A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CULTOS

Resultado de imagem para marcel lefebvreSob o nome sedutor de liberdade de culto, proclama-se a apostasia legal da sociedade”. Leão XIII

Na encíclica “Libertas”, o Papa Leão XIII passa em revista as novas liberdades proclamadas pelo liberalismo. Seguirei sua exposição passo a passo66.

“Será bom considerar separadamente os diversos tipos de liberdade que são consideradas como conquistas da nossa época”.

A liberdade de cultos (ou liberdade de consciência e de cultos) é a primeira; ela é, como explica Leão XIII, reivindicada como uma liberdade moral da consciência individual e como uma liberdade social, um direito civil reconhecido pelo Estado.

“Consideremos a propósito dos indivíduos, esta liberdade tão contrária à virtude de religião, a liberdade de cultos, como chamam, liberdade que tem seu fundamento em considerar permitido a cada um professas a religião que mais lhe agrade, ou não professar nenhuma. Ao contrário, entre todas as obrigações do homem, a maior e a mais santa é sem dúvida a que nos manda oferecer a Deus um culto de piedade e de religião. E este dever vem do fato de que estamos sempre sob  o domínio de Deus, somos governados por sua vontade e providência, temos nEle nossa origem e havemos de retornar a Ele”.

Se realmente o indivíduo-rei é considerado a fonte de seus próprios direitos, é lógico que ele atribua à sua consciência uma completa independência em relação à Deus e à religião. Leão XIII considera então a liberdade religiosa enquanto direito civil67.

“Do ponto de vista social, esta mesma liberdade pede que o Estado não tribute nenhum culto público à Deus, ou não autorize nenhum culto público, que nenhuma religião seja preferida à outra, e que todas elas tenham os mesmos direitos, sem nenhuma consideração ao povo, mesmo que este professe o catolicismo”.

Se a sociedade não é mais do que uma coleção puramente convencional de indivíduos-rei, nada deve à Deus, e o Estado se considera livre de todos os deveres religiosos; isto é completamente falso, diz Leão XIII:

“Com efeito, não se pode duvidar que a reunião dos homens em sociedade seja estabelecida pela vontade de Deus e isto quando a consideramos tanto nos seus membros, nas suas causas, ou na quantidade de vantagens que acarreta. Foi Deus quem criou os homens para viver em sociedade e os colocou

entre seus semelhantes para que as exigências naturais, que  eles não podem satisfazer isoladamente, fossem feitas pela sociedade. Assim a sociedade, por ser sociedade, deve reconhecer a Deus como pai e autor, e em conseqüência, oferecer ao seu poder e à sua autoridade a homenagem de um culto. A justiça pois, proíbe, como também a razão, que o Estado seja ateu ou que venha a apoiar o ateísmo, que proceda do mesmo modo com relação à diversas religiões e conceda a todas indistintamente iguais direitos”.

Leão XIII faz um esclarecimento necessário: quando se fala da religião de modo abstrato, fala-se implicitamente da única  verdadeira religião, que é a da Igreja Católica:

“Sendo pois necessário ao Estado ter uma religião, deve professar a única verdadeira, a qual se conhece sem  dificuldade especialmente nos povos católicos, pois nela aparecem como gravadas as marcas da verdade”.

Como conseqüência o Estado deve reconhecer a verdadeira religião como tal, e professar o catolicismo68. As citações abaixo condenam sem apelação o pretendido agnosticismo do Estado e sua pretendida neutralidade em matéria religiosa:

“Esta religião é pois a que devem conservar os governos; esta  a que devem proteger se querem, como devem, atender com prudência aos interesses da comunidade. A autoridade pública está com efeito constituída para utilidade de seus governados e

para proporcionar a eles a prosperidade nesta vida terrena; entretanto não deve diminuir mas aumentar as facilidades para conseguir o supremo e último bem, que é a eterna felicidade  do homem, que não pode ser obtida sem a religião”.

Voltarei a falar sobre esta citação que contém o princípio fundamental que regula as relações do Estado com a Religião, ou seja, com a verdadeira religião.

A encíclica “Libertas” é de 20 de junho de 1888. Um ano mais tarde, Leão XIII volta ao tema da liberdade de cultos para condená-lo novamente com palavras admiráveis e zelo apostólico, em carta ao Imperador do Brasil.

Eis abaixo trechos que mostram o absurdo e a impiedade da liberdade de cultos, uma vez que implica sempre no ateísmo do Estado69:

“A liberdade de cultos, considerada em relação à sociedade, está baseada no princípio de que o Estado, inclusive em uma nação católica, não está obrigado a professar ou favorecer nenhum culto; deve permanecer indiferente a respeito de todos e considerá-los juridicamente iguais. Não se trata de uma tolerância que em situações especiais pode ser concedida a cultos dissidentes, mas o reconhecimento de dar a estes cultos os direitos que pertencem somente à única verdadeira religião, que Deus estabeleceu no mundo e marcou com sinais claros   e precisos, para que todos possam reconhecê-la e como tal abraçá-la”.

“Além disso, semelhante liberdade põe num mesmo plano verdade e o erro, a fé e a heresia, a Igreja de Jesus Cristo e qualquer outra instituição humana; estabelece uma funesta e deplorável separação entre a sociedade humana e Deus, seu autor; desemboca finalmente na triste conseqüência do indiferentismo do Estado em matéria religiosa ou, o que é o mesmo, no ateísmo”.

São palavras que valem ouro! São palavras que se deveria aprender de cor. A liberdade de cultos implica no indiferentismo do Estado quanto à todas as formas religiosas. A liberdade religiosa significa necessariamente o ateísmo do Estado, pois ao professar o reconhecimento ou favorecer a todos os deuses, o Estado de fato não reconhece a nenhum, especialmente não reconhece o verdadeiro Deus! Eis aí o que respondemos quando nos apresentam a liberdade religiosa do Vaticano II como uma conquista, como um progresso, como um desenvolvimento da doutrina da Igreja! É o ateísmo por acaso um progresso? A “teologia da morte de Deus” inscreve-se na linha da tradição? A morte legal de Deus! É inimaginável!

É fácil constatar que é disto que estamos morrendo: em nome da liberdade religiosa do Vaticano II foram suprimidos os Estados  ainda católicos que foram laicizados, foi apagado das constituições desses Estados o primeiro item que proclamava a submissão do Estado à Deus, seu autor, no qual se fazia profissão da verdadeira

religião70. Isto é exatamente o que os maçons não queriam mais saber; eles encontraram então o meio radical: nada menos do que levar a Igreja por meio do seu magistério a proclamar a liberdade religiosa e assim, por uma conseqüência sem apelação, obter a laicização dos estados católicos.

Vocês sabem, e é um fato histórico publicado na ocasião pelos jornais de Nova York, que o Cardeal Bea, na véspera do Concílio, foi visitar os B’nai B’rith, os “filhos da Aliança”, uma seita maçônica reservada aos judeus de grande influência no mundo ocidental71. Na sua qualidade de secretário do Secretariado para a Unidade dos Cristãos, fundado por João XXIII, ele lhes    perguntou:

― Maçons, o que vocês querem? Eles lhe responderam: ― A liberdade religiosa, proclamem a liberdade religiosa e cessará as hostilidades entre a maçonaria e a Igreja Católica! E eles ganharam a liberdade religiosa; ela é pois uma vitória maçônica! O segundo fato vem corroborar o acima citado: a algum tempo, o presidente Alfonsin, da Argentina, foi recebido oficialmente na Casa Branca  em Washington e pela B’nai B’rith em Nova York, sendo condecorado pelos maçons com a medalha da liberdade religiosa, por haver instaurado um regime de liberdade de cultos, de liberdade religiosa72.

Por causa disso nós rechaçamos a liberdade religiosa do Vaticano II, a rechaçamos nos mesmos termos em que fizeram os papas  do século XIX, nos apoiamos em sua autoridade e somente nela. Que maior  garantia  podemos  ter  de  estar  na  verdade  e  sermos fortes

senão pela própria força da tradição e do ensinamento constante dos Papas, Pio VI, Pio VII, Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII, Bento XV, etc, que sem exceção condenaram a liberdade religiosa, como mostraremos no capítulo seguinte.

*

Ao concluir este capítulo me contentarei em citar um trecho da carta “E giunto” na qual o Papa Leão XIII dá mostras mais uma vez da clareza e força admiráveis de seu juízo sobre a liberdade religiosa (que ele chama de liberdade de cultos):

“Será supérfluo insistir nestas reflexões. Repetidas vezes em documentos oficiais dirigidos ao mundo católico, nós temos demonstrado quão errônea é a doutrina daqueles que sob o nome de liberdade de culto proclamam a apostasia legal da sociedade, separando-a de seu divino autor”.

Lembrem-se sempre: a liberdade religiosa é a apostasia legal da sociedade; é isto que respondo a Roma cada vez que me querem obrigar a aceitar globalmente o Concílio e especialmente a declaração sobre a liberdade religiosa.

Neguei-me a assinar este ato conciliar em 7 de dezembro de 1965 e atualmente, vinte anos mais tarde, as razões para não fazê-lo só têm feito aumentar. Não se assina uma apostasia!

Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre

Acompanhe a publicação dos capítulos aqui, ou compre por aqui ou aqui

66 PIN. 201 e seguintes

67 Vide os textos citados no capítulo anterior, das encíclicas “Immortale Dei” de Leão XIII e “Quanta Cura” de Pio IX; e o capítulo seguinte.

68 Ou seja, incluir na Constituição o princípio deste reconhecimento.

69 Carta “E giunto” de 19 de julho de 1889. PIN. 234-237.

70 Cf. mais adiante, cap. XXXII, nota 11.

71 Cf. H.le Caron, cap. VII, “A Ideologia Democrática”.

72 “Diário de Genebra”, sábado, 23 de março de 1985.