A SECURA ESPIRITUAL NÃO É SEMPRE UM CASTIGO

Resultado de imagem para secura espiritualMas devemos também persuadir-nos, que a secura espiritual não é sempre um cas­tigo, mas muitas vezes disposição de Deus para nosso maior bem, e também para nos conservar humildes. Em ordem a que São Paulo se não tornasse vaidoso, com as mercês que tinha recebido, permitiu o Senhor que ele fosse molestado com tentações de impureza: «E para que a grandeza das revela­ções me não exaltasse, me foi dado e es­tímulo de minha carne, anjo de Satanás, para atormentar-me.» (2 Cor. XII 7.) Aquele que ora a Deus com espiritual do­çura e deleite, bem pouco faz. «É um amigo e companheiro à mesa, mas me deixará no dia de aflição.» (Ecl. VI. 10.) Vós não considerais como verdadeiro amigo, aquele que só vier à vossa mesa, e tomar parte em vossos divertimentos; mas sim aquele que vos vem valer nos trabalhos, e vos acudir nas tribulações, sem que disso tire vantagem própria.

Quando Deus manda a obscuridade e desolação, é para pôr à prova os Seus verdadeiros amigos. Paladio, tendo sofrido grande secura espiritual na oração, foi con­sultar São Maurício, que lhe disse: «Quando o inimigo vos tentar para que deixeis a oração, dizei-lhe: Eu me satisfaço de aqui ficar pelo amor de Jesus Cristo, e mesmo só para guardar as paredes desta cela.» Tal deve ser a vossa resposta, quando fordes tentado a não continuar na oração, porque vos parece que nisso perdeis tempo. Dizei nessas ocasiões: «Aqui estou para agradar a Deus.» São Francisco de Sales, diz que, «se nós nada mais fazemos quando rezamos, do que afastar distrações e tentações, que rezamos bem. Taulero também diz, que aquele que no tempo da secura espiritual perseverar na oração, lhe concederá Deus maiores graças, do que aquele que orar com sensível devoção. O padre Rodrigues diz, que um certo homem confessava que pelo espaço de quarenta anos não tinha expe­rimentado consolação alguma na oração, mas que naqueles dias em que orava, se sentia mais forte em virtude, porém que senão orava conforme o costume, se sentia possuído de tal fraqueza, que estava intei­ramente incapaz de fazer obra alguma boa. 

São Boaventura e Gerson dizem, que muitos, que durante a oração não tem a atenção que desejam, servem mais a Deus do que outros que a conservam; porque esta falta os obriga a serem mais diligentes: pois que, se assim não fosse, se poderiam tornar negligentes e soberbos, na idéia de que haviam achado o que procuravam. E o que temos dito da secura espiritual, podemos também dizer das tentações; porém, se Deus permite que se­jamos tentados, ainda que devemos trabalhar para evitar as tentações, sejam estas contra a pureza, ou contra qualquer virtude, não devemos lastimar-nos; mas também nisto resignar-nos à divina vontade. São Paulo, quando ele deprecava para ser livre de tentação impura, respondeu o Senhor: «A minha graça te é suficiente.» (2. Cor.XII 9.) E assim, quando Deus nos não concede a mercê de vivermos libertos de tentações que nos molestam, digamos, Senhor faze e permite o que quiseres: a Vossa graça me é suficiente; mas dá-me o Vosso auxílio para que eu não a perca. Não são as ten­tações, mas o consentir nelas, que nos priva da divina graça. Quando resistimos as ten­tações, tornamo-nos mais humildes, e adquirimos mais merecimento, que nos induz a recorrer a Deus com mais frequência, e nós estamos mais longe de O ofendermos, unindo-nos mais intimamente a Ele com o Seu Santo amor.

Tratado da conformidade com a vontade de Deus – Santo Afonso