A MULHER E O DRAGÃO

(de que lado você quer ficar?)

Os extremos se tocam. O Gênesis se toca com o Apocalipse. No início e no fim da Bíblia encontramos uma mulher (Gn 3,15; Ap 12,1). E em ambos os lugares encontramos o adversário da mulher: no Gênesis, ele é a serpente (Gn 3,1); no Apocalipse, ele é o dragão (Ap 12,3), também identificado com “a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada” (Ap 12,9).

Após o pecado original, Deus promete pôr inimizade entre a serpente e a mulher (Gn 3,15). E mais: entre a descendência da serpente e a descendência (ou um descendente) da mulher. Trata-se de uma guerra permanente: entre a raça diabólica e a raça humana.

Deus prevê, porém, a vitória da raça humana (a descendência da mulher) ou de um homem (um descendente da mulher). Na verdade, haverá um membro da raça humana, Jesus, que esmagará a cabeça da serpente. A serpente ferirá o seu calcanhar (alusão à paixão e morte de Jesus), mas acabará sendo esmagada pelo sacrifício redentor do Messias.

O pecado de Adão, que se transmitiu a todos os homens (Rm 5,12), não foi cometido sem a cooperação de uma mulher: Eva. Assim também, a redenção operada por Jesus Cristo, novo Adão, contou com a cooperação de uma mulher: “Perto da cruz de Jesus, permanecia de pé sua mãe” (Jo 19,25).

Duas vezes Jesus refere-se à sua mãe com o apelativo “mulher”: nas bodas de Caná, após ouvir “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3), e do alto da cruz, após ver sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava (Jo 19,26). Na primeira vez, Jesus diz: “Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). Na segunda vez, já tendo chegado a sua hora, Jesus diz: “Mulher, eis o teu filho” (Jo 19,26).

Ora, a mulher que tem filho é mãe. Na hora da Paixão, ela se torna mãe. Mãe de quem? Não de Jesus, de quem ela já era mãe desde quando o concebeu. Torna-se mãe do discípulo amado, que tem a alegria de ouvir de Jesus: “Eis a tua mãe!” (Jo 19,27). “E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19,27).

A hora da maternidade espiritual de Maria é a hora da Paixão de seu Filho. Lá ela se torna mãe de João – e de todos os discípulos amados – porque coopera com a geração da vida sobrenatural de cada redimido. Jesus opera a redenção com seu sangue. Maria coopera com suas lágrimas.

Ao pé da cruz, Maria Santíssima torna-se mãe da Igreja. De agora em diante, Maria e a Igreja serão duas coisas inseparáveis. Aquilo que se aplica individualmente a Maria, aplica-se universalmente à Igreja.

No capítulo 12 do Apocalipse aparece no céu “um grande sinal”: “uma Mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 12,1). A luz está presente na sua cabeça, nas suas vestes e no seu calçado. Trata-se de uma mulher-luz. Nela não há espaço para treva alguma. Essa mulher, cheia de luz, está cheia de Deus, pois “Deus é luz e nele não há treva alguma” (1Jo 1,5). É a mesma mulher que antes havia recebido a saudação do anjo: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc 1,28). Cheia de graça, cheia de luz, cheia de Deus, esta mulher é Maria, onde não há lugar para o pecado.

Irmã Lúcia de Fátima, ao referir-se à Virgem Maria, disse: “Era uma senhora mais brilhante que o sol”. Maria Santíssima brilha, não porque tenha luz própria, mas porque nunca pôs obstáculo à luz de Deus.

Mas essa mulher do Apocalipse é também a Igreja, que é perseguida pelo Dragão e vai refugiar-se no deserto, onde é alimentada por mil, duzentos e sessenta dias (Ap 12,6) ou três anos e meio (“um tempo, tempos e metade de um tempo” – Ap 12,14). Este número, metade de sete, representa tribulação. A Igreja, atribulada, retira-se para o deserto, longe do mundo, e alimenta-se da vida divina.

A mulher do Apocalipse estava grávida de um menino, que irá reger as nações com um cetro de ferro (Ap 12,5; Sl 2,9): é a mãe do Messias. Mas, curiosamente, ela grita, entre dores de parto, atormentada para dar à luz (Ap 12,2). Ora, no parto virginal de Jesus, Maria Santíssima não sofreu dor alguma! No Apocalipse, essa dor deve-se referir àquela que Maria sofreu ao pé da cruz, comparável a um parto dolorosíssimo.

O Dragão é um “outro sinal” que aparece no céu (Ap 12,3). Tem cor de fogo, sete cabeças e dez chifres, e sobre as cabeças sete diademas. É um monstro, que arrasta com sua cauda um terço das estrelas do céu, lançando-as para a terra (alusão à queda dos anjos maus, arrastados por Satanás). Esse dragão coloca-se diante da mulher, esperando que ela dê à luz, para poder devorar seu filho (Ap 12,4).[1]

O Filho, porém, por sua ressurreição e ascensão, é arrebatado para junto de Deus e de seu trono (Ap 12,5). Sem poder devorar o Filho, o Dragão volta-se contra a mulher e contra o resto dos descendentes da mulher. Quais são eles? Os que observam os mandamentos de Deus e mantêm o Testemunho de Jesus (Ap 12, 17), duplo distintivo dos fiéis.

O Apocalipse confirma, portanto, a inimizade permanente entre a Serpente (ou o Dragão) e os descendentes da Mulher. Não pode haver neutralidade neste combate: “Quem não está comigo, está contra mim” (Mt 12,30).

Logo, é nosso dever alistar-nos entre os descendentes da Mulher, guardando os mandamentos de Deus e o Testemunho de seu Filho. Nesta guerra espiritual, que não é contra a carne e o sangue, mas contra os espíritos malignos que povoam os ares (Ef 6,12), temos o conforto de contar com Aquela a quem Jesus chamou “mãe” e entregou a nós.

Nada melhor do que a mãe para defender a vida, sobretudo a vida dos pequeninos, que tanto dependem dela. Temos uma mãe. Chamamo-la de mãe, à semelhança do que fez Jesus. E tudo fica mais lindo e mais fácil ao lado dela.

“Hoje te chamo de mãe

Assim como Jesus chamava

E tudo fica mais lindo

E mais fácil ao lado de tão doce Mãe”[2]

A maternidade é o que há de mais lindo na mulher. Parece que a mulher existe para ser mãe. Desde pequena faz de conta que é mãe de uma boneca. Enche-se de ternura diante de um bebê.

Imagine uma mulher tendo em si a beleza inefável da maternidade, e despojada de tudo aquilo que pode macular as mulheres (por exemplo, a vaidade).

Imagine uma mulher mãe, que é simples, humilde, silenciosa.

Imagine que ela não tem a menor mancha de pecado, de modo que nunca nós nos cansaremos de vê-la.

Quando perguntaram a Santa Bernadete se Nossa Senhora é bonita, a vidente respondeu espantada: “Se Nossa Senhora é bonita? Se você a visse, seu único desejo seria morrer para vê-la eternamente”.

Imagine ainda – e isto é o mais maravilhoso! – que essa esplêndida mulher nos conhece e nos ama. Conhece-nos com o conhecimento de Deus e ama-nos com o amor de Deus.

Ela é solícita não só em dizer “sim” a Deus, mas em socorrer sua parenta que está grávida. Ela vai às pressas, para as montanhas, trazendo consigo Jesus. E sua visita santifica João, o Batista, ainda no ventre de sua mãe Isabel.

Entreguemos a ela a causa pró-vida. Coloquemos em suas mãos os bebês anencéfalos, as criancinhas congeladas em nitrogênio líquido, os pequeninos ameaçados de morte por terem sido concebidos em um estupro. Roguemos a ela pelo nosso país, tão conturbado pelos seguidores daquele que é “homicida desde o princípio” (Jo 8,44).

Recitemos a belíssima oração a Nossa Senhora Protetora dos Nascituros composta por Dom Eusébio Oscar Scheid, atualmente Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, quando ainda era Arcebispo de Florianópolis (SC):

ORAÇÃO A NOSSA SENHORA PROTETORA DOS NASCITUROS

“Maria levantou-se e foi às pressas para as montanhas de Judá” (Lc 1,39).

Senhora e Mãe nossa, é com santa angústia e zelo fraterno que nos dirigimos a ti, amiga e defensora de todas as crianças, nascidas e por nascer.

Tu foste “às pressas” para santificar, por meio do teu Filho, Jesus, a uma criança que estava prestes a nascer. Cuidaste de tudo, com carinho e desvelos de Mãe.

Agora, queremos invocar-te como PROTETORA DOS NASCITUROS, muitos em perigo de serem assassinados, trucidados, antes de verem a luz do dia. É o maior escândalo, o pior crime contra a humanidade toda. O útero materno, querida Mãe, tornou-se o lugar mais inseguro e violento da terra. Tu bem o sabes e, certamente, choras como choraram as mães de Belém, na matança dos seus inocentes filhinhos (Mt 2,16-17).

Vem, depressa, em socorro de todos os NASCITUROS, levando-lhes, com teu Jesus, a certeza e a garantia de VIDA, de sobrevivência digna, de acolhida num lar afetuoso e de merecida educação. Tu o podes fazer, porque levas Jesus contigo, e porque “para Deus nada é impossível” (Lc 1,37).

Antecipadamente, ó Mãe e PROTETORA DOS NASCITUROS, te agradecemos este imenso favor: por Jesus Cristo, teu Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém!

visitacao

Representação iconográfica da visita de Maria Santíssima (trazendo no ventre o menino Jesus)
a Santa Isabel (trazendo no ventre São João Batista).

Roma, 5 de outubro de 2008.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

1 Os dragões de hoje são mais impacientes. Querem devorar o filho antes mesmo de ele nascer.

2 Trecho de uma música composta por Ana Lúcia Lodi da Cruz.