Como as comunidades Ecclesia Dei deverão reagir nos próximos meses? Deveriam recusar-se a obedecer ao Motu proprio de Francisco? Mas em nome de quê?
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
1. A implementação do Motu Proprio Traditionis custodes segue de forma inexorável. No dia 18 de dezembro, a Sagrada Congregação para o Culto Divino emitiu uma série de esclarecimentos, sob a clássica forma de “Responsa ad dubia”. Onze respostas esclarecem as dúvidas. As coisas estão ainda mais claras: a Missa tradicional de São Pio V não é a norma de culto na Igreja Católica. A Missa, entendida no sentido de rito universal e obrigatório para toda a Igreja, é a Missa de Paulo VI.
2. E a resposta das diversas comunidades do movimento Ecclesia Dei torna-se também cada vez mais clara. Com efeito, qual é a resposta dos principais líderes destas comunidades? A resposta da Fraternidade de São Pedro (Comunicado de 19 de dezembro de 2021) é que o Motu proprio de François “não se dirige diretamente” a essas comunidades. A resposta da Fraternidade de São Vicente Ferrer (Mensagem de Natal de 23 de dezembro de 2021) é que este Motu proprio não pode dirigir-se a estas comunidades, cujo ato fundador reserva a celebração da liturgia tradicional. Basicamente é isso. E é lamentável. Diante de tais piruetas, o mal-estar só aumenta.
3. Em suma: as comunidades Ecclesia Dei defendem a celebração da Missa tradicional, reivindicando-a como seu privilégio e fazendo referência ao Motu proprio de João Paulo II, porque haveria, aos olhos dessas comunidades, a expressão jurídica de sua razão de ser.
4. Em tudo o que os representantes dessas comunidades dizem ou escrevem, na tentativa de fugir das exigências do Motu proprio Traditionis custodes, nunca vemos aparecer aquele que deveria ser o verdadeiro argumento para a defesa da Tradição e a razão profunda do apego ao Ordo Missae de 1962. Este argumento real e esta razão profunda são aqueles que a Fraternidade Pio X não cessou de argumentar desde o início: a nova Missa de Paulo VI, o Novus Ordo de 1969 não pode ser a norma de culto na Igreja Católica. Com efeito, esta nova Missa afasta-se de forma impressionante no conjunto e nos detalhes da definição da Missa tal como definida no Concílio de Trento. E é por isso que este Novus Ordo é essencialmente ruim, porque representa um perigo para a fé e promove um retorno à heresia protestante. A Missa tradicional, celebrada de acordo com o Ordo de 1962, e anterior a esta reforma de Paulo VI, deve, portanto, permanecer sendo a norma padrão de culto na Igreja, com a exclusão da nova Missa celebrada de acordo com o Ordo de Novus de 1969.
5. O pecado original das comunidades Ecclesia Dei surge aqui às claras, à luz dos factos, contra os quais não se pode argumentar. Desde seu reconhecimento canônico, em 1988, essas comunidades se abstiveram de declarar pública e oficialmente que o Novus Ordo de Paulo VI se afasta da fé católica e que a nova Missa de Paulo VI é essencialmente ruim. No máximo, podem reivindicar uma preferência ou um privilégio a favor da celebração da Missa antiga. Mas isso com a condição de reconhecer a perfeita catolicidade e a bondade de princípio da nova missa. Isso é o que se afirma na terceira das respostas do recente documento da Congregação para o Culto. Afirma-se ali, claramente, que “se um sacerdote que tenha obtido o uso do Missale Romanum de 1962 não reconhece a validade e legitimidade da concelebração [no novo rito de Paulo VI], nomeadamente recusando concelebrar na Missa Crismal”, não pode continuar a beneficiar da concessão feita para a celebração da Missa no Ordo de 1962.
6. Mas o uso de um privilégio, por mais extenso que seja, é sempre medido pelo respeito pelo direito comum – e esta é a lei que pretende garantir a comunhão eclesial, na adesão às reformas introduzidas pelo Concílio Vaticano II.(1) É por isso que a mesma razão que levou o Papa João Paulo II a expandir a celebração da antiga liturgia pode levar os seus sucessores – e, de fato, leva Francisco hoje – a restringir esta celebração. O argumento invocado pela Fraternidade de São Pedro e a Fraternidade de São Vicente-Ferrer cai então por terra.
7. Este falso argumento é o do liberalismo, que reivindica o direito da verdade estar ao lado do erro, um erro que também é admitido e reconhecido como uma alternativa possível. Mesmo quando pediu a Roma a possibilidade de experimentar a Tradição, Mons. Lefebvre nunca afirmou que a nova Missa de Paulo VI poderia representar uma alternativa possível em matéria de culto. Pelo contrário, ele sempre se opôs claramente à nocividade fundamental desta nova liturgia.
8. Como as comunidades Ecclesia Dei deverão reagir nos próximos meses? Deveriam recusar-se a obedecer ao Motu proprio de Francisco? Mas em nome de quê senão em nome desta nocividade fundamental da reforma de Paulo VI? Será que os líderes destas comunidades terão finalmente a coragem e a lucidez de denunciar o Ordo de 1969 pelo que ele é? Esta é a graça que devemos desejar-lhes, porque esta graça representa a única solução para aqueles que desejam perseverar até ao fim na fidelidade à liturgia tradicional.
Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX
Notas:
(1) Isso é explicitamente afirmado no nº 5 do Motu Proprio Ecclesia Dei afflictade 2 de julho de 1988.
POSTS INTERESSANTES SOBRE O ASSUNTO: