A LEI ANTIGA E A LEI EVANGÉLICA SEGUNDO O VATICANO II E SEGUNDO A TRADIÇÃO CATÓLICA – PARTE III

Fonte: Sì Sì No No – Tradução: Dominus Est

A Nova Lei é em primeiro lugar a graça do Espírito Santo e em segundo a Lei escrita (S. Th., I-II, q. 106, a. 1)

Santo Tomás inicia com a citação de Jeremias: “Estão a chegar os dias, diz o Senhor, em que farei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá” (XXXI, 31). Depois cita São Paulo, que explica assim a profecia, citando a Jeremias: “Mas esta é a aliança que estabelecerei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o Senhor: porei as minhas leis no seu espirito, gravá-las-ei no seu coração” (Heb. VIII, 10).

O Angélico desenvolve o dado revelado afirmando que cada coisa é constituída pelo seu elemento principal. Ora, aquilo que é principal no Novo Testamento é a graça do Espírito Santo, que deriva da Fé em Jesus Cristo. Por conseguinte, a Nova Lei é principalmente a graça do Espírito Santo, concedida a todo aquele que crê em Jesus Cristo. São Paulo, com efeito, chama de Lei a graça da Fé [‘per Legem fidei’] (Rom. III, 27), e em termos ainda mais explícitos escreve: “Com efeito, a lei do Espirito de vida em Jesus Cristo me livrou da lei do pecado e da morte” (Rom. VIII, 2). É por isso que Santo Agostinho ensina que “assim como a lei das obras foi escrita nas tábuas de pedra, assim a lei da fé foi escrita nos corações dos fiéis” (De Spiritu et littera, c. 24).

Todavia – continua Santo Tomás – a Nova Lei contém alguns dados, seja em matéria de Fé ou Costumes, os quais são como elementos aptos a predispor à graça do Espírito Santo ou a viver desta graça por meio das boas obras; e eles são aspectos secundários da Lei, que os cristãos devem aprender. Donde a conclusão que a Nova Lei é principalmente uma Lei infusa e secundariamente uma Lei escrita.

Na resposta à segunda objeção, o Angélico explica que a Nova Lei é infusa no homem por meio de um dom gratuito ou sobrenatural de graça não só como regra que indica o que é necessário fazer, mas também como ajuda para cumpri-la. E, dado que ninguém (resposta à 3ª objeção) jamais recebeu a graça do Espírito Santo senão por meio da Fé explícita ou implícita em Cristo (vindouro ou vindo) e por tal Fé o homem pertence ao Novo Testamento, quem recebeu a infusão da graça por este mesmo fato pertence ao Novo Testamento mesmo que tenha vivido antes de Jesus Cristo, como Abraão e todos os santos do Antigo Testamento.

A Lei Nova como graça do Espírito Santo santifica; como lei escrita não justifica (S. Th., I-II, q. 106, a. 2)

A Lei evangélica é principalmente a graça interior do Espírito Santo, e sob este aspecto justifica. Por isso Santo Agostinho escreve: “Aí [no Antigo Testamento] a lei foi imposta extrinsecamente, pela qual os injustos eram aterrorizados; aqui [no Novo Testamento] foi dada intrinsecamente, pela qual se justificassem” (De Spiritu et littera, c. 17).

Secundariamente, a Lei evangélica, quando trata da doutrina da Fé e dos Mandamentos, é uma lei escrita e sob este aspecto secundário não justifica. São Paulo afirma: A letra mata, mas o Espírito vivifica” (2Cor. III, 6) e Santo Agostinho explica que por “letra” entende-se qualquer escritura existente fora dos homens, mesmo se se trata de preceitos morais, como aqueles contidos no Evangelho.

Embora a graça do Novo Testamento (ad 2um) ajude o homem a não pecar, não o torna todavia impecável, mas não se pode dizer que a Nova Lei “produz a ira” como a Antiga, porque diferente daquela, ela oferece ajuda suficiente para não pecar, e por isso aquele que peca depois de ter recebido a graça do Novo Testamento é digno de um castigo mais grave, porque abusa de um benefício maior.

Não convinha que a Lei Nova fosse dada desde o princípio do mundo

A primeira razão pela qual a Nova Lei não foi dada no princípio do mundo é porque ela consiste principalmente na graça do Espírito Santo, por isso ela não poderia ser concedida em abundância antes que se removesse da humanidade, com a Redenção de Cristo, o obstáculo do pecado. A segunda razão é deduzida da perfeição da Nova Lei: nada é perfeito desde o início, senão que atinge sua perfeição com o tempo (por exemplo, primeiro você é uma criança, depois um homem). A terceira razão é deduzida do fato de que a Nova Lei é a Lei da graça; por isso era necessário que o homem fosse entregue a si mesmo, na Lei Antiga, para que, caindo no pecado, pudesse verificar sua própria enfermidade e reconhecer que necessitava da graça.

A Lei Nova não deve esperar uma perfeição ulterior (S. Th., I-II, q. 106, a. 4)

O estado do mundo – diz São Tomás – pode mudar de duas maneiras.

1°) Com a variação da Lei, e neste sentido ao estado atual da Nova Lei nenhum outro estado se seguirá, pois o estado da Nova Lei seguiu o da Lei Antiga, como o que é perfeito segue o imperfeito. Nenhum estado de vida presente pode ser mais perfeito do que o da Nova Lei, pois nada está mais próximo do objetivo final do que o que introduz diretamente a ele.

2°) O estado da humanidade pode variar devido ao diferente comportamento dos homens em relação à mesma lei, que podem observar mais ou menos perfeitamente. Nesse sentido, houve mudanças sob a Lei Antiga e elas também podem ser tidas sob a Nova Lei, pois a graça do Espírito Santo pode ser possuída mais ou menos perfeitamente por lugares diferentes, tempos e pessoas. Mas não devemos esperar por um estado futuro [a era Joachimita do Espírito Santo] em que a graça do Espírito Santo poderá ser tida mais perfeitamente do que aconteceu até agora, especialmente em relação aos Apóstolos, que receberam “as primícias do Espírito Santo”, isto é, como explica a glosa, “antes dos outros e mais abundantemente” (Rom. VIII, 23).

“O artigo – comentam os dominicanos italianos – indica claramente a posição de Santo Tomás sobre o problema da história. Os proponentes do desenvolvimento moral (e não apenas técnico) indefinido e progressivo da humanidade têm nele um oponente convicto. Tal como acontece com o desenvolvimento dogmático, ele admite um progresso substancial somente até Cristo” (Commento alla Somma Teologica …, op. cit., vol. XIII, p. 34).

A resposta à terceira objeção especifica que a Lei Antiga não foi somente do Pai, mas também do Filho, visto que ela prefigurava Cristo; assim também a Nova Lei não é somente de Cristo, mas também do Espírito Santo. Não devemos, portanto, esperar, como gostariam os joaquimitas, pela terceira era do Espírito Santo.

A Lei Nova, Lei de amor e de perfeição, é diferente da Lei Antiga, que é Lei de temor e preparação (S. Th., I-II, q. 107, a. 1)

Duas leis podem ser distinguidas de duas maneiras: 1°) como completamente diferentes, porque são ordenadas a fins diferentes; 2°) porque uma é ordenada ao fim de forma mais direta e próxima do que a outra (por exemplo: no mesmo Estado, a lei imposta a pessoas maduras, já capazes de realizar o que é exigido pelo bem comum, é diferente da lei para a educação das crianças, que devem ser treinadas para desempenhar as ações dos adultos no futuro). A Nova Lei não difere da Antiga Lei no primeiro sentido, sendo o objetivo de ambas únicas: ordenar os homens a Deus. No entanto, distingue-se da Lei Antiga no segundo sentido, pois a Lei Antiga é como o pedagogo das crianças, segundo São Paulo, enquanto a Lei Nova é uma Lei de perfeição porque é uma Lei de caridade que é um “vínculo de perfeição” (Col. III, 14), isto é, um compêndio ou soma de todas as perfeições.

Portanto, todas as diferenças entre a Antiga e a Nova Lei (ad 2um) são concebidas com base na relação entre uma coisa imperfeita e sua perfeição. A Lei Antiga, que era dada aos homens imperfeitos (que ainda não tinham o hábito da virtude), é chamada de “Lei do temor” porque induzia à observância dos preceitos com a ameaça de certos castigos. Em vez disso, a Nova Lei foi dada para homens perfeitos (que têm o hábito da virtude) que são, portanto, impelidos a fazer o bem fácil e prontamente pelo amor ao bem e não pelo castigo ou recompensa extrínsecas ao próprio bem. É por isso que a Nova Lei (que consiste principalmente na graça do Espírito Santo) é chamada de “Lei de amor”. Por isso se diz que a Lei Antiga “coibia a mão, não o espírito” porque, quando alguém se abstém do pecado apenas por medo do castigo (temor servil), sua vontade não desiste da culpa em sentido absoluto, enquanto se diz que a Nova Lei “coíbe o espírito”.

No entanto, no Antigo Testamento havia almas cheias de caridade (Abraão, Isaac, Jacó, José, etc.) e da graça do Espírito Santo, que tinham o olhar voltado principalmente para as promessas espirituais e eternas e não para as promessas temporais e materiais; sob este aspecto aquelas almas já pertenciam à Nova Lei. Da mesma forma, no Novo Testamento há homens carnais, que ainda não atingiram a perfeição (faltam-lhes as virtudes) e que, portanto, devem ser induzidos a agir bem com a ameaça de punição ou com a promessa de bens temporais. Aqueles que no Antigo Testamento foram aceitos por Deus pela Fé no Cristo vindouro (ad 3um) sob este aspecto eram cristãos e pertenciam ao Novo Testamento.

Abraão é nosso Pai na Fé, “nosso”, de nós cristãos e não dos atuais judeus que ainda rejeitam a Cristo. São Paulo vê nas duas esposas de Abraão a figura dos dois Testamentos. A escrava Hagar representa a Sinagoga; Sara, a mulher livre, é o símbolo da Igreja. Agar dá à luz uma criança escrava como ela segundo a carne; Sara dá à luz uma criança livre como ela segundo o Espírito. A alegoria é transparente: os judeus, como Ismael, são filhos de Abraão segundo a carne; mas, como Ismael, eles não são herdeiros de Abraão segundo o Espírito; Os cristãos, como Isaac, são descendentes de Abraão segundo o espírito e, como Isaac, herdam promessas e bênçãos espirituais. De fato, os santos do Antigo Testamento eram justificados apenas pela fé em Cristo (acompanhada de boas obras). É por isso que São Paulo diz de Moisés:“…considerando maior riqueza o opróbrio do Cristo, que os tesouros dos Egípcios, porque olhava para a recompensa” (Heb. XI, 26): Moisés já então, em 1300 a. C., sofreu pela causa de Cristo e pela Fé no Cristo que haveria de vir.

(continua…)

Crispinus