
[Trecho retirado do livro La Santa Misa y la Vida Cristiana, pgs. 64-72]
“Depois apareceu no céu um grande sinal: Uma mulher vestida de sol, e a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre sua cabeça” [1]. A Mulher foi anunciada desde o princípio, associada ao Homem Deus, como projeto último na obra da criação, de que os anjos conheciam a intenção mas não a sabedoria que acompanhava a como que uma inversão da ordem natural das coisas. “O senhor me possui no princípio de seus caminhos, desde o princípio, antes que criasse coisa alguma. Desde a eternidade fui constituída, e desde o princípio, antes que a terra fosse criada.” [2]
A liturgia aplica à Santíssima Virgem esses textos que falam da Sabedoria de Deus. Se Deus criou o mundo, foi com a ideia da Encanação, e nesse grande projeto foi determinado, desde o princípio, que o Verbo recebesse sua natureza humana de uma Mulher, que por isso seria coroada como Rainha-Mãe de todo universo. Contra Ela pecou Lúcifer, criando inimizade que em seguida seria consolidada por Nosso Senhor; por Ela combateu São Miguel como cabeça dos santos anjos. Somente a obra da redenção do gênero humano justificou o mistério da Encarnação, pois era a única maneira com que o homem poderia reparar plenamente seu pecado. E a única que poderia fazer do Verbo Encarnado um de nós era a Virgem Mãe.
A execução desse projeto começou com o privilégio único da Imaculada Conceição: “Declaramos, pronunciamos e definimos a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.” [3] Esse dogma foi definido dogmaticamente em 1854. Embora os Santos Padres nunca aceitassem que se falasse em pecado na Santa Mãe de Deus, os grandes teólogos escolásticos tiveram dificuldade em aceitar o privilégio da isenção do pecado original, em primeiro lugar por um motivo teológico: a universalidade do dogma da Redenção. Pois alguns queriam eximir de tal maneira à Santíssima Virgem do pecado original a ponto de não precisar de Cristo Salvador.
Na definição do dogma, diz-se claramente que foi isenta “em vista dos méritos de Jesus Cristo, seu Filho e Redentor do gênero humano”. E em segundo lugar, havia uma dificuldade filosófica, pois a biologia antiga via-se obrigada a distinguir os momentos da concepção e da animação, retardando a última por algumas semanas. Como podia ser preservada, no momento da concepção, se não existia alma espiritual capaz de receber a graça. Essa dificuldade foi desaparecendo com o progresso da investigação biológica, e embora na definição dogmática não se mencione, define-se simplesmente que foi preservada “no primeiro instante da sua concepção”.
A graça, em todos os demais, agiu depois que se constituiu a pessoa pela concepção, mesmo naqueles que foram santificados no seio materno, como São João Batista e certamente São José. Em todos eles, a graça agiu como princípio de redenção, porque resgatou-os do domínio de Satanás, e como princípio de reparação, porque pouco a pouco restaurou as feridas deixadas pelo pecado original. Na Santíssima Virgem, ao contrário, a graça santificante interveio no mesmo instante em que se constituía a pessoa por concepção – e por isso se diz:
– que não que foi resgatada, pois nunca careceu da vida da graça, e sim preservada
– tampouco teve de ser restaurada, porque a graça não interveio curando uma natureza ferida, mas sim preservando a natureza para que não se constituísse com desordem interior.
Não se deve compreender a isenção do pecado original como se a Santíssima Virgem tivesse recebido a mesma graça que Eva, adornada de dons preternaturais. Não, essa graça se perdeu e não foi transmitida. A Virgem recebe a graça de Cristo, em previsão do mérito da Cruz, mas recebeu-a no mesmo instante de sua concepção, sendo constituída com uma natureza absolutamente sã, e extraordinariamente dotada mesmo no humano e no corporal – também agiu a providência dispondo em São Joaquim e Sant’Ana a melhor herança genética – porque deveria ser Mãe do Redentor em corpo e alma.
Nascida por promessa de graça a pais já idosos, que segundo antigas tradições viviam em Jerusalem em boas condições, foi apresentada no Templo aos três anos, ficando lá como interna para sua educação. Se Santa Teresinha decidiu ser religiosa aos dois anos e meio, e aos quatorze sentiu a necessidade de deixar seu amado pai para entregar-se a Deus, também podemos pensar que a Virgem Menina percebera tal necessidade aos três anos. Os sacerdotes encontravam-se então muito corrompidos, como também os rabinos, mas não faltavam almas santas no Templo de Jerusalém, como a profetisa Ana e o velho Simeão. Acaso poderiam deixar de ter reconhecido tamanha santidade no coração dessa Menina? As almas semelhantes se descobrem e se atraem. O que não teriam ensinado a uma alminha tão sedenta de Deus, e tão ardente com os dons do Espírito Santo? Quanto terá ela pensado naquela Virgem que anunciava Isaias como Mãe do Redentor, quanto amor, quanta compaixão não teria sentido por Aquela que deveria oferecer seu filho como cordeiro em sacrifício. Acaso não compartilhou com Simeão a convicção de ver o Ungido do Senhor? Seguramente, o voto de virgindade foi feito em seus anos no Templo – feito para associar-se à Virgem Mãe do Redentor, provavelmente pedindo a Deus que fosse uma pequena criada a seu serviço.
Como pode ser que a filha de uma família rica de Jerusalém 10 anos depois aparecesse casada em uma pobre aldeia na Galileia? Tem de ter perdido rapidamente seus pais idosos, e não é de se estranhar que a órfãzinha perdesse sua herança nas intrigas cobiçosas dos sacerdotes do Templo. Mas tais manipulações entravam nos planos da providência, que lhe deu o esposo mais digno à sublime missão de guardar a Virgem e a seu Menino-Deus: São José. Ali, no lar humilde de Nazaré, a oração dos patriarcas e profetas do Antigo Testamento – “Rorate caeli desuper!” – Derramai, ó Céus, lá dessas alturas o vosso orvalho, e as nuvens façam chover o justo; abra-se a terra, e brote o Salvador, e ao mesmo tempo nasça a justiça!” [4] – elevada desde o Coração puríssimo e ardentíssimo da Virgem, alcançaria acentos de pressa a que o céu não conseguiria resistir: “Converte-nos, ó Deus, salvador nosso, e afasta de nós a tua ira. Porventura estarás para sempre irado contra nós? Ou estenderás a tua ira de geração em geração? Ó Deus, voltando-te para nós, restituir-nos-ás a vida, e o teu povo se alegrará em ti. Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia, e dá-nos a tua salvação.” [5] Dias antes de ser recebida por São José, quando o sol começava o equinócio da primavera indicando um novo ano, quando as horas de luz começavam a superar as horas de trevas, em 25 de março, ao serafim São Gabriel, “um dos sete espíritos que assistem diante do Senhor”, [6] o mesmo que havia comunicado ao profeta Daniel o tempo da redenção [7], revelava desde a profundidade do mistério de Deus quem era a Eleita do céu como Mãe do Redentor, e lhe dava a missão de pedir seu consentimento. Normalmente, somente os coros inferiores dos anjos agem imediatamente entre os homens, de tal modo que os anjos da guarda são tomados sempre entre os coros inferiores de anjos e arcanjos, mas perante à Rainha eleita deveria aproximar-se um embaixador supremo.
Assim como convinha que Eva fosse filha e companheira do primeiro Adão, agora era conveniente que a nova Eva fosse companheira e Mãe do último Adão. A maternidade de Maria deveria ser o vínculo que uniria o Redentor conosco, os filhos de Adão, os necessitados de redenção. O Verbo queria nos redimir sendo um de nós, para que pudéssemos fazer algo uno com Ele, associando-nos à obra da redenção. Mas a redenção não seria gratuita, mas pela Cruz, e nossa associação à obra da redenção significava associar-nos ao sacrifício do Redentor. Por isso, o Verbo não quis desposar-se com nossa humanidade sem pedir nosso consentimento, porque não era pouco o que nos iria pedir. E esse consentimento foi pedido à Santíssima Virgem, digna representante, pois seria Rainha e Mãe de todos os eleitos. O “Fiat mihi” de Maria, “faça-se em mim” [8], é o “Fiat nobis” de todos nós: faça-se em nós. Ela o deu com plena advertência do que implicava, porque havia sido instruída pelo Espírito Santo sobre o sacrifício do Redentor. Ela sabia que o fiat deveria ser sustentado aos pés da Cruz, quando a espada atravessasse seu Imaculado Coração. Assim Ela, e assim nós se queremos ser seus súditos e filhos.
Após seu consentimento, o Espírito Santo desceu a seu puríssimo seio e consumou a obra da Criação. É Espírito de Amor, e é próprio ao amor que se comunique, por isso fez a suprema comunicação – não somente dando o ser ao que não existia, não somente elevando a natureza espiritual à participação da natureza divina, mas assumindo uma natureza humana na própria pessoa do Verbo de Deus. É próprio do amor unir, e o Espírito Santo uniu o criado com o divino, o tempo com a eternidade, a justiça com a misericórdia: “A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se oscularam. A fidelidade brotou da terra, e a justiça olhou do alto do céu. Porque o Senhor dará a sua bondade, e a nossa terra produzirá o seu fruto.” [9] O Amor renova tudo, e acabou com o velho para que começasse o Novo: “Enviarás o teu espírito, e serão criados, e renovarás a face da terra.” [10].
A Santíssima Virgem não somente foi o Templo vivo onde se realizou a unção do Sumo Sacerdote, mas foi a Terra Nova que, sob o orvalho do céu, deu o Fruto que se esperava, porque Ela não é apenas o lugar da Encarnação, mas também a matéria viva e disposta pelo amor, na qual agiu o Espírito Santo: “Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine”. A Maternidade divina supõe uma consagração de todo o ser da Santíssima Virgem, pela qual fica enxertada no mistério mesmo da União Hipostática. A paternidade e maternidade humanas não são resultado de um ato puramente biológico, como nas plantas, mas de um ato propriamente humano, mais espiritual do que corporal. A esposa se une ao esposo em um desejo de cooperar com Deus na transmissão da vida, em uma amorosa entrega que se prolongará com a educação da prole concebida. Em Adão e Eva o ato da concepção estaria animado pela caridade infusa, servindo como causa instrumental na transmissão da graça santificante à prole, de maneira análoga como age o batismo em relação à graça de Jesus Cristo. A relação de paternidade e maternidade, então, é uma relação humana, que reside primeiramente no espírito e não na pura carne. O “Fiat” da Santíssima Virgem foi um consentimento materno à ação do Espírito Santo, pelo qual se dispôs de alma e de corpo a que nela ocorresse a concepção do Verbo. Os Santos Padres insistem em esclarecer que, antes de conceber o Verbo em seu seio puríssimo, primeiro o concebeu em seu espírito, por um especialíssimo ato de fé nas palavras do Anjo: “Bem-aventurada tu, que creste” [11]; de esperança na redenção: “meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador” [12]; e de intensíssimo amor pelo qual começava a amar seu Deus como seu Filho: “Fez em mim grandes coisas aquele que é poderoso, e cujo nome é santo” [13]. O mesmo quis dizer Nosso Senhor quando corrigiu o elogio que se fez de sua Mãe: “Aconteceu que, enquanto ele dizia estas palavras, uma mulher, levantando a voz no meio da multidão, disse-lhe: Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos a que foste amamentado. Porém ele disse: Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus, e a põem em prática.” [14] Porque a relação de maternidade que a Virgem guarda com seu Filho é uma relação cujo sujeito não somente é o corpo, mas também (e mais ainda) o espírito, porque seu fundamento é a ação propriamente materna, que é mais espiritual do que corporal.
Ora, a relação de maternidade termina na própria pessoa do Filho, porque pela concepção o filho começou a ser. Por isso, embora a Maternidade da Virgem refira-se à natureza humana que seu Filho assumiu, contudo termina na própria pessoa do Verbo que a assume. Isso deve ser tomado de modo muito estrito. É tão assim que, embora Jesus Cristo seja muito verdadeiramente filho de Maria, sua filiação humana com relação a ela não é propriamente uma relação real, porque uma Pessoa divina não admite relações reais com suas criaturas – já que presumiriam uma modificação acidental que a simplicidade divina não permite. [15] Disso se segue que a Maternidade da Virgem se diz divina em sentido estrito, enquanto concebeu a pessoa divina do Verbo; também diz-se divina sob certo aspecto, enquanto a carne e sangue que d’Ela foram tomadas para conformar o corpo de seu Filho acabaram assumidas pelo Verbo, em condição de certo modo divina, como acima dissemos. Assim como a matéria tomada da Virgem termina na condição de pureza cristalizada que implica o corpo assumido de Jesus Cristo, que – como dissemos – somente pode existir nessa condição enquanto recebe o ser do próprio Verbo de Deus – o mesmo deve ser dito da Maternidade da Virgem, não de todo seu ser, mas somente de sua relação de mãe de Jesus Cristo: é uma Maternidade assumida, que pertence à ordem hipostática, que não deixa de ser humana, mas que tem condição de pureza cristal que não poderia dar-se e existir em nenhuma mera mulher – que somente existe nela por sua relação com o Verbo divino. Por isso, chega a dizer Santo Tomás que “tanto a humanidade de Cristo por estar unida a Deus, como a beatitude criada por ser fruição de Deus, assim como também a Santíssima Virgem por ser Mãe de Deus, têm certa dignidade infinita, pelo bem infinito que é Deus. E por tal aspecto, não se pode fazer algo melhor do que elas, do mesmo modo que não pode haver algo melhor do que Deus”. [16]
Essa condição da Maternidade da Virgem tem uma propriedade e duas consequências. A propriedade que apresenta, e que nos interessa particularmente, é sua permanência. Assim como foi colocada na existência não pelo ato humano de ser próprio da Virgem – estamos usando linguagem tomista – mas pelo próprio Verbo divino enquanto é princípio de existência da união hipostática, assim portanto existe enquanto exista a união hipostática, isto é, por toda a eternidade. Porque a relação de maternidade de uma mãe humana se perde quando seu filho morre, porque deixa de existir a pessoa concebida – a alma de seu filho não é propriamente pessoa. Mas a Maternidade da Virgem não se perdeu perante a morte de seu filho na Cruz, porque não deixou de existir a pessoa concebida, e tanto o corpo como a alma de Jesus Cristo seguiram unidos hipostaticamente ao Verbo de Deus. Ela seguiu sendo Mãe da Vítima oferecida, Mãe do Corpo divino que teve em seus braços ao ser descido da Cruz, e Mãe da Alma divina que desceu aos infernos para comunicar a vida eterna aos Justos do Antigo Testamento. E assim como a Santíssima Virgem conservou seu direito materno para com a Vítima da Cruz, conserva-o para com a Vítima dos altares, onde se separa incruentamente Corpo e Sangue.
Além dessa propriedade, a Maternidade divina tem – dissemos – duas consequências, que correspondem com as que apontamos para a humanidade de Jesus Cristo pelo fato da assunção. Em primeiro lugar, elevou-se a uma condição maior do que a plenitude de graça que a Virgem tinha pela Imaculada Conceição. A Maternidade da Virgem, como dissemos, foi movida primeiramente por atos excelentes de fé, esperança e caridade, e a condição de assunção hipostática que adquiriu por obra do Espírito Santo, isto é, a pureza cristal, conferiu-lhe como por refluxo uma firmeza e força únicas a todo organismo sobrenatural da Virgem, a sua graça santificante e as suas virtudes e dons infusos. Foi semelhante ao que ocorre com o batizado graças ao caráter batismal, que é também – como diremos – uma realidade que pertence à ordem hipostática. Semelhante, mas muito superior, porque é muito superior a relação de Maternidade com respeito ao Redentor, do que aquela que podemos ter de participação no Sacerdócio pelo caráter batismal. No momento mesmo da concepção do Verbo, imediatamente após o “Fiat” da Virgem, a plenitude de graça da Imaculada recebeu uma ampliação quase infinita, pois passou de ser, sim, a mais santa das criaturas de Deus, a ser a Mãe do Redentor. A novo ofício corresponde nova plenitude, mas ao ofício divino de ser Mãe de Deus corresponde uma plenitude de graça divinamente maior, que somente se explica pela nova disposição n’Ela produzida por sua divina Maternidade.
E a segunda consequência, que corresponde com a instrumentalidade que pode assumir a humanidade de Cristo por estar unida hipostaticamente ao Verbo, é a condição de cooperadora do Redentor que a relação de Maternidade permitiu à Santíssima Virgem, ou seja, sua condição de Corredentora e Mediadora de todas as graças. Dissemos que quanto mais unido está o instrumento ou ministro ao agente principal, para mais elevadas operações pode ser usado por esse agente principal. Ora, depois da própria natureza humana de Cristo, nada houve mais unida ao Verbo do que sua Mãe. Porque a mãe tem direito sobre seu filho, como a terra sobre seu fruto, e dada a permanência dessa relação de maternidade da Mãe com seu Filho, nada pode remover esse direito materno. Se a própria morte não o conseguiu, tampouco o casamento que Nosso Senhor realizaria com a Igreja. Porque embora Deus deu como lei que o homem deixa o pai e a mãe para unir-se a sua mulher, essa lei não valia para Ela. Jesus Cristo iria desposar a Igreja, mas o mútuo consentimento que deveria selar tal união dependia, ou melhor, consistia – como dissemos – no “Fiat” da Virgem. A livre aceitação de sua Maternidade era a condição da Redenção, porque dela dependia o vínculo do Redentor com os redimidos e, portanto, a própria decisão da encarnação. Portanto, nem a morte sacrificial nem o matrimônio redentor com a Igreja poderiam desvincular a Mãe de seu Filho.
Jesus Cristo era d’Ela, e a Ela cabia entregá-lo, ou não, à imolação da Cruz, do mesmo modo como Isaac pertencia à Abraão, e a Abraão Deus pediu que o imolasse, e o mérito desse sacrifício foi tanto de Isaac que obedeceu, como de Abraão que o entregou. À Santíssima Virgem correspondeu desatar a Hora da Paixão. Quanto pediu a seu filho um milagre em Caná, justamente em um casamento, Jesus Cristo lhe respondeu que todavia ainda não tinha chegado a sua Hora, porque bastaria que a Luz brilhasse com o resplendor de seus milagres, para que as trevas se voltassem para crucificá-la. E deu início a essa Hora impulsando-o ao milagre: a Ela lhe correspondia como Mãe. E Ela estará ali, aos pés da Cruz, consumando o sacrifício em seu ofício de Corredentora. Como Mulher, não lhe cabia o ofício sacerdotal, como coube a Abraão, que deveria com suas próprias mãos imolar Isaac, mas como Mãe [de Maternidade divina] ninguém poderia tirar a vida de seu filho sem seu consentimento. O que disse Jesus de sua própria vida, poderia ser dito também por Maria Santíssima: “Ninguém a tira de mim; dou-a voluntariamente; tenho poder para dá-la e poder para recuperá-la novamente; essa é a ordem que recebi do Pai.” E ninguém poderia tirar a vida de seu filho sem a ela tirar a vida, porque era alma de sua alma, e formavam uma única Vítima.
Corredentora junto ao Redentor, foi também necessariamente Mediadora de todas as graças junto ao “único mediador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo homem” [17]. Porque ninguém pode entrar dentro do âmbito da salvação sem se associar ao consentimento materno da Santíssima Virgem, a seu “Fiat”. Nada fará Deus em mim se não digo com Ela “faça se em mim segundo a vossa Palavra”. Como diremos a seguir, não podemos ser objeto da Redenção sem pertencer a Jesus Cristo como o membro a sua Cabeça, e a mãe não é mãe somente da cabeça, por mais que seja o que sai primeiro. Gozosíssima deu a luz em Belém à Cabeça do Corpo místico, e dolorosíssima terminou de dar a luz ao Corpo no Calvário: “Disse a sua Mãe: Mulher, eis aí o teu Filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí a tua Mãe.” O Coração Imaculado de Maria é o âmbito da Redenção, é o Templo da Nova Jerusalém, único onde pode encontrar-se o Redentor, Ela é Mãe da Igreja e de certo modo se identifica com a Igreja; fora d’Ela não há salvação: “Extra Mariam nulla salus”. Por isso, não há graça que possa passar de Jesus Cristo aos homens que não passe por sua mediação materna.
Notas:
[1] Ap 12, 1
[2] Pr 8, 22-23
[3] Papa Pio IX, Bula Ineffabilis Deus, 8 de dezembro de 1854.
[4] Is 45, 8
[5] Sl 84, 4-7
[6] Tb 12, 15
[7] Dn 9, 21
[8] Lc 1 38
[9] Sl 84, 11-13
[10] Sl 103, 30
[11] Lc 1, 45
[12] Lc 1, 47
[13] Lc 1, 49
[14] Lc 11, 27-28
[15] Não explicaremos em detalhe. Veja-se Santo Tomás, Suma Teológica, III, q. 35, a. 5
[16] Santo Tomás, Suma Teológica, I, q. 25, a. 6 ad 4
[17] 1Tm 2, 5
[18] Jo 19, 26-27