De todo o coração vos damos as boas-vindas paternais, caros filhos e filhas, promotores e associados de “União Latina de Alta Moda”, que desejastes vir à Nossa presença para Nos testemunhar a vossa filial devoção, e ao mesmo tempo, implorar os favores celestiais sobre a vossa União, colocando-a, desde o seu nascimento, sob a proteção d’Aquele para cuja glória deve encaminhar-se toda a atividade humana, mesmo as profanas em aparência, segundo o preceito do Apóstolo dos Gentios:“Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus”(I Cor 10, 31). Proponde-vos enfrentar com vistas a desígnios cristãos um problema tão delicado quanto complexo, cujos imprescindíveis reflexos morais foram, em todo tempo, objeto de atenção e de ansiedade para aqueles que, por ofício, na família, na sociedade e na Igreja, esforçam-se para preservar as almas das insídias da corrupção e a comunidade inteira da decadência dos costumes, isto é, o problema da moda, especialmente feminina.
É justo que, aos vossos generosos propósitos, correspondam a gratidão Nossa e da Igreja e os ardentes votos de que a vossa União, nascida e inspirada por uma são consciência religiosa e civil, atinja, mediante a esclarecida autodisciplina dos próprios artífices da moda, o duplo escopo declarado nos vossos estatutos: moralizar este importante setor da vida pública e contribuir para elevar a moda a instrumento e expressão de uma bem entendida civilização.
Ansiosos por encorajar tão louvável empreendimento, consentimos de bom gosto no pedido a Nós feito de vos expor algumas das ideias, especialmente sobre a reta formulação do problema e sobre os seus aspectos morais, fazendo-vos, outrossim, algumas sugestões práticas, aptas a assegurar à União uma bem aceita autoridade num campo frequentemente tão discutido.
1) ALGUNS ASPECTOS GERAIS DA MODA
Seguindo o conselho da antiga sabedoria que situa na finalidade das coisas o critério supremo de toda avaliação teórica e a segurança das normas morais, será útil lembrar que objetivos se propôs sempre o homem recorrendo à veste.
Sem dúvida ele obedece às muito bem conhecidas exigências da higiene, do pudor e do decoro. São três necessidades tão profundamente radicadas na natureza, que não podem ser ignoradas nem contrariadas sem provocar repulsa e dano. Conservam seu caráter de necessidade hoje como ontem; verificam-se quase em todas as raças; reconhecem-se sob cada forma da longa sucessão na qual se concretizou, histórica e etnologicamente, a necessidade natural da veste. É importante notar a estreita e solidária interdependência entre as três exigências, não obstante brotarem de fontes diversas: uma do lado físico, outra do espiritual, a terceira do complexo psicológico artístico.
A exigência higiênica da moda
A exigência da veste refere-se principalmente ao clima, às suas variações e outros agentes externos, como causas possíveis de mal-estar ou de doença. Da supracitada interdependência decorre que a razão, ou melhor, o pretexto higiênico não vale para justificar a deplorável licenciosidade, particularmente em público e fora dos casos excepcionais de provada necessidade, mesmo nos quais, por outro lado, todo espírito bem nascido não poderá subtrair-se à angústia de uma espontânea perturbação expressa exteriormente pelo rubor natural.
Do mesmo modo, uma maneira de vestir nociva à saúde, da qual não poucos exemplos são fornecidos pela história da moda, não pode ser legitimada pelo pretexto estético; como também as normas comuns do pudor devem ceder à necessidade de um tratamento médico que, embora pareça infringi-las, respeita-as, entretanto, empregando as devidas cautelas morais.
O pudor como origem e finalidade da veste
E igualmente patente, como origem e finalidade da veste, é a exigência natural do pudor entendido quer no sentido mais largo, que compreende também a devida consideração pela sensibilidade de outrem em face de objetos repugnantes à vista; quer sobretudo como proteção da honestidade moral e escudo contra a sensualidade desordenada.
A singular opinião que atribui à relatividade dessa ou daquela educação o senso do pudor; que, antes, o considera como uma deformação conceitual da realidade inocente, um falso produto da civilização, e, finalmente, um estímulo à desonestidade e uma fonte de hipocrisia, não é apoiada por nenhuma razão séria; ao contrário, encontra uma condenação explícita na consequente repugnância daqueles que alguma vez teriam ousado adotá-la como sistema de vida, confirmando desse modo a retidão do senso comum, manifesto nos costumes universais. O pudor, visto a sua significação estritamente moral, qualquer que seja a sua origem, funda-se sobre a tendência inata e mais ou menos consciente de cada um a defender, na indiscriminada cobiça de outrem, um bem físico seu, a fim de reservá-lo, com prudente escolha de circunstâncias, aos sábios fins do Criador, por Ele mesmo colocado sob o escudo da castidade e da pudicícia.
Esta segunda virtude, a pudicícia, cujo sinônimo “modéstia” (de “modus”, isto é, medida, limite) exprime talvez melhor a função de governar e de dominar as paixões, especialmente as sensuais, é baluarte natural da castidade, o seu forte antemural, pois modera os atos proximamente conexos com o objeto próprio da castidade. Como sua sentinela avançada, a pudicícia faz sentir ao homem a sua advertência desde que este adquire o uso da razão, antes ainda de aprender a noção de castidade e do seu objeto, e acompanha-o por toda a vida, exigindo que determinados atos, em si honestos, porque divinamente estabelecidos, sejam protegidos pelo discreto véu da sombra e pela reserva do silêncio, como que para lhes conferir o respeito devido à dignidade da sua elevada finalidade.
É pois justo que a pudicícia como depositária de bens tão preciosos reivindique para si uma autoridade preponderante sobre qualquer outra tendência ou capricho e presida à determinação dos modos de vestir.
O decoro e a estética no realce da beleza
E eis a terceira finalidade da veste, de onde mais diretamente se origina a moda, e que responde à exigência inata, sentida principalmente pela mulher, de realçar a beleza e dignidade da pessoa, com os mesmos meios que permitem satisfazer as outras duas. Para evitar restringir a amplidão desta terceira exigência unicamente à beleza física, e muito mais para subtrair o fenômeno da moda, à ânsia de sedução como causa primeira e única, é preferível o termo “decoro” ao de “adorno”. A inclinação ao decoro da própria pessoa procede claramente da natureza, e é portanto legítima.
Prescindindo do recurso à veste para ocultar as imperfeições físicas, a ela pede a juventude aquele realce de esplendor, que canta o alegre tema da primavera da vida e favorece, em harmonia com os ditames da pudicícia, as premissas psicológicas necessárias à formação de novas famílias; enquanto que a idade madura, pela veste apropriada, pretende obter uma aura de dignidade, de seriedade e de serena alegria. Em qualquer situação em que se vise acentuar a beleza moral da pessoa, a forma da veste será tal que quase eclipsará a física, na sombra austera do recato, para afastá-la da atenção dos sentidos e concentrar, pelo contrário, a reflexão sobre o espírito.
A veste, considerada por este lado mais largo, tem uma linguagem própria, multiforme e eficaz, por vezes espontânea, e portanto fiel intérprete de sentimentos e de costumes, outras convencional e artificial e por consequência pouco sincera.
De qualquer forma, é dado à veste exprimir a alegria e o luto, a autoridade e o poder, o orgulho e a simplicidade, a riqueza e a pobreza, o sagrado e o profano. A solidez das formas expressivas depende das tradições e de cultura desse ou daquele povo, enquanto que a sua mutabilidade é tanto mais lenta quanto mais estáveis são as instituições, os caracteres e os sentimentos que os feitios interpretam.
Para ressaltar a beleza física concorre expressamente a moda, arte antiga, de origens incertas, complexa pelos fatores psicológicos e sociais que nela se misturam, que presentemente adquiriu uma indiscutível importância na vida pública, quer como expressão estética do costume, quer como desejo do público e convergência de relevantes interesses econômicos.
Ponto de convergência de diversos fatores psicológicos
Da observação aprofundada do fenômeno decorre que a moda não é apenas bizarria de formas, mas ponto de encontro de diversos fatores psicológicos e morais, como o gosto pelo belo, a sede de novidade, a afirmação da personalidade, a intolerância pela monotonia, não menos que o luxo, a ambição, a vaidade. A moda é, por outro lado, elegância, condicionada porém a uma contínua mutação, de tal modo que a sua própria instabilidade lhe confere a nota mais evidente. A razão de sua perpétua mudança, mais lenta nas linhas fundamentais, rapidíssima pelo contrário nas variações secundárias, presentemente tornadas estacionárias, parece que deve ser procurada na ânsia de superação do passado, facilitada pela índole frenética da época contemporânea, que tem o tremendo poder de queimar, em pouco tempo, tudo o que é destinado à satisfação da fantasia e dos sentidos.
É compreensível que as novas gerações, debruçadas sobre o seu próprio futuro, sonhado diferente e melhor que o de seus pais, sintam a necessidade de afastar-se daquelas formas não só de veste, mas de objetos e de mobiliário, que mais abertamente revelam um modo de viver que se quer ultrapassar. Mas a extrema instabilidade da moda atual é sobretudo determinada pela vontade dos seus artífices e orientadores, que têm por seu lado meios ignorados no passo, como a enorme e variada produção têxtil, a fertilidade inventiva dos “criadores de modelos”, a facilidade dos meios de informação e de “lançamento” na imprensa, no cinema, na televisão e nas exposições e “desfiles”. A rapidez das mudanças é, além disso, favorecida por uma espécie de muda competição, na verdade nada nova, entre as “elites”, desejosas de afirmar a própria personalidade com formas originais de vestuário, e o público, que imediatamente delas se apropria, com imitações mais ou menos felizes. Não se deve também descurar o outro motivo, sutil e decadente: o esforço dos “criadores de modelos” que, para garantir o sucesso das suas criações, carregam no fator da sedução, conscientes do efeito que provocam a surpresa e o capricho continuamente renovados.
Outra característica da moda hodierna é que ela, embora permanecendo principalmente um fato estético, assumiu outrossim as propriedades de um elemento econômico de grandes proporções. Às poucas antigas alfaiatarias de alta moda, que, de uma ou outra metrópole, ditavam sem discussão as leis da elegância no mundo de cultura europeia, substituíram-se numerosas organizações; poderosas pelos meios financeiros, que, enquanto satisfazem às necessidades do vestuário, formam o gosto das populações, estimulam-lhes os desejos com o fim de constituir mercados cada vez mais vastos para si. As causas de tais transformações devem ser procuradas, por um lado, na chamada “democratização” da moda, pela qual um número cada vez maior de indivíduos sucumbe ao fascínio da elegância, por outro, no progresso técnico, que permite a produção em série de modelos, de outro modo caros, mas agora tornados facilmente adquiríveis no mercado das chamadas “confecções”. Surgiu deste modo o mundo da moda, que abraça artistas e artesãos, industriais e comerciantes, editores e críticos, e além disso uma classe inteira de humildes operários e operárias, que da moda tiram os proventos para a vida.
A difícil arte e a influência do “criador de modelos”
Embora o fator econômico seja força motriz desta atividade, sua alma é sempre o “criador de modelos”, isto é: aquele que com uma genial escolha dos tecidos, das cores, do talho da linha e dos ornamentos acessórios, dá vida a um novo modelo expressivo e agradável ao grande público.
Não é preciso dizer como é difícil esta arte, fruto de genialidade e perícia, e muito mais, de sensibilidade com respeito ao gosto do momento. Um modelo de cujo sucesso se esteja certo, adquire a importância de uma invenção; envolve-se no segredo, à espera do “lançamento”; então, posto à venda, cobra altos preços, enquanto os meios de informação o difundem largamente, dele falando como se se tratasse de um acontecimento de interesse nacional. Agora, a influência dos “criadores de modelos” é tão decisiva que a própria indústria têxtil se faz guiar por eles na determinação da sua produção, tanto na qualidade como na quantidade. Igualmente grande é a sua influência social na parte que lhes cabe na interpretação do costume público; pois, se a moda sempre foi a expressão exterior dos usos de um povo, hoje ela o é ainda mais do que quando o fenômeno se desenvolvia como fruto de reflexão e de estudo.
Mas a formação do gosto e das preferências no povo e a própria orientação da sociedade para costumes sérios ou decadentes não dependem dos “criadores de modelos” somente, mas de todo o complexo organizado da moda, especialmente das casas produtoras e da crítica, no setor mais refinado que tem por clientes as classes sociais mais elevadas, assumindo o nome de “Alta Moda”, como para designar as origens das correntes que o povo depois seguirá mais ou menos cegamente e como por uma imposição mágica.
Ora, diante de tantos e tão elevados valores, chamados em benefício da moda e por vezes transformados num perigo, que aqui citamos com rápidos acenos, revela-se providencial a obra de pessoas, técnica e cristãmente preparadas, que se propõem contribuir para a libertação da moda de tendências pouco dignas de louvor; de pessoas que nela veem antes a arte de saber vestir, cujo objetivo é, pelo contrário, embora parcialmente, o de por em moderado relevo a beleza do corpo humano, obra-prima da criação divina, de modo porém que não fique ofuscado, mas, ao contrário, seja exaltado – como se expressa o Príncipe dos Apóstolos –“o ornamento incorruptível de um espírito tranquilo e modesto, que é tão precioso aos olhos de Deus”(I Ped 3, 4).
2) A FORMULAÇÃO DO PROBLEMA MORAL DA MODA E SUAS SOLUÇÕES
Mas conciliar, em equilibrada harmonia, o ornamento exterior da pessoa com o interior de “um espírito tranquilo e modesto”, constitui o problema da moda. Existirá, porém, verdadeiramente – perguntaram alguns – um problema moral em torno de um fato tão exterior, contingente e relativo, como é a moda? E, concedido isto, em que termos se formula o problema, e com que princípios deve ser resolvido?
Não é o caso, aqui, de deplorar extensamente a insistência de não poucos contemporâneos no esforço de subtrair ao domínio moral as atividades exteriores do homem, como se pertencessem a um outro universo, e o próprio homem não fosse o seu sujeito, seu termo e, portanto, o responsável diante do Sumo Ordenador de todas as coisas. É bem verdade que a moda, como a arte, a ciência, a política e atividades semelhantes, chamadas profanas, têm normas próprias para atingir as finalidades a que são destinadas; todavia seu sujeito é invariavelmente o homem, o qual não pode prescindir de dirigir essas atividades para o fim último e supremo para o qual ele próprio é essencial e totalmente ordenado.
Existe portanto o problema moral da moda, não só enquanto atividade genericamente humana, porém, mais especificamente, enquanto ela se desenrola num campo comum ou ao menos muito próximo, a evidentes valores morais e, ainda mais, enquanto os fins, em si honestos, da moda estão mais expostos a serem confundidos pelas más inclinações da natureza humana decaída, pela culpa original, e transformados em ocasião de pecado e de escândalo.
Essa propensão da natureza humana corrompida a abusar da moda leva a tradição eclesiástica a tratá-la não raro com desconfiança e com severos julgamentos, expressos por insignes oradores sacros com viva firmeza, e por missionários zelosos que lançavam mão até daquelas “fogueiras da vaidade” que, em conformidade com os usos e a austeridade daqueles tempos, eram consideradas de eloquência eficaz junto ao povo. Por tais manifestações de severidade que no fundo mostravam a solicitude materna da Igreja para o bem das almas e os valores morais da civilização, não é porém lícito deduzir que o Cristianismo exija como que uma abjuração absoluta do culto ou cuidado da pessoa física e do seu decoro externo. Quem quer que tirasse uma conclusão neste sentido demonstraria ter esquecido o que escrevia o Apóstolo dos Gentios:“As mulheres vistam-se com vestes decentes, com recato e modéstia”(I Tim 2, 9).
A atitude da Igreja em face da moda
A Igreja, portanto, não reprova nem condena a moda, quando é destinada ao justo decoro e ornamento do corpo; todavia não deixa nunca de por em guarda os fieis contra os seus fáceis desvios. Esta atitude positiva da Igreja decorre de motivos bem mais elevados que os meramente estéticos ou hedonistas defendidos por um renovado paganismo. Ela sabe e ensina que o corpo humano, obra-prima de Deus no mundo visível ao serviço da alma, foi elevado pelo Divino Redentor a templo e instrumento do Espírito Santo, e como tal deve ser respeitado. Sua beleza não deverá, pois, ser exaltada como fim em si mesma e muito menos de forma a aviltar a dignidade adquirida. No terreno concreto é inegável que ao lado de uma moda honesta há outra impudica, causa de perturbação nos espíritos tranquilos, quando não, incentivo ao mal. É sempre árduo indicar com normas universais as fronteiras entre a honestidade e a impudicícia, pois a avaliação moral de uma vestimenta depende de muitos fatores; todavia a dita relatividade da moda com respeito aos tempos, aos lugares, às pessoas, à educação, não é uma razão válida para renunciar, “a priori”, a um juízo moral sobre esta ou aquela moda que no momento ultrapassa os limites da pudicícia normal. Esta, quase sem ser interrogada, adverte imediatamente onde se aninham a procacidade e a sedução, a idolatria da matéria e o luxo, ou apenas a frivolidade; e se são hábeis os artífices da moda impudica no contrabando da perversão, misturando-a num conjunto de elementos estéticos em si honestos, mais destra é entretanto a sensualidade humana para descobri-la e pronta a sentir a sua fascinação.
A maior sensibilidade em perder a insídia do mal aqui como alhures, bem longe de constituir um título de censura para quem é dela dotado, como se fosse apenas um efeito de depravação interior, é, ao contrário, o sinal da pureza de espírito e da vigilância sobre as paixões.
Mas, por muito vasta e instável que possa ser a relatividade moral da moda, há sempre um absoluto a salvar, depois de ter escutado a monitória da consciência, ao advertir o perigo: a moda não deve nunca fornecer uma ocasião próxima de pecado.
Má intenção dos artífices, imodéstia e luxo concorrem para a moda impudica
Entre os elementos objetivos que concorrem para formar uma moda impudica está, em primeiro lugar, a má intenção dos seus artífices.
Onde estes se propuserem suscitar com os seus modelos fantasias e sensações não-castas, não lhes falta, embora sem chegar ao extremo, uma técnica de oculta malícia. Eles sabem, entre outras coisas, que a ousadia em tal matéria não pode ser levada além de certos limites, mas sabem outrossim que o efeito procurado se encontra à pequena distância dos mesmos, que uma hábil mistura de elementos artísticos e sérios com outros inferiores é especialmente apta a surpreender a fantasia e os sentidos, enquanto tornam o modelo aceitável às pessoas que desejam o mesmo efeito, sem porém comprometer, ao menos na sua opinião, o bom nome de pessoas honestas. Qualquer saneamento da moda deve portanto começar pela intenção tanto de quem cria como de quem veste: em um e outro deve ser novamente despertada a consciência de responsabilidade pelas consequências nefastas que podem derivar de um traje ousado demais, especialmente se usado na via pública.
Mais de perto, a imoralidade de algumas modas depende, na maior parte, dos excessos tanto de imodéstia quanto de luxo. Quanto aos primeiros, que praticamente são determinados pelo talho, devem ser avaliados não segundo o julgamento de uma sociedade em decadência ou já corrompida, mas segundo as aspirações de uma sociedade que preza a dignidade e a seriedade dos costumes públicos. Costuma-se dizer frequentemente, e como que com inerte resignação, que a moda exprime os costumes de um povo; seria, no entanto, mais exato e bem útil dizer que exprime a vontade e o rumo moral que uma nação pretende tomar, isto é, naufragar no desregramento ou manter-se no nível a que a elevaram a religião e a civilização.
Não menos nefastos, embora em campo diverso, são os excessos da moda quando se lhe atribui o ofício de satisfazer a sede do luxo. O exíguo mérito do luxo, como fonte de trabalho, é quase sempre anulado pelas graves desordens que daí decorrem para a vida privada e pública. Prescindindo do esbanjamento de riquezas que o luxo excessivo exige dos seus adoradores, destinados, de resto, a serem po rele devorados, exprime ele sempre uma ofensa à honestidade de quem vive do próprio trabalho, enquanto revela cinismo de ânimo para com a pobreza, quer ao denunciar ganhos fáceis demais, quer semeando suspeitas sobre o modo de vida de quem dele se cerca. Ali onde a consciência moral não consegue moderar o uso das riquezas, sejam embora honestamente ganhas, ou se levantam tremendas barreiras entre uma classe e outra, ou então a sociedade inteira vai decaindo enfraquecida pela corrida em direção à utopia da felicidade material.
O ter feito referência aos danos que o desenfreamento da moda pode causar aos indivíduos e à sociedade, não significa querer comprimir-lhe a força expansiva, nem coagir o gênio criador dos seus autores, e nem também reduzi-la à imobilidade das formas, à monotonia e a uma sombria severidade; mas ao contrário indicar-lhe o caminho reto, para que atinja o fim de ser fiel intérprete da tradição civil e cristã.
Princípios fundamentais de solução para o problema moral da moda
Para obtê-lo, serão úteis alguns princípios, como pontos fundamentais na solução do problema da moda, dos quais é fácil deduzir normas mais concretas.
O primeiro é não dar demasiado pouca importância à influência da própria moda, tanto para o bem como para o mal. A linguagem do vestuário como já notamos é tanto mais eficaz quanto mais frequentemente é compreendida por cada um. A sociedade, por assim dizer, fala com a roupa que veste; com a roupa revela suas secretas aspirações e dela se serve, ao menos em parte, para construir ou destruir o próprio futuro. Mas o cristão, seja autor ou cliente, preservar-se-á de fazer pouco caso dos perigos e das ruínas espirituais semeados pelas modas imodestas, especialmente públicas, pela coerência que deve existir entre a doutrina professada e a conduta externa. Lembrar-se-á da elevada pureza que o Redentor exige dos seus discípulos, mesmo nos olhares e pensamentos; e lembrar-se-á também da severidade demonstrada por Deus aos semeadores de escândalos. Pode ser, a propósito, trazida de novo à mente a forte página do profeta Isaías, na qual se vaticina o opróbrio destinado à cidade santa de Sião pela impudicícia de suas filhas (cf. Is 3, 16-24); e outra na qual o sumo Poeta italiano exprimia, com palavras abrasadas, a sua indignação pela impudicícia que grassava na sua cidade (cf. Dante, Purg., 23, 94-108).
O segundo princípio é que a moda deve ser dominada, em vez de abandonada ao capricho e fanaticamente servida. Isto vale para os artífices da moda – criadores de modelos e críticos – cuja consciência exige não se sujeitarem cegamente ao gosto depravado que a sociedade, ou melhor, uma parte dela, nem sempre a mais considerável por sabedoria, pode manifestar. Mas vale também para os indivíduos, cuja dignidade exige que se libertem, com consciência livre e esclarecida, da imposição de determinados gostos, discutíveis especialmente na parte moral. Dominar a moda quer dizer ainda reagir com firmeza contra as correntes contrárias às melhores tradições. O domínio sobre a moda não enfraquece, ao contrário, confirma o dito “a moda não nasce fora e contra a sociedade”, contanto que a esta se atribua, como se deve, consciência e autonomia para dirigir-se a si mesma.
O terceiro princípio, ainda mais concreto, é a respeito da “medida”, ou seja, da moderação em todo o campo da moda. Como os excessos são as causas principais da sua deformação, assim a moderação conservará o seu valor. Deverá ela agir, antes de tudo, sobre os espíritos, regulando a cobiça do luxo, da ambição, do capricho a todo custo. Pelo senso da moderação deixar-se-ão guiar os artífices da moda, especialmente os “criadores”, no desenho da linha ou do talho, e na escolha dos adornos de uma roupa, certos de que a sobriedade é o melhor dote da arte. Bem longe da ideia de querer fazê-los voltar a formas superadas pelo tempo, não raro voltam como novidades da moda – mas só para confirmar o valor perene da sociedade, gostaríamos de convidar os artistas de hoje a se deterem, nas obras-primas da arte clássica, sobre certas figuras femininas de indiscutível valor estético, onde a veste, inspirada pela pudicícia cristã, é digno ornamento da pessoa, com cuja beleza se funde como um único triunfo de admirável dignidade.
3) ESPECIAIS SUGESTÕES AOS PROMOTORES E ASSOCIADOS DA “UNIÃO”
E agora, algumas sugestões especiais a vós, caros filhos e filhas, enquanto sois promotores e associados da “União Latina da Alta Moda”.
Parece-Nos que a própria palavra “latina”, com a qual quisestes designar a vossa Associação, expressa não apenas a área geográfica, mas sobretudo o rumo ideal da vossa ação. De fato, este termo “latino”, tão rico de profundas significações, parece exprimir, entre outras coisas, a viva sensibilidade e o respeito pelos valores da civilização e, ao mesmo tempo, o senso da “medida”, do equilíbrio e da realidade, qualidades todas elas necessárias aos componentes da vossa União.
Com gratidão notamos que estas características inspiram os objetivos dos estatutos, por vós gentilmente trazidos ao Nosso conhecimento, brotados de uma visão acabada do complexo problema da moda, mas especialmente, pela vossa firme persuasão da sua responsabilidade moral.
Vosso programa é portanto tão amplo como o próprio problema, considerando todos os setores que determinam a moda: a classe feminina diretamente, com o propósito de guiá-la, na formação do gosto e na escolha do vestuário; as casas “criadoras da moda” e a indústria têxtil, a fim de que, num acordo mútuo, adaptem a sua produção aos sãos princípios professados pela União; e já que a vossa União se compõe de organismos não simplesmente espectadores, mas operantes e, quase diríamos, protagonistas no teatro da moda, o seu programa se ocupa oportunamente também do aspecto econômico, tornado presentemente mais árduo pelas transformações previstas da produção e unificação dos mercados europeus.
Formação de um gosto sadio no público
Uma das condições indispensáveis para atingir os fins da vossa União é a formação de um gosto sadio no público. Empresa, na verdade, árdua, combatida por vezes com intenção premeditada, exige ela de vós muita inteligência, muito tato e muita paciência. Apesar de tudo, enfrentai-a com ânimo impávido, certos das boas alianças que encontrareis, em primeiro lugar nas excelentes famílias cristãs, que a vossa pátria conta agora em grande número. É claro que a vossa solicitude neste sentido deve dirigir-se principalmente a conquistar para a vossa causa aqueles que, com a imprensa e outros meios de informação, dirigem a opinião pública. Na moda, mais que em qualquer outra atividade, o povo quer ser orientado. Não que seja desprovido de espírito crítico em questão de estética e de honestidade, no entanto, ora dócil demais, ora preguiçoso para empregar esta faculdade, aceita de saída tudo o que se lhe oferece, salvo dar-se mais tarde conta da mediocridade ou da inconveniência de certos modelos. Convém, portanto, que a vossa ação seja oportuna. Entre aqueles que, além disso, presentemente orientam com maior eficácia o gosto do público, ocupam um lugar proeminente as pessoas que gozam de celebridade, especialmente no mundo do teatro e do cinema. Como é grave a sua responsabilidade, assim será fecunda a vossa ação, onde conseguistes ganhar ao menos algumas delas para a boa causa.
Uma marca própria da vossa União parece ser o estudo cuidadoso dos problemas estéticos e morais da moda em encontros periódicos como o presente Congresso, cada vez com tendência mais internacional, convictos como estais de que a moda do futuro terá um caráter unitário em cada continente. Esforçai-vos portanto por levar a esses convênios a contribuição cristã da vossa inteligência e perícia, com sabedoria tão convincente que ninguém possa suspeitar em vós preconceitos partidários nem fraqueza de compromissos. A sã coerência com os vossos princípios será posta à prova pelo espírito dito moderno, intolerante ao freio, e pela própria indiferença de muitos em relação ao lado moral da moda.
Urge desfazer os insidiosos sofismas contra a moralização da moda
Os mais insidiosos sofismas, que se costumam repetir para justificar a impudicícia, parecem ser os mesmos por toda a parte. Um deles se insere no antigo dito:“ab assuetis non fit passio”(o que é comum e habitual não causa paixões), com o fim de dar por superada a sã rebelião dos honestos contra formas ousadas demais.
Convém talvez demonstrar como está fora de propósito o antigo dito em tal questão? Já nos referimos falando dos limites absolutos a salvar no relativismo da moda, à falta de fundamento ainda de outra opinião falaz, segundo o qual a modéstia não convém mais à época contemporânea, já libertada de escrúpulos inúteis e prejudiciais. Certamente há graus diferentes de moralidade pública, conforme os tempos, as índoles e as condições de civilização de cada povo; mas este estado de fato não invalida o dever de tender ao ideal da perfeição, nem é motivo suficiente para renunciar às alturas morais atingidas, que se manifestam exatamente na maior sensibilidade que têm as consciências com respeito ao mal e suas ciladas.
Luta para vestir ao espírito o predomínio sobre a matéria
Empenhe-se, pois, a vossa União, com ânimo alegre, nesta luta que visa assegurar aos costumes públicos da vossa pátria num grau cada vez mais elevado de moralidade, digno das suas tradições cristãs.
Não foi por acaso que denominamos “luta” a vossa obra destinada a moralizar a moda, como é luta qualquer outro empreendimento que tente restituir ao espírito o predomínio sobre a matéria. Consideradas cada uma em particular, são elas episódios isolados e significativos do duro e perene combate que deve sustentar, aqui em baixo, quem quer que seja chamado à liberdade pelo Espírito de Deus; combate cuja frente descreve com exatidão o Apóstolo dos Gentios, assim como as milícias opostas:“A carne tem desejos contrários ao espírito, e o espírito os tem contrários à carne; são coisas opostas entre si, de modo que não deveis fazer tudo o que quiserdes”(Gal 5, 17).
Enumerando, pois, as obras da carne, como tétrico inventário da herança da culpa original, alinha ele entre elas a impureza, à qual opõe, como fruto do Espírito, a modéstia. E empenhai-vos generosa e confiantemente, sem vos deixar jamais surpreender pela timidez que fez dizer às milícias, poucas em número mas heroicas, do grande Judas Macabeu:“Como poderemos nós com tão poucos combater contra uma multidão tão grande?”(I Mac 3, 17).
Sirva-vos de encorajamento a própria resposta do mesmo grande combatente de Deus e da pátria:“Vencer uma batalha não depende do número dos soldados, mas a força vem do céu”(I Mac 3, 19).
Voto final e Bênção Apostólica
Com esta garantia celeste no espírito, despedimo-Nos de vós, caros filhos e filhas, e elevamos Nossas súplicas ao Onipotente, a fim de que se digne prodigalizar a sua assistência à vossa União, e suas graças a cada um de vós, às vossas famílias e, em particular, aos humildes operários e operárias da moda.
Como penhor dos desejados favores, vos damos, de todo o coração, a Nossa paterna Bênção Apostólica.