BREVE CATECISMO SOBRE A IGREJA E O MAGISTÉRIO – INTRODUÇÃO

cidade-estado vaticano

Fonte: Sì Sì No No, ano XXXIX, n. 18 – Tradução: Dominus Est

Nestes tempos em que a crise neomodernista penetrou diretamente no espírito dos homens da Igreja, é necessário conhecer a natureza da Igreja para não naufragarmos na obra da nossa salvação. De fato, é de Fé revelada (Mt. XVI, 28) e infalivelmente definida (Concílio Vaticano I) que Jesus Cristo fundou a Igreja com o objetivo de continuar a Redenção do gênero humano que Ele próprio iniciou (Mt. XXVIII, 19-20; Conc. Vat. I). Por isso, “fora da Igreja não há salvação” (Lc. X, 10; Atos IV, 12; IV Conc. de Latrão; Conc. de Florença).

Tentaremos resumir os pontos principais do que se encontra na Revelação (Sagrada Escritura e Tradição) e do que o Magistério tem ensinado sobre a Igreja, de forma autêntica e, por vezes, até infalível, para que permaneçamos na Fé Católica “sem a qual é impossível agradar a Deus” (Heb. XI, 6).

Uma Igreja hierárquica e não colegiada

A Igreja recebeu do próprio Cristo uma Hierarquia (Jo. XX, 21; Conc. de Trento) com a tríplice tarefa de ensinar, governar e santificar. Ao lado de Pedro (Mt. XVI, 18; Conc. Vat. I) e dos duze Apóstolos, nos Atos dos Apóstolos aparecem os Presbíteros ou Sacerdotes (Atos XX, 17) e os Diáconos (Atos VIII, 5).

Está igualmente revelado e infalivelmente definido que os poderes hierárquicos (Magistério, Império e Sacerdócio) passaram de Pedro para os Papas e dos Apóstolos para os Bispos (Jo. XX, 21; Conc. Trento; Conc. Vat., I, DB 1821 e 1828).

O próprio Jesus sustenta a Igreja de tal modo a constituir com Ela quase uma só pessoa (S. Th., III, q. 48, a. 2, ad 1). Nas Sagradas Escrituras, por exemplo, lemos que Cristo se identifica com a sua Igreja e com os seus membros quando se dirige a Saulo de Tarso: “Saulo, Saulo, porque me persegues?” (Atos IX, 4) e o próprio Saulo, que depois de sua conversão torna-se S. Paulo, identifica Cristo e a Igreja: “como o corpo humano é um só, embora tenha muitos membros, assim também Cristo” (1Cor. XII, 12). Santo Agostinho comenta: “A Cabeça e o Corpo da Igreja formam o Cristo total” (De unitate Ecclesiae 4, 7).

Se Cristo é a Cabeça da Igreja, o Espírito Santo é a sua Alma (Jo. XIV, 16; Leão XIII, Encíclica Divinum illud; Pio XII, Encíclica Mystici corporis).

Essa é a natureza divina da Igreja quanto à origem, o fim e os meios. No entanto, a Igreja é composta por membros humanos e deficientes, inclusive na Hierarquia.

Cristo, cabeça invisível e principal da Igreja – Papa, cabeça visível e secundária na terra

A Igreja é um Episcopado Monárquico de instituição divina: “Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja” (Mt. XVI, 16). Uma só cabeça, e portanto uma monarquia, e não uma democracia ou uma república colegiada.

Os Padres da Igreja e os escritores eclesiásticos, desde o século II, ilustraram essa verdade revelada no Evangelho e posteriormente definida pelo Magistério.

A sucessão ininterrupta dos Bispos e dos Papas a partir dos Apóstolos e de Pedro é sinal da verdadeira Igreja de Cristo (S. Ireneu, Adv. haer., III, 3, I); sem sucessão apostólica formal não há verdadeira Igreja de Cristo (Tertuliano, De praescr., 32); Pedro é o primeiro e o cabeça de todos os Apóstolos, definiu como verdade de fé no Vaticano I.

A primazia sobre todos os Apóstolos e sobre toda a Igreja, prometida a Pedro no Evangelho de S. Mateus (XVI, 16-19), foi-lhe conferida quando Cristo, depois de ter ressuscitado, disse a Pedro: “Apascenta (governa) os meus cordeiros (Apóstolos/Bispos), apascenta as minhas ovelhas (sacerdotes e fiéis)” (Jo. XXI, 15-17). Nesse sentido, os Padres e os escritores eclesiásticos interpretaram unanimemente as palavras de Jesus (cf. Tertuliano, De monog. 8; S. Cipriano, De unit. Eccl., 4; Clemente de Alexandria, Quis dives salvetur, 21, 4; Cirilo de Jerusalém, Cat., II, 19; S. Leão Magno, Sermo IV, 2).

Pedro, por instituição divina, tem nos papas os sucessores perpétuos no primado do governo da Igreja: essa é uma verdade de Fé definida pelo Concílio Vaticano I. O edifício da Igreja não pode subsistir sem o fundamento que é Pedro e os papas, seus sucessores, conforme ensinam os Padres da Igreja (cf. S. Pedro Crisólogo, Ep., XXV, 2; S. Leão Magno, Sermo III, 2). Pedro é a “pedra” que dá firmeza [compacidade e unidade] à Igreja (A. Lang, Compendio di Apologetica, Turim, Marietti, 1960, p. 310). Ora, sem unidade não há ser (“ens et unum convertuntur”). Portanto, a Igreja, sem o Papa, deixaria de existir: sine Petro, nulla Ecclesia.

Com efeito, é de fé católica definida que a Igreja deve durar até o fim do mundo, de modo que não é possível que, em algum momento da sua história, faltem ao mesmo tempo o Papa, o Colégio cardinalício, capaz de suprir, com autoridade, o governo do Papa falecido (uma espécie de colégio “vicário” do Vigário de Cristo), e também o Episcopado universal com sua jurisdição, sendo esses dois últimos aqueles que mantêm a unidade e a existência da Igreja enquanto se aguarda a eleição do novo papa. Caso contrário, estaríamos diante de um estado de “Igreja vacante”, em vez de apenas uma “Sé Papal vacante”.

Sem o Papa não há Igreja. Com efeito, o papa não é acidental, mas essencial para a subsistência da Igreja (cf. S. Tomás de Aquino, Summa c. Gent., IV, c. 76). Sem um Papa que reine em ato, o Corpo Místico não subsiste. A unidade é uma nota essencial da Igreja e concentra-se essencialmente na única Cabeça visível da Igreja, o Romano Pontífice, ao qual remonta o princípio da sucessão apostólica (ou apostolicidade formal).

A unidade da hierarquia católica consiste na união com o sucessor de Pedro (cf. Bernard Schultze in “Enciclopedia Cattolica”, Cidade do Vaticano, 1954, vol. XII, verbete “Unidade”). A unidade da Igreja significa que a Igreja é indivisa em si mesma (se estivesse dividida em si mesma, estaria morta como quando a alma deixa o corpo e o homem se divide, se decompõe e morre) e é distinta de qualquer outra ‘igreja’. Ora, a Igreja sem Papa (como o homem sem alma, que é o princípio da vida, do ser e da unidade intrínseca) está morta. Nós, porém, sabemos pela Fé que a Igreja durará “todos os dias até ao fim do mundo” e não deixará de existir em nenhum momento. Santo Tomás de Aquino resume admiravelmente essa verdade: “A firmeza ou unidade (firmitas) da Igreja é análoga à de uma casa que se diz sólida se tiver um bom fundamento. Ora, o fundamento principal da Igreja é Cristo, enquanto o fundamento secundário são os Apóstolos (com Pedro à cabeça). Por isso se diz que a Igreja é apostólica (Exp. in Symbol., a. 9). “Ubi Petrus ibi Ecclesia”. Remova o Papa e a Igreja desmorona[1].

A “prima Sede”, por si só, mesmo sem os cardeais e o episcopado, é um elemento constitutivo essencial da Igreja. O Papa assegura a vida, a unidade, a apostolicidade e a catolicidade da Igreja, que foi querida e fundada por Cristo em Pedro e nos seus sucessores até o fim do mundo. Em Pedro a Igreja encontra a rocha sobre a qual está fundada e que não a deixa desmoronar[2]. Portanto, quem não reconhece em Pedro e nos Papas a rocha inexpugnável, não reconhece a Igreja[3].

Santo Agostinho prossegue: “Pedro é pedra, e pedra é a Igreja”; em suma, a Igreja tem em Pedro, que é o Vigário de Cristo nessa terra, como seu fundamento. Jesus é a cabeça principal e invisível, enquanto Pedro é a cabeça secundária, subordinada e visível da Igreja. Portanto, Pedro, embora seja uma rocha subordinada a Cristo e à sua extensão histórica nesta terra, na cadeia ininterrupta dos seus sucessores personifica e sintetiza a Igreja. Por isso “ubi Petrus, ibi Ecclesia” e “sem Pedro, não há Igreja”. Portanto, “ubi Petrus, ibi Ecclesia” e “sem Pedro, não há Igreja”. Mas, como explica S. Paulo, “a Pedra era Cristo” (1Cor. X, 4). Portanto, a Pedra, que secundariamente é Pedro, primariamente é Cristo. Santo Agostinho, com um dos seus trocadilhos, explica: “Não lhe foi dito ‘Tu és Pedra’, mas ‘Tu és Pedro’. Ora a ‘Pedra’ era ‘Cristo’; confessada por Simão, chamado por isso ‘Pedro’”.

A Cátedra a partir da qual Pedro ensina, governa e santifica foi instituída por Cristo para confirmar a Fé dos crentes e para garantir a unidade, a santidade, a catolicidade e a apostolicidade da Igreja. Pedro e Roma têm uma preeminência sobre todos os apóstolos e bispos, pois são secundariamente “a pedra que [primariamente] é Cristo”. A unidade, junto com as outras três notas, e a visibilidade da Igreja são personificadas em Pedro. Pedro é a síntese da própria Igreja. Portanto, sem Pedro ou o Papa não subsiste a Igreja, que está em comunhão com Cristo através do Príncipe dos Apóstolos. Por isso, tudo o que acontece fora da cadeia de Pedro e dos seus sucessores está fora da apostolicidade formal da Igreja e evidencia a separação dos ramos mortos do tronco vital da Igreja de Cristo.  Os ramos secos carecem da vida que é Cristo (“Ego sum Vita…”) e são os hereges e os cismáticos formais que carecem do sangue vital da planta que é a Igreja, isto é, Pedro e Cristo. Os Bispos são ‘pastores’ dos fiéis que são ‘cordeiros’, mas por sua vez os Bispos são ‘ovelhas’ sujeitas a Pedro, o ‘Príncipe dos pastores’, na escola do único Mestre, ‘Caminho, Verdade e Vida’, que é Cristo.

(continua…)

Petrus

Notas

1. Um problema canônico coloca-se nesses tempos de crise neomodernista que penetrou na Igreja. Os padres sem regularidade canônica absolvem validamente? Os casamentos celebrados por padres sem regularidade canônica são válidos? Os moralistas e os canonistas (ver, por exemplo, os Cardeais Francisco Roberti e Pietro Palazzini, Dizionario di Teologia Morale, Roma, Studium, 1955) ensinam que existe, para além da “jurisdição eclesiástica ordinária delegada” pelo Superior (Bispo) ao inferior (sacerdote), a “jurisdição de suplência”, que não é possuída pelo revestimento de um ofício, e nem é conferida por um Superior, mas é dada pela própria Lei, isto é, pela Igreja (“supplet Ecclesia; é a própria Igreja que suplantou a lacuna da jurisdição que falta ao Ministro”) no momento em que se exerce o ato de jurisdição (“ad modum actus”) necessário para o bem das almas que, de outro modo, seriam prejudicadas sem culpa própria (Ibidem, verbete “Giurisdizione supplita”).

Por outro lado, os mesmos cardeais ensinam que existe uma “causa que escusa a observância da Lei”, ou seja, “uma circunstância em virtude da qual o dever de observar a lei vigente cessa em um determinado caso, para um determinado sujeito”. Por exemplo, “o dever de cumprir uma obrigação [de pedir ao Bispo a jurisdição, nda.] cessa perante a impossibilidade moral da sua execução [o Bispo injustamente não concede a jurisdição porque o sacerdote que a pede não pode aceitar, com razão, a nova teologia conciliar e a missa nova, nda.], o que torna o cumprimento da obrigação extraordinariamente penosa, embora permaneça fisicamente possível [de jure não é absolutamente impossível que um Bispo conceda a jurisdição, mas o cumprimento do dever de pedir e obter a jurisdição é de facto extremamente oneroso]” (Ibid., entrada “Causa scusante”). Por fim, os dois cardeais explicam que existe uma “necessidade espiritual” e uma “necessidade material”. Nesse caso, “é preciso ir em auxílio das almas em estado de grave necessidade [na qual se encontram as almas depois do tsunami conciliar, nda.], que ficariam privadas dos bens espirituais para a salvação eterna”. Portanto, “os fiéis têm o direito de receber a Doutrina e os Sacramentos e os sacerdotes têm o dever de conferi-los” (Ibid., verbete “Necessità”).

Ora, é um fato, infelizmente visível a todos, que a Doutrina Cristã dificilmente vem explicada de forma ortodoxa pelos sacerdotes que seguem a nova teologia conciliar e pós-conciliar (ver os novos Catecismos, incluindo o “Catecismo” de 1992 e o “Compêndio do Catecismo” de 2005). Além disso, o agora desenfreado e quase “onipresente” ecumenismo de massa (cf. Assis I-II-III, 1986-2011), prejudica a Fé dos cristãos. A missa nova, ademais, “representa, tanto no seu conjunto como em suas particularidades, um notável afastamento da teologia católica da Santa Missa, tal como foi formulada na sessão XXII do Concílio de Trento” (Cardeais Alfredo Ottaviani e Antonio Bacci, “Carta de apresentação do Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae”, Corpus Domini, 1969); as seitas (neocatecumenais, pentecostais, Renovação do Espírito…) abundam na maior parte das paróquias. Por fim, muitos fiéis têm grande dificuldade em confessar-se e, se conseguem encontrar um sacerdote disposto a ouvir a confissão, este nega muitas vezes (nem sempre, note-se) a obrigatoriedade desse ou daquele Mandamento da Moral Divina, de modo que eles preferem ouvir confissões de alguém que tenha apenas uma jurisdição de suplência, mas que mantenha a Fé e a Moral Católicas.

Portanto, a teologia católica admite que, em certos casos excepcionais, como o que estamos vivenciando desde 1962, [injustamente, nda.] padres sem regularidade canônica absolvam validamente, em certas condições, com uma jurisdição de suplência. Atenção! Não digo que as confissões dos padres ordenados depois do Concílio sejam, em si, inválidas; observo e constato que é difícil encontrar padres no confessionário e que muitos deles têm uma concepção heterodoxa da teologia dogmática e moral. Tampouco afirmo que todos os padres pós-conciliares não confessam de acordo com as regras da moral divina, mas que muitos, infelizmente, a confessam.

2. S. Agostinho, De batismo contra Donatistas, II, 1.

3. S. Agostinho, De agone christiano, 31, 33.

4. Enarr. em Ps. 103, 3, 2.