Não creio que me possam chamar de exagerado, quando digo que o Concílio representou o triunfo das idéias liberais; os capítulos anteriores expuseram suficientemente os fatos: as tendências liberais, as táticas e os êxitos dos liberais no Concílio e finalmente seus pactos com os inimigos da Igreja.
Os próprios liberais, os católicos liberais, proclamam que o Vaticano II foi a sua vitória. Na entrevista com o jornalista Messori, o Cardeal Ratzinger, antigo “especialista” do espírito liberal do Concílio explica como Vaticano II planejou e resolveu o problema da assimilação dos princípios liberais pela Igreja Católica; não diz que terminou em um êxito admirável, mas afirma que a assimilação foi feita:
“O problema dos anos sessenta era adquirir os melhores valores aparecidos na era da cultura ‘liberal’. São valores que mesmo nascidos fora da Igreja, podem encontrar seu lugar depois de depurados e corrigidos, na sua visão do mundo. É o que foi feito”243.
Como se fez isto? Sem dúvida no Concílio, que ratificou os princípios liberais em “Gaudium et Spes” e “Dignitatis Humanae”. Como se fez? Mediante uma tentativa condenada ao fracasso, do tipo da quadratura do círculo: casar a Igreja com os princípios da Revolução. É precisamente o fim, a ilusão dos católicos liberais.
O Cardeal Ratzinger não se ufana muito da empresa, inclusive julga o resultado com severidade:
“Mas agora o clima é diferente, ficou escurecido em relação àquele que justificava um otimismo sem dúvida ingênuo. Agora é preciso procurar novo equilíbrio”244.
Portanto o equilíbrio ainda não foi encontrado, vinte anos depois! Entretanto continua a procura: é a ilusão liberal de sempre!
Menos pessimistas, outros católicos liberais pelo contrário, cantam abertamente a vitória: o Concílio é nossa vitória. Leiam por exemplo a obra de Marcel Prelót, membro do “Doubs”, sobre a história do catolicismo liberal245. O autor começa por colocar em destaque dois textos, um de Paulo VI e um de Lamennais, cuja comparação é reveladora. Eis abaixo o que diz Paulo VI na mensagem do Concílio aos governantes, em 8 de dezembro de 1965:
“O que vos pede esta Igreja depois de quase dois mil anos de problemas de todo tipo em sua relação convosco, poderes da terra: o que vos pede hoje? Ela já vos disse em um dos textos mais importantes do Concílio: não vos pede mais do que Liberdade”. Eis aqui o que escrevia Lamennais, em um prospecto destinado a fazer conhecer seu diário “L’Avenir”:
“Todos os amigos da religião devem compreender que ela necessita somente de uma coisa: a liberdade “.
Então como podem ver, tanto em Lamennais como no Vaticano II, trata-se do mesmo princípio liberal de “somente a liberdade”; nada de privilégios para a verdade, para Nosso Senhor Jesus Cristo, para a Igreja Católica. Não! A mesma liberdade para todos: para o erro como para a verdade, para Maomé como para Jesus Cristo. Isto não é o reconhecimento do mais puro liberalismo “chamado católico”?
Marcel Prélot relembra a história deste liberalismo, até seu triunfo no Vaticano II:
“O liberalismo católico (…) conhece vitórias; aparece com a circular de Eckstein em 1814; brilha com a grande difusão de “L’Avenir” no outono de 1830; conhece vitórias e crises alternadas até que a mensagem do Vaticano II aos governantes marca seu fim: suas reivindicações fundamentais, aprovadas e depuradas, são recebidas pelo próprio Concílio. Também hoje é possível considerar o liberalismo católico, tal como é em si mesmo. Escapa às confusões que atrapalharam sua carreira, que em certos momentos estiveram a ponto de fazê-la terminar prematuramente; assim vemos que não é uma sucessão de ilusões piedosas professadas por sombras transparentes, mas como um pensamento comprometido, havendo imposto sua influência durante um século e meio sobre os espíritos e sobre as leis, antes de receber a aceitação definitiva desta Igreja, que ele havia servido tão bem, mas onde havia sido tão freqüentemente desconhecido”.
Isto confirma o que havíamos dito: o Vaticano II é o Concílio do triunfo do Liberalismo.
Tem-se mais uma confirmação ao ler o livro de M. Yves Marsaudon “L’oecuménisme vu par Franc-maçon de Tradition”, escrito durante o Concílio. Marsaudon sabe o que diz:
“Os cristãos não devem esquecer que todos os caminhos conduzem a Deus (…) e se manter nesta valente noção da liberdade de pensar, que agora se pode falar de revolução saída de nossas lojas maçônicas, que se estendeu magnificamente sobre a cúpula de São Pedro”.
Ele triunfa, nós choramos! E o autor acrescenta estas linhas terríveis, entretanto verdadeiras:
“Quando Pio XII decidiu dirigir diretamente o importante Ministério de Assuntos Estrangeiros, a Secretaria de Estado, Mons. Montini foi elevado ao posto muito pesado de arcebispo da maior diocese da Itália, Milão, mas não recebeu a púrpura. Canonicamente não havia impedimento, mas era difícil, sob o ponto de vista da tradição vigente, que pela morte de Pio XII ele pudesse subir ao Supremo Pontificado. Então veio um homem, chamado João como o Precursor, e tudo começou a mudar”.
E este maçom, logicamente liberal, diz a verdade: todas as idéias pelas quais lutaram um século e meio, foram confirmadas pelo Concílio: liberdade de pensamento, de consciência e de cultos, foram inscritas neste com a proclamação da liberdade religiosa de “Dignitatis Humanae” e a objeção de consciência de “Gaudium et Spes”. Isto não se fez por causalidade, mas graças a homens que, infectados de liberalismo, chegaram à Sede de Pedro e usaram seu poder para impor estes erros à Igreja. Sim, na verdade o Concílio Vaticano II é a consagração do catolicismo liberal. Quando se lembra que o Papa Pio IX, setenta e cinco anos antes dizia e repetia àqueles que visitavam Roma: “Atenção, não há piores inimigos para a Igreja do que os católicos liberais!”. Pode-se sentir então que catástrofe constituiu para a Igreja e para o reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo, tais papas liberais e tal Concílio!
Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre
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243 Revista mensal “Jesus”, novembro de 1984, pág. 72.
244 Idem (nota 1).
245 Armand Colin, Ed.