Fonte: “Hojitas de Fe”, 251 | Seminário Nossa Senhora Corredentora, FSSPX
Tradução: Dominus Est
Hoje as pessoas, famílias e sociedades agonizam e morrem pelo pior dos venenos: o liberalismo. Esse é o seu nome científico: consiste em uma falsa concepção da liberdade, que a coloca como o valor máximo, essencial, em certo modo único para a humanidade. Os sábios antigos sempre definiram o homem como um animal racional. Mas o liberalismo o redefine como um animal livre: o que é próprio e específico da pessoa humana, que a distingue de tudo o mais, já não é mais sua racionalidade, mas sua liberdade.
Tomemos nota do diagnóstico! Acaso não é passo fundamental que o médico consiga descobrir o que está matando o paciente? E não é qualquer veneno, mas a essência mesma de todo tóxico da alma. A ilusão que está no fundo de todo pecado, que lhe dá força, seu mecanismo mais íntimo, é a ilusão liberal: “Non serviam!” Não servirei, não serei escravo de ninguém!
Bem, esse veneno universal, ocasionador de todas as doenças, tem remédio? Os remédios que curam todas as outras enfermidades espirituais, são apenas paliativos do liberalismo, causador de todas elas. Há apenas um antídoto universal ao liberalismo: o Santíssimo Sacramento da Eucaristia; e isso tanto no indivíduo, como na família e na sociedade.
1º A Eucaristia, antídoto do liberalismo no indivíduo.
LIBERDADE DE PENSAR
A primeira liberdade que o liberalismo reclama é a liberdade de pensamento. És livre para pensar o que quiseres, para ter tua opinião; se não, não tens personalidade. E embora haja menos espaço para a liberdade nas ciências exatas, deve haver liberdade acima de tudo na ciência do bem e do mal: só posso julgar o que me beneficia ou prejudica. E daí a primeira renúncia: Não aos magistrados da autoridade, que aprisionam a inteligência ao ditar o que pensar. Não ao Magistério da Igreja.
E por que a Eucaristia é o remédio apropriado para esse mal? Porque é o mistério da nossa fé, que exige a maior entrega e rendição da inteligência, e o que mais pedagogicamente explica e faz aceitar os outros mistérios. A Eucaristia pede para acreditar na Trindade e na Encarnação, pois nos são oferecidos a carne e o sangue do Filho, pela obra do Espírito Santo, para a glória do Pai; crer na redenção através da Cruz, no Sacerdócio, nos Sacramentos, na santidade da Igreja. E tudo deve ser acreditado sem poder tocar, como Tomás, as chagas de Nosso Senhor, nem ver seus milagres. Mysterium Fidei: exigência máxima de fé.
LIBERDADE DE AGIR
Da liberdade de pensamento segue-se a liberdade de comportamento. Se recebo de Deus os dez mandamentos que me dizem o que é certo ou errado, tenho que obedecer; mas se sou livre na ciência do bem e do mal, faço o que quero. Pais e professores não estão lá para projetar suas maneiras de agir sobre as crianças, mas para lhes ampliar e assegurar seus limites de liberdade. A única lei, o único limite, é a liberdade dos outros.
Mas o que diz Jesus Eucaristia? Eu sou Deus, e tu não vês minha docilidade? Eu resisto ao sacerdote quando me traz ao altar, ou a ti quando te aproximas da comunhão? Eu, Deus, fui obediente ao meu Pai até a morte da Cruz, e aos homens até a morte do Altar, e tu, pequeníssima criatura, queres alcançar a liberdade pelos caminhos que queres? Eu sou o Caminho: segue o exemplo da minha submissão eucarística e alcançarás a verdadeira liberdade.
LIBERDADE DE SENTIR
Dá liberdade a teus sentidos, para quê os tens? Reprimir teus desejos restringe tua personalidade e acaba por te deixares doente. Nada roubas à tua namorada se ela consente em dar; tu és livre, ela é livre. Vista-te como bem entenderes, a outra não é dona dos olhos do seu marido: deixe-o ser livre. O único pecado é não respeitar a liberdade dos demais.
No entanto, Jesus eucarístico nos diz: Eu, que sou a Pureza encarnada, envolvo-me no branco manto das espécies de pão para ainda permanecer entre os filhos. Eu me entrego a ti, mas “não me toques” (João 20: 17); consagrei as mãos de meus sacerdotes, exijo que eles vivam em pureza, e ainda assim cubro-me em sua presença. Eu, que sou a própria Pureza e a Santidade, renunciei em sentir e a que me sintam, e tu não queres deixar de ver e seres visto? Se queres “provar e ver como o Senhor é bom” (Sl. 33 9), esconde-te como outra eucaristia.
LIBERDADE DE SER
Os sofismas do liberalismo desencadeiam um processo que termina em loucura. “O agir segue o ser”, diziam os escolásticos, e eles, por sua vez, estavam certos. Se és livre para agir, és livre para ser. Que não te determinem os demais, quer seja homem ou mulher. És divino, tu podes se autocriar com toda a liberdade!
Mas tamanha soberba, que chega à insanidade infernal, encontra remédio na humildade eucarística, que parece loucura à sabedoria humana. Porque na Eucaristia Nosso Senhor renuncia até a dignidade de sua natureza humana, para dar-se em alimento e fazer-nos partícipes da natureza divina. “Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens”. (1Cor 1 25). Se queremos nos tornar deuses de verdade, a Eucaristia nos ensina a humildade de aceitar não ser considerados nem mesmo homens.
LIBERDADE DE EXISTIR
És livre para dar e tirar a vida! Sim, o liberalismo chega a tal ponto. Deus não te dá filhos? Fabriquemo-los em uma proveta, para isso progrediu a ciência. Um filho limita tua liberdade? Mata-o antes que o vejas, porque depois pode ser que te dê pena; mas não te preocupa, não é uma pessoa porque ainda não tem liberdade. Falta-te um órgão para continuar vivendo? Tu tens o direito de viver e, portanto, tira os órgãos do primeiro a perder a consciência, afinal, uma vez que não há consciência, não há mais liberdade e já não é mais uma pessoa humana. Teus pais estão velhos e atrapalham? Mata-os, os idosos tampouco são pessoas, já não mais decidem por si mesmos, não têm liberdade. Aquele que não tem liberdade não tem nenhum direito de limitar-se aos demais. Só a liberdade estabelece limites à liberdade.
E o que Jesus Eucaristia diz? Eu sou a Vida, e só quem me come tem a vida verdadeira, a vida eterna. E todos os dias no Altar estou dando a minha vida em sacrifício para que tu não a percas, para cada um de teus filhos. Eu sou o Viático que suaviza a agonia dos enfermos. Eu sou o Pão que sustenta as debilidades da velhice, e faz com que suas humilhações sejam purgatório que lhes abre as portas da glória celestial. Deixa que as crianças venham a mim! Deixa-me ser o Cireneu de todos os doentes, aproximando-lhes a comunhão! Deixa-me ser a coroa de todos aqueles que combateram comigo em uma longa vida! A única verdadeira instituição Pró-vida é a Eucaristia.
2ª Eucaristia, antídoto contra o liberalismo na família.
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
Quantas discussões acontecem em família! Pois bem, o liberalismo vem nos oferecer a paz familiar, e para isso é suficiente a liberdade de consciência. Não te metas com a minha consciência: que ninguém me julgue, porque ninguém conhece o meu interior; que te importa o que faço ou não faço, desde que isso não te impeças de ser livre como eu? Assim fala o marido à esposa, a esposa ao marido, os filhos a seus pais. E a família de três, cinco ou sete pessoas é dividida em três, cinco ou sete pedaços, cada um com excelente personalidade.
Mas o que faz a Eucaristia na família? Obriga-nos, ó horror! a revelar nossa consciência. Porque a Missa é celebrada no mesmo lugar, e se estamos em pecado mortal não podemos comungar diante de toda a família! Então a esposa ao marido, o pai ao filho, pode delicadamente dizer-lhe: Por que não te confessas? Que bens enormes são derramados na família quando a Eucaristia nos impede da liberdade de consciência e abre as portas da verdadeira caridade!
3º A Eucaristia, antídoto do liberalismo na sociedade.
LIBERDADE RELIGIOSA
A sociedade é a grande família, e o liberalismo também aí mente prometendo a paz. O principal motor de todas as guerras — dirá o liberalismo — é o fanatismo religioso. Eu, sim, sei respeitar a religiosidade dos homens e valorizo enormemente a dimensão espiritual. Mas, defendo acima de tudo a necessária liberdade espiritual que deve existir entre os homens e a divindade, e por isso me declaro protetor da convicção religiosa de cada homem. Para viver juntos em harmonia pacífica, basta distinguir o religioso do social. Que cada um respeite os semáforos e pague os impostos; e então sejas tão religioso quanto queiras, segundo o que mais te convença; só tens que saber respeitar a religiosidade dos outros.
Antes, isso não era possível porque os homens adoravam os ídolos de pedra e ouro, e lutavam para saber qual deveria estar no centro da cidade. Agora sabemos que a divindade é espiritual, que não está aqui nem ali, mas dentro das consciências; que não tem um rosto próprio, mas o que cada um quer pintar. Jesus não disse à mulher samaritana que “Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade” (Jo 4, 24)?
Sim, assim disse Nosso Senhor. Mas Deus se fez Eucaristia, e acontece que o Deus Eucarístico ocupa um lugar! Um lugar minúsculo, mas muito preciso na cidade. E o Deus eucarístico ainda tem um rosto! Um rosto simples, mas que nos obriga a olhar ou fechar os olhos. E então não permite a ilusão liberal. O presidente pode subir a rampa presidencial e governar em nome da democracia, embora em seu coração se declare muito católico. Mas se da Catedral vem a procissão do Santíssimo Sacramento, ou se ajoelha e adora, ou permanece em pé e blasfemando. A Eucaristia impede que ele seja liberal.
E a Eucaristia impede que sejam liberais os próprios sacerdotes. Porque eu, sacerdote, poderia muito bem dizer: Que cada qual responda por sua consciência, e que quem quiser se confessar que venha, pois não tenho que ir buscar ninguém. Mas acontece que a mim me toca dar ou não dar a Comunhão, e se a dou ao pecador público, Deus me reclamará. Agora já não posso dizer: Quem sou eu para julgá-lo? Sim, devo julgar, porque em minhas mãos está a Eucaristia, e tenho que decidir se devo dá-la ou não.
Conclusão
Os protestantes, que não têm Eucaristia, poderão ser liberais; poderão ser os judeus e os muçulmanos, que dizem adorar um Deus espiritual que está em toda parte ou em nenhuma; mas não pode ser um católico que não tenha perdido a fé na Presença Real. O católico liberal deve necessariamente negar o dogma eucarístico. E só a Eucaristia é capaz de triunfar sobre a atração diabólica da bandeira da liberdade: “E quando eu for elevado sobre os Altares, atrairei tudo a mim” (Jo 12 32). Não, as manifestações contra o-aborto e contra todas as abominações liberais não triunfarão até serem encabeçadas pelo Santíssimo Sacramento.