Por vezes, acredita-se que a vida de Santo Tomás de Aquino foi de uma doce contemplação. Mas fora exatamente o oposto.
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
Por vezes, acredita-se que a vida de Santo Tomás foi de uma contínua e doce contemplação, que ele conheceu apenas alegrias espirituais e consolações intelectuais e que morreu cercado pelo afeto dos seus. Mas a verdade é exatamente oposta.
1 – Aos 20 anos, em 1244, quando era noviço dominicano, foi sequestrado por seus irmãos. Sua família queria que ele se tornasse um beneditino, a fim de que pudesse se tornar abade de Monte Cassino, uma posição de prestígio. Mas ele foi chamado a servir a Deus em uma Ordem mendicante. Teve, por conseguinte, que enfrentar a oposição de sua mãe e de seus irmãos. Levado de volta manu militari ao castelo da família, ficou trancado lá por cerca de um ano. Um ano preenchido pela oração e leitura dos Padres da Igreja, mas um ano vivido no sofrimento de não poder continuar seu noviciado em condições normais.
2 – Em 1252, Frei Tomás foi nomeado em Paris para ensinar como bacharel sentenciado. Tinha 27 anos. Foi nessa época que surgiu uma animada disputa entre os seculares e os regulares. Guillaume de Saint-Amour perseguiu os mendicantes para impedi-los de ensinar. Os dominicanos e os franciscanos são expulsos da corporação universitária. O Papa Inocêncio IV pronunciou-se a favor dos seculares. Do ponto de vista acadêmico, a situação dos mendicantes era desesperadora. A perseguição foi até mesmo física, de tal modo que, em janeiro de 1256, o rei São Luís teve que enviar guardas para proteger os conventos parisienses contra ataques. Os frades pregadores estavam dispostos a sofrer o martírio nas mãos dos infiéis, mas não esperavam suportá-lo da parte de seus irmãos católicos.
Finalmente, o novo papa, Alexandre IV, anulou as disposições de seu antecessor. O Frei Tomas, portanto, sofreu perseguição desde o início de sua vida religiosa. Como disse São Paulo, quem quiser viver piedosamente em Cristo Jesus sofrerá perseguição(1).
Por vezes imaginamos Santo Tomás estimado por todos os teólogos, ouvido pelos intelectuais de seu tempo, admirado por seus alunos, louvado pelos papas, honrado pelos cardeais, consultado por todos os grandes deste mundo. Esta visão é parcial e muito incompleta. Como Nosso Senhor durante sua vida pública, Frei Tomas foi odiado por muitos de seus contemporâneos, e sua sensibilidade aguçada sofria com isso. Alguns pequenos intelectuais católicos viram em sua doutrina um perigo mortal para a fé católica.
3 – Depois de uma estada na Itália, Frei Tomás regressou a Paris em 1269. As controvérsias intelectuais ali existentes eram vivas. Santo Tomás viu-se confrontado por dois grandes adversários. O primeiro foi a corrente platônico-agostiniana, que se escandalizou ao ver um teólogo católico apoiar-se em um filósofo grego pagão chamado Aristóteles. Essa corrente, que temia a inteligência, foi defendida pelo Bispo de Paris, Etienne Tempier, assim como pelos mestres da Universidade e da Ordem franciscana. A luta foi violenta. A doutrina de Santo Tomás foi considerada herética, escandalosa, absurda, averroísta e outros epítetos semelhantes. Frei Tomás ficou triste ao constatar que os franciscanos que o atacam são apoiados, à distância, pelo seu próprio Superior geral, que não era outro senão São Boaventura. Numa outra prova, alguns dos próprios dominicanos tomaram o partido dos Frades Menores na sua luta contra seus confrades.
O outro adversário foi a corrente de peripatéticos avançados ou averroístas, que interpretavam Aristóteles usando os comentários errôneos e corrompidos de Averróis. Neste campo, há que nomear Siger de Brabant, cuja doutrina, depois de ter seduzido muitos jovens estudantes, seria condenada pela Igreja. Foi, portanto, uma guerra intelectual impiedosa travada em Paris contra o mestre de teologia, Tomás, que enfrentou os ataques com calma e serenidade.
4 – Deus, então, enviará uma prova ainda mais sensível ao seu fiel discípulo. Frei Tomás foi consultado por muitos papas, especialmente Alexandre IV, Urbano IV e Clemente IV. Em 1271, o Beato Papa Gregório X foi eleito para a cátedra de Pedro e, a partir desse dia, a Santa Sé nunca mais o consultaria. O Papa retirou sua confiança nele? Jacques Maritain comenta: “Que prova mais dura poderia enfrentar tal mestre do que sentir seu ensinamento sob suspeição na Igreja? Durante os quatro anos de lutas heróicas de sua última estada em Paris, a sombra dessa provação passou sobre ele(2).”
5 – O sofrimento ainda não havia terminado. Em 1272, o Mestre Geral dos dominicanos, vendo que o papa apoiava a corrente agostiniana, sentiu-se obrigado, em nome da paz, a destituir o Frei Tomás de seu posto em Paris e transferi-lo para Nápoles. Um de seus biógrafos comentou: “Em um grau conhecido apenas por Deus, essa partida de Paris, por mais dolorosa que fosse, o preparou, mais do que ele acreditava, para ser digno de compor sua Tertia pars(3). Escrever sobre Jesus Cristo implica sempre uma certa participação na sua Paixão”(4).
6 – Por fim, Deus pediu ao Frei Tomás que fizesse um último sacrifício, particularmente difícil. Em 1274, a caminho do Concílio de Lyon, adoeceu gravemente. Foi em Fossa Nova, numa abadia beneditina, que devolveu sua alma a Deus. Santo Tomás não teve o consolo de morrer em uma casa de sua Ordem. Certamente, ele amava a ordem beneditina, à qual devia sua educação. Mas ele teria preferido morrer em uma casa de sua família religiosa, a Ordem dominicana, à qual tanto se sacrificara.
7 – Santo Tomás já não estava mais neste mundo, e ainda assim a perseguição não havia acabado. Tal como seu divino Mestre, ele é um sinal de contradição, não apenas durante sua vida, mas também após sua morte. Em 1277, três anos após sua morte, o Bispo de Paris, Etienne Tempier, condenou o averroísmo, mas acrescentou o tomismo à sua condenação. Poucos dias depois, em Cantuária, o Primaz da Inglaterra Robert Kildwardby, embora dominicano, por sua vez condenou o averroísmo, incluindo o tomismo, e mencionando explicitamente o nome de Tomás de Aquino. Cinco anos depois, um capítulo geral da Ordem dos Frades Menores proibiu a leitura da Summa Theologica em todas as escolas franciscanas. Será preciso esperar o ano 1323, com a canonização de Santo Tomás pelo Papa João XXII, para que o tomismo fosse reabilitado. No entanto, ainda hoje, em 2022, os chamados teólogos católicos continuam a desprezar o tomismo. A 7ª dor de Santo Tomás ainda não acabou.
Pe. Bernard de Lacoste, FSSPX
Notas
- II Tim. III, 12.
- O Doutor Angélico.
- Terceira parte da Summa Theologicadedicada à vida de Jesus.
- D. Boulogne, Santo Tomás de Aquino ou o Gênio Inteligente.