III. A INFLUÊNCIA DOS PROTESTANTES SOBRE O CONCÍLIO
Com tamanha presença de protestantes no Concílio – presenças direta e indireta – como espantar-se da influência sobre o Concílio e seus documentos? Citemos-lhe alguns para fundamentar a afirmação:
- O decreto “Sacrosanctum Concilium” sobre liturgia
Já no artigo 5, encontramos a noção de mistério pascal, que põe a tônica da Redenção na Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e arrefece a realidade do sacrifício expiatório da liturgia.
No artigo 6, mencionam o mistério pascal duas vezes.
No artigo 7, equiparam a presença do Cristo na Santa Missa e na substância transubstanciada com a presença no ministro da ação litúrgica, na virtude dos sacramentos, na palavra, ou com a presença que há onde duas ou três pessoas estiverem reunidas em seu nome. Uma tal ordem de coisas é um empréstimo manifesto dos protestantes.
No artigo 22, há clara descentralização da competência, em matéria litúrgica: a partir de agora é o bispo local, e sobretudo a conferência episcopal as estâncias decisórias.
Nos artigos 24 e 51, fala-se da grande importância da Santa Escritura na liturgia.
Convida o artigo 34 à reforma dos ritos para que observem o esplendor em nobre simplicidade, e sejam limpos de repetições. Vemos aqui claramente a influência racionalista e antiliturgista – já que a liturgia vive de repetições, como vemos por exemplo nos ritos da Igreja do Oriente, nas ladainhas e no rosário.
Os de número 36 e 54 versam da introdução da língua vernacular na liturgia, sem dar os precisos limites para ela na Santa Missa.
No artigo 37, distinguimos já a inculturação e a presumida unidade na pluralidade litúrgica, logo um distanciamento da verdadeira unidade da Igreja e antes de tudo do espírito romano.
O artigo 47 não se vale, na designação do Santo Sacrifício da Missa, nem da noção de “representatio” do Concílio de Trento, nem da de “renovação” dos últimos Papas, mas antes de uma “duração”. Em linguagem ecumênica, o sacrifício e o sacramento são nomeados como um só.
Sugere o artigo 55 dar em certas ocasiões a Eucaristia sob as duas espécies, à moda dos protestantes.
O artigo 81 exige a supressão do sombrio pensamento acerca da morte, em favor de outras cores litúrgicas diferentes do negro. Ora, uma orientação que tal vai ao encontro do aplauso dos protestantes, que não conhecem nem purgatório, nem oração dos defuntos.
Num lanço d’olhos sobre tal esquema, constata-se o espírito racionalista, antilitúrgico e anti-romano, em tudo de mentalidade protestante.
- A constituição dogmática sobre a Igreja “Lumen Gentium”
Para começar, diz o artigo 8 que a Igreja do Cristo “subsiste na Igreja Católica”, expressão nefasta e prenhe de conseqüências. Ora, é um pastor protestante, Schmitt, que propusera substituir o est de identificação entre a Igreja do Cristo e a Igreja Católica pela expressão relativista subsistit in.
No capítulo 2, artigos 4 a 16, fala-se, antes do mais, da Igreja enquanto povo de Deus, e tão-só no terceiro capítulo se fala da hierarquia, como se ela fosse o fruto da comunidade e um serviço para ela
No artigo 10, deduz-se do sacerdócio do Cristo o sacerdócio comum dos batizados, e apenas depois o sacerdócio ministerial.
No artigo 21, o sacramento da Ordem se não concebe desde o Santo Sacrifício da Missa, mas da prédica e da administração dos sacramentos.
O pior atentado contra o primado papal aparece no artigo 22, com a afirmação da dupla autoridade da Igreja: dum lado Pedro, doutro o colégio dos bispos com e sob Pedro. Felizmente, corrigiram este erro gravíssimo na “nota prævia explicativa” acrescentada ao texto mesmo do Concílio, mas nem o novo direito canônico, nem o catecismo da Igreja Católica e seu Compendium repisaram a nota.
Concede o artigo 26 o diaconato permanente a homens casados. Fendeu-se pois o bastião do celibato eclesiástico, que nos distingue visivelmente dos protestantes.
O inteiro teor do quarto capítulo, i. é, os artigos 30 a 38, versa dos laicos antes de mencionar os religiosos, de que tratam apenas no quinto capítulo. O protestantismo detesta a vida consagrada, em particular a vida contemplativa.
Aceitou o Concílio as graves restrições de Karl Rahner e dos senhores Ratzinger, Grillmeier e Semmelroth contra um esquema próprio sobre a Santíssima Virgem. As explicações acerca da Santíssima Virgem encontram-se agora no capítulo 8 da constituição sobre a Igreja, onde omite-se deliberadamente o título de “co-redentora”; não reconheceram ainda à Santíssima Virgem o de ‘mediadora”, cuja utilização apenas se menciona.
- O decreto sobre o exumenismo “Unitatis redintegratio”.
A princípio, notemos que a noção de ecumenismo vem do protestantismo, em que se observa esforços ecumênicos já no séc. XIX para remediar sua dilaceração insolúvel.
Diz o artigo 3 que as comunidades separadas da Igreja Católica não estão em comunhão plena com a Igreja, mas intentam mesmo assim que exista uma como continuidade de comunhão, pois que os fiéis se justificam no batismo, incorporando-se ao Cristo. Por isso, diz o decreto, reconhecem-nos a justo título como irmãos no Senhor. Cabe a cada qual uma parcela de culpa na separação. A afirmação de que pertencem de jure à Igreja Católica os elementos de santificação nestas comunidades é uma melhoria inserida pelo Papa pouco antes da publicação do decreto.
No parágrafo 4º, diz-se que estas comunidades, enquanto tais, são meios de salvação, significando isso duas coisas:
1) elas são importantes para a salvação de seus membros;
2) em geral, possuem uma função soteriológico-histórica.
Essas afirmações relativistas estão entre as piores do Concílio como um todo.
No artigo 4 estatui-se que o trabalho ecumênico não se relaciona com o favorecimento das conversões individuais; encontra-se afirmação semelhante na Constituição sobre a Igreja, artigo 9, finis. Substituem assim a missão que legou Jesus Cristo pelo esforço de coexistência pacifica entre todas as denominações e religiões, à moda protestante.
O artigo 7 revela-nos que não há ecumenismo verdadeiro sem conversão interior, desta feita mistura-se ortodoxia e ortopraxia, o lado objetivo e o subjetivo.
O artigo 8 não só permite a oração em comum com os “irmãos separados”, mas a recomenda explicitamente, como testemunho qualificado dos laços existentes.
Exige o artigo 10 o ensinamento da teologia sob o ângulo ecumênico, em particular no que tange à história. Deste modo, a teologia controversista e apologética contra o protestantismo está condenada à morte.
No artigo 11 depara-se com a afirmação nefasta da hierarquia das verdades. É forçoso sublinhar que esta expressão ambígua clarificou-se em 1973, por obra do Santo Ofício, em sentido católico. Não quer ela dizer que uma verdade é mais importante que outra, mas que uma é base da outra.
Apesar de no artigo 21 apresentarem a Santa Escritura como instrumento excelente para o diálogo, há de se perguntar de que modo se deve conduzir este diálogo com os subjetivistas protestantes, em que cada um é seu próprio magistério. Demais, neste artigo conferiram ao magistério autêntico um papel restrito, não constituindo mais a norma para o cânon e a interpretação da Santa Escritura.
No artigo 22 atribui-se à ceia protestante, não obstante a ausência do sacramento da Ordem, um certo valor positivo.
É de se notar também que não tratam da questão dos casamentos mistos, deixando de ensinar aos católicos que tais matrimônios só se contraem perante um padre católico, que devem batizar os filhos na Igreja Católica e educá-los nesta fé.