacerdote, e essa missão não nasce do sangue nem da vontade dos homens. Esta missão do sacerdote se realiza por uma eleição eterna: “Não fostes tu que me escolhestes, fui eu que te escolhi.” Deus escolhe seus sacerdotes. Noli tangere Christos meos. Que ilusão temos, às vezes, de pensar que um homem escolheu, decidiu por si mesmo se tornar um sacerdote. Isso é não entender o que é o sacerdócio único de Jesus.

O sacerdote não apenas participa do mistério da missão divina de Nosso Senhor Jesus Cristo, como também participa – em certa medida – do grande mistério da Encarnação, e de modo sublime. A graça da união hipostática deu à alma de Nosso Senhor Jesus Cristo a unção da divindade e, por isso mesmo, ele é Sacerdote, Salvador e Rei.

Portanto, se Nosso Senhor é o único Sacerdote pela graça da união hipostática, o sacerdote, este sacerdote, que Ele escolheu imprimindo em sua alma o caráter sacerdotal, este outro sacerdote participa de uma sublime intimidade na graça única de Nosso Senhor da união hipostática. Isto é completamente incompreensível para o fiel comum… mas imaginem… nem mesmo Nossa Senhora experimentou tal união dentro de si. Aquela que deu à luz o Sumo Sacerdote, imagine o olhar que ela tem sobre esses sacerdotes, seus outros filhos.

A vida do sacerdote é uma participação no grande mistério da Redenção, que é a morte de Jesus. Toda a vida de um sacerdote, toda a sua vida apostólica, toda a sua vida sacerdotal, nada mais é do que atualizar e perpetuar a morte de Jesus. Para derramar o Sangue e a água que fluem até o fim dos tempos do seu lado aberto, para derramar as graças da Redenção, para derramar as graças da Cruz, para derramar o seu sangue nas almas. O Santo Sacrifício da Missa é o ato único do sacerdote. É por meio dela que ele participa dessa Redenção e difunde as graças da Redenção. Se não vive pela Missa, esse padre perde o seu sacerdócio, é apenas um padre mundano. Acho que conheço bem o Padre e sei que ele não era assim. Um sacerdote não reza sua Missa, dizia ele… não, um verdadeiro sacerdote reza a Missa de Jesus, vive com Ele, no altar, sua imolação, sua morte e sua ressurreição.

O sacerdote é, antes de tudo, obrigado a oferecer o Sacrifício da Redenção, oferecer este Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, Qui pro vobis et pro multis effundetur in remissionem peccatorum. Que bela vocação! Que bela vida! Se o sacerdote participa verdadeiramente deste modo, de modo tão íntimo e profundo, do mistério de Nosso Senhor Jesus Cristo, ele é outro Cristo: sua vida é morrer com Ele todos os dias no altar.

Consummatum est… a vida do sacerdote é uma vida consumida, e sua morte é apenas o ato final de um todo consumido durante sua vida. O sacerdócio não pode ir mais longe. Durante sua vida, o sacerdote usa seu sacerdócio para a maior glória de Deus, com seus recursos limitados. Quando morre, ele permite que seu sacerdócio floresça – sacerdos in æternum – sem a estreiteza de suas visões; essa plenitude, essa perfeição, entrará em pleno vigor, graças à sua livre aceitação da morte.

O sacerdote é uma humanidade além. Durante toda a sua vida, ele se prepara para a morte vivendo com o desejo fundamentalmente leal de ser uma humanidade além para Jesus Cristo. Desprendida de antemão, sua morte nada mais é do que a continuação de sua vida sacerdotal, só que mais perfeita, mais completa e mais santa.

A morte do Sacerdote é a continuação de um ato de amor iniciado no dia em que uma voz sem palavras, mas não sem eco, lhe sussurrou: “Vem e segue-Me, pois já é tarde para ti. Mais uma razão para você me seguir com uma fé redobrada, uma confiança infantil, uma generosidade digna da minha; chegou a hora de você não agir mais, mas deixar-me agir na aceitação redentora de sua morte.”

Pe. Vincent Bétin, FSSPX

(*) Pe. Simoulin foi quem deu a extrema-unção a D. Lefebvre.