A ORDEM NATURAL E O LIBERALISMO

Imagem relacionadaHá uma obra que recomendo especialmente àqueles que desejam ter uma noção concreta e completa do liberalismo  para poder preparar preleções, destinadas a pessoas que pouco conhecem este erro e suas ramificações e estão viciadas em pensar como um liberal, inclusive entre católicos ligados à tradição. Frequentemente encontramos pessoas que não percebem a profunda penetração do liberalismo em toda nossa sociedade e em nossas famílias.

Facilmente se reconhece que o “liberalismo de vanguarda” de um Giscard d’Estaing nos anos de 1975, conduziu a França ao socialismo; mas se pensa, com boa fé, que a “direita liberal” pode nos livrar da opressão totalitária. As almas que “pensam bem” ainda não descobriram se devem aprovar ou censurar a “libertação do aborto”, mas estão prontas para assinar uma petição para liberar a eutanásia. De fato qualquer coisa que leve a etiqueta de “liberdade”, tem há séculos a auréola do prestígio que acompanha esta palavra “sacrossanta”. No entanto estamos morrendo deste mal, é o liberalismo que envenena tanto a sociedade civil como a Igreja. Abramos o livro de que lhes falo, “Liberalismo e Catolicismo” do Padre Roussel, que foi lançado em 1926, e leiamos a página que descreve     com     muita     precisão     o     liberalismo     (pgs.14-16), acrescentando um pequeno comentário:

“O liberal é um fanático de independência, a proclama em tudo e para tudo, chegando às raias do absurdo”.

Trata-se de uma definição; veremos como se aplica e quais são as libertações que o liberalismo reivindica.

– “A independência da verdade e do bem em relação ao ser: é a filosofia relativista da mobilidade e do futuro. A independência da inteligência em relação a seu objeto: soberana, a razão não tem que se submeter a seu objeto, ela o cria na evolução radical da verdade; subjetivismo relativista”.

Vejamos as palavras básicas: subjetivismo e evolução:

Subjetivismo é introduzir a liberdade da inteligência, quando pelo contrário, sua nobreza consiste em se submeter a seu objeto, consiste na acomodação ou conformidade do pensamento com o objeto conhecido. A inteligência funciona como uma câmara fotográfica, deve reproduzir exatamente as características perceptíveis do real. Sua perfeição está na fidelidade  ao real.  Por este motivo a verdade se define como a adequação da inteligência com a coisa. A verdade é esta qualidade do pensamento, de estar de acordo com a coisa, com o que ela é. Não é a inteligência que cria as coisas, mas as coisas que se impões à inteligência como são. Como conseqüência a verdade de uma afirmação, depende do que ela é, é algo de objetivo; e aquele que procura a verdade deve renunciar a si, renunciar a uma composição de seu espírito, renunciar a inventar uma verdade.

Pelo contrário, no subjetivismo, é a razão que constrói a verdade: deparamos com a submissão do objeto ao sujeito! Este passa a ser o centro de todas as coisas. Elas não são mais o que são, mas o que se pensa. O homem passa a dispor da verdade conforme sua vontade: este erro se chamará “idealismo” em seu aspecto filosófico, e “liberalismo” em seu aspecto moral, político e religioso. Como conseqüência a verdade será diferente conforme os indivíduos e os grupos sociais. A verdade é necessariamente compartilhada, ninguém pode pretender tê-la exclusivamente em sua integridade;  ela se faz e se procura sem descanso. Pode-se ver quanto isto é contrário à Nosso Senhor Jesus Cristo e à sua Igreja.

Historicamente a emancipação do sujeito com relação ao  objeto foi realizada por três pessoas. LUTERO em primeiro lugar, afasta o magistério da Igreja e conserva somente a Bíblia, ao recusar qualquer mediação entre o homem e Deus. Introduz o “livre exame” a partir de uma falsa noção de inspiração na Escritura: a inspiração individual! Depois DESCARTES, seguido por KANT, sistematiza o subjetivismo: a inteligência se fecha em si mesma, só conhece seu próprio pensamento: é o “cogito” de Descartes, são as “categorias” de Kant; as coisas mesmas não podem ser conhecidas. Finalmente ROUSSEAU: emancipado de seu objeto, tendo perdido o senso comum (o reto juízo), o sujeito fica sem defesa frente à opinião comum. O pensamento do indivíduo se dilui na opinião pública, isto é, o que todo o mundo ou a maioria pensa; esta opinião será criada pelas técnicas de dinâmica de grupo, organizados pelos meios de comunicação que estão nas mãos de financeiros, dos políticos, dos maçons, etc. Pelo próprio movimento, o liberalismo intelectual vai acabar  no  totalitarismo  do  pensamento.  Após  o  afastamento   do objeto, assistimos ao desaparecimento do sujeito, pronto então para sofrer todo tipo de escravidão. O subjetivismo, exaltando a liberdade de pensamento, vai proporcionar sua destruição.

A segunda marca do liberalismo intelectual, como já dissemos, é a evolução. Afastando a submissão ao real, o liberalismo é arrastado a afastar também a essência imutável das coisas; para ele não há natureza das coisas, não há natureza humana estável, regida por leis definitivas estabelecidas pelo Criador. O homem vive em uma constante evolução progressiva; o homem de hoje não é o homem de ontem; vai-se cair no relativismo. Ainda mais, o homem se cria a si mesmo, é o autor de suas leis, que deve refazer sem  cessar de acordo com a única lei inflexível do progresso necessário. Temos então o evolucionismo em todos os domínios: biológico (Lamarck e Darwin), intelectual (o racionalismo e seu mito do progresso indefinido da razão humana), moral (emancipação dos “tabus”), político-religioso (emancipação das sociedades em relação a Jesus Cristo).

O auge do delírio evolucionista é alcançado com o Padre TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955) que afirma, em nome de uma pseudociência e de uma pseudomística, que a matéria se transforma em espírito, que a natureza se transforma no  sobrenatural, a humanidade em Cristo: tripla confusão do monismo evolucionista, incompatível com a fé católica.

Para a fé, a evolução é a morte. Fala-se de uma Igreja que evolui, quer-se uma fé evolutiva. “O senhor deve se submeter à Igreja viva, à Igreja de hoje”, me escreviam de Roma nos anos de 1976, como se a Igreja de hoje não devesse ser idêntica à Igreja de ontem. Eu lhes respondo: “Nestas condições, amanhã já não será verdade o que vocês dizem hoje!” Estas pessoas já não têm noção da verdade, do ser. São modernistas.

– “A independência da vontade em relação à inteligência: força arbitrária e cega, a vontade não deve se preocupar com os juízos da razão, ela cria o bem, assim como a razão cria a verdade”.

Em uma palavra, é o arbitrário: “sic volo, sic jubeo, sic pro ratione voluntas!” Assim o quero, assim o mando, simplesmente assim por minha vontade.

– “A independência da consciência em relação à regra objetiva da lei; a consciência se constitui ela mesma como regra suprema da moralidade”.

De acordo com os liberais, a lei limita a liberdade e lhe impõe uma coação inicialmente moral, a obrigação, e em segundo lugar física, a sanção. A lei e suas coações se opõem à dignidade humana  e à dignidade da consciência. O liberal confunde liberdade e licenciosidade. Sabemos que Nosso Senhor Jesus Cristo por ser o Verbo de Deus, é a lei vivente; vê-se então mais uma vez, como é profunda a oposição do liberal a Nosso Senhor.

– “A independência das forças anárquicas do sentimento em relação à razão: é uma das características do romantismo, inimigo da supremacia da razão”.

O romântico cria e manobra “slogans”: condena a violência, a superstição, o fanatismo, o integrismo e o racismo, somente pelo que estas palavras despertam na imaginação e nas paixões humanas, e com o mesmo espírito se faz apóstolo da paz, da liberdade, da tolerância e do pluralismo.

– “A independência do corpo em relação à alma, da animalidade em relação à razão: é a mais radical inversão dos valores humanos”.

A sexualidade será exaltada, se secularizará; será invertida a finalidade do matrimônio (procriação e educação de um lado, remédio à concupiscência do outro), colocando como finalidade principal o prazer carnal e a “realização” dos dois cônjuges ou dos dois “parceiros”. É a destruição do casamento e da família; sem falar das aberrações que transformam o santuário do matrimônio em um laboratório biológico, ou que reduzem a criança ainda não nascida a um lucrativo material de cosmética13.

– “A independência do presente em relação ao passado; daí o desprezo da tradição e o amor doentio a toda novidade, sob o pretexto de progresso”.

São Pio X assinala como causas do modernismo: “Parece-nos que as causas remotas se reduzem a duas: a curiosidade e o orgulho. A curiosidade que não foi sabiamente ordenada, explica suficientemente todos os erros. Esta é a opinião de nosso  predecessor Gregório XVI: é um espetáculo lamentável ver até onde chegam as divagações da razão humana, depois de ceder ao espírito de novidade”14.

7 – “A independência do indivíduo em relação a toda sociedade, a toda autoridade e hierarquia natural: independência dos filhos em relação aos pais, da esposa em relação a seu marido (liberação da mulher); do trabalhador em relação a seu patrão; da classe trabalhadora em relação à classe burguesa (luta de classes)”.

O liberalismo político e social é o reino do individualismo. A unidade básica do liberalismo é o indivíduo15. Ele é como um sujeito de direitos absolutos (“os direitos do homem”), sem nenhuma referência aos deveres que o ligam a seu Criador, a seus superiores ou a seus semelhantes e especialmente sem referência aos direitos  de Deus. O liberalismo faz desaparecer todas as hierarquias sociais naturais, deixando assim o indivíduo sozinho e sem defesa da massa, da qual ele não é mais do que um elemento que acaba sendo absorvido por ela.

Ao contrário, a doutrina social da Igreja afirma que a  sociedade não é uma massa disforme de indivíduos16, mas um organismo ordenado de grupos sociais coordenados e  hierarquizados: a família, as empresas e profissões, as organizações profissionais, e por fim o Estado. As organizações profissionais unem patrões e trabalhadores, para defesa e promoção dos interesses comuns.   As   classes   não   são   antagônicas,   mas     naturalmente complementares17. A “Lei Chapelier” (de 14 de Junho de 1791), que proíbe associações, aniquila com as corporações, que constituíam o instrumento de paz social desde a Idade Média; esta lei foi fruto do individualismo liberal, porém em vez de “libertar” os trabalhadores, os oprimiu. E quando no século XIX, o capital da burguesia liberal havia oprimido a massa informe dos trabalhadores, transformada em proletariado, se idealizou, seguindo a iniciativa dos socialistas, o reagrupamento dos trabalhadores em sindicatos; porém os sindicatos só fizeram agravar a guerra social, ao estender a toda a sociedade a artificial oposição entre capital e trabalho. Sabe-se que esta oposição ou “luta de classes” está na origem da teoria marxista do materialismo  dialético;  assim  um  falso  problema  social  criou um falso sistema: o comunismo18. Posteriormente, desde Lênin, a luta de classes se transformou por meio da técnica comunista, em uma arma básica da revolução comunista19.

Guardemos então esta inegável verdade histórica e filosófica:  o liberalismo leva, por inclinação natural, ao totalitarismo e à revolução comunista. Pode-se dizer que é a alma de todas as revoluções modernas e simplesmente, a alma da Revolução.

Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre

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13 Revista “Fideliter” nº47. Alusão à prática criminosa do aborto e utilização do feto como produto farmacêutico

14 Encíclica “Pascendi” de 8 de Setembro de 1907.

15 D. Raffard de Brienne, “Lê Deuxieme Étendard” pg. 25

16 Pio XII, Radio Mensagem de Natal, 24 de Dezembro de 1944.

17 Cf. Leão XIII – “Rerum Novarum”, 15 de Maio de 1891.

18 Cf. Pio XI, Encíclica “Divini Redemptoris”, de 19 de Março de 1937, § 15.

19 Idem § 9.