BREVE CATECISMO SOBRE A IGREJA E O MAGISTÉRIO – OS LUGARES TEOLÓGICOS E O MAGISTÉRIO

Da Praça São Pedro, a entrada em procissão na Basílica de São Pedro para a abertura do Concílio Vaticano II, em 11 de outubro de 1962

Fonte: Sì Sì No No, ano XXXIX, n. 18 – Tradução: Dominus Est

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Uma perigosa novidade

Alguns “hiper-tradicionalistas”, partidários da “sola Traditio sine Magisterio” [só a Tradição sem o Magistério], afirmam que o Magistério não é um lugar teológico. Portanto, segundo eles, não existe fórmula mais equívoca do que aquela segundo a qual o Magistério interpreta a Tradição.

Em primeiro lugar, Jesus Redentor é Mestre, Pastor e Sacerdote (cf. Jo. XIV, 16). Jesus é a Verdade (“Ego sum veritas”), porque enquanto Mestre ensina os mistérios que dizem respeito à salvação. Pois, por causa do pecado original, a ignorância entrou no mundo graças ao diabo tentador, que é o mestre do erro (Jo. VIII, 44). Jesus Redentor, que veio para “destruir as obras do demônio” (1Jo. III, 8), tinha antes de tudo que eliminar o erro e as trevas do espírito dos homens e trazer a luz da verdadeira sabedoria, a única que nos liberta: “Veritas liberabit vos” (Jo. VIII, 32). “Nihil volitum, nisi praecognitum”: ninguém pode querer percorrer o caminho que conduz à vida eterna se não lhe for previamente ensinado qual é o Fim e o caminho que conduz a ele. Depois de ter dissipado o erro e ensinado a verdade, o Redentor conduz-nos, enquanto Pastor, no caminho para o Céu (“Ego sum via”). Finalmente, como sacerdote, reconcilia-nos com Deus e dá a graça que é a vida sobrenatural da alma (“Ego sum vita”).

Jesus, portanto, chamou a si mesmo de Verdade (Jo. XIV, 6), aceitou o título de Mestre (Jo. XIII, 13) e afirmou ser o único Mestre dos homens (Mt. XXIII, 10: “porque um só é vosso Mestre, o Cristo”). Cristo transmitiu então o Magistério ou o seu poder docente aos apóstolos para que ele fosse continuado para sempre (Mt. XXIX, 19), consciente da sua imprescindibilidade para a salvação das almas. Os Padres da Igreja chamam a Jesus de “Nosso único Mestre” (Santo Inácio de Antioquia, Magn., IX, 1).

Além disso, o próprio Magistério e os mais renomados teólogos têm comumente ensinado o contrário do que escrevem os autores da referida inovação, que tendem ao erro do cisma dos chamados gregos “ortodoxos”.

Doutrina católica: o Magistério como “lugar teológico”

Na Encíclica Humani generis (12 de agosto de 1950), o Papa Pio XII ensina que “o Magistério deve ser para qualquer teólogo, em matéria de fé e de costumes, regra próxima da verdade (‘proxima norma esse debet’), visto que a ele confiou Nosso Senhor Jesus Cristo a guarda, a defesa e a interpretação do depósito da fé, ou seja, das Sagradas Escrituras e da Tradição divina. […] Tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: ‘Quem vos ouve a mim ouve’ (Lc. X, 16). […] Também é verdade que os teólogos devem sempre voltar às fontes da revelação […]. [Mas] junto com as sagradas fontes, Deus deu à sua Igreja o magistério vivo (‘Deus suae Ecclesiae Magisterium vivum dedit’) para esclarecer também e salientar o que no depósito da fé não se acha senão obscura e como que implicitamente. E o divino Redentor não confiou a interpretação autêntica desse depósito a cada um dos fiéis, nem mesmo aos teólogos, mas exclusivamente ao magistério da Igreja (‘concredidit authentice interpretandum soli Ecclesiae Magisterio’)” (DS. 3384, 3386).

Em suma, Pio XII reitera que Cristo deu à Igreja a Tradição, a Escritura e também o Magistério, que é a regra próxima da verdade, para a correta interpretação da Tradição divina e da Sagrada Escritura.

Os ‘Lugares Teológicos’ são “a sede de todos os argumentos da ‘Ciência Sagrada’ a partir dos quais os teólogos extraem os seus argumentos tanto para demonstrar uma verdade como para refutar um erro”. Melchior Cano (†1560) estabeleceu dez “Lugares Teológicos”[1]:

a) “Lugares próprios e apodíticos”: a Tradição e a Escritura (Fontes da Revelação), as decisões da Igreja, dos Concílios e dos Papas (que equivalem ao Magistério eclesiástico pontifício/universal, ordinário/extraordinário)[2];

b) “Lugares intrínsecos e prováveis”: o ensinamento dos Padres da Igreja e dos teólogos escolásticos;

c) “Lugares extrínsecos”: a razão humana, a reta filosofia e a história.

Os lugares extrínsecos são “Lugares estrangeiros” ou fontes auxiliares para o trabalho teológico. Os dois primeiros (Tradição e Escritura) são “lugares fundamentais” ou fonte da Revelação e, portanto, da Teologia. Os outros cinco (descritos nos itens b e c) contribuem intrinsecamente para a correta interpretação da Revelação.

Mons. Antonio Piolanti escreve: “A Teologia se funda nas Verdades reveladas, que estão contidas na Escritura e na Tradição e cuja interpretação é confiada ao Magistério vivo da Igreja, que por sua vez se manifesta através das definições dos Concílios, das decisões dos papas, e no ensinamento comum dos Padres da Igreja e dos teólogos escolásticos”[3].

O Cardeal Pietro Parente, por sua vez, observa que o Magistério é, portanto, “o poder conferido por Cristo à sua Igreja, em virtude do qual a Igreja docente é constituída como única guardiã e autêntica intérprete da Revelação divina. […] Segundo a doutrina católica, a Sagrada Escritura e a Tradição nada mais são do que a fonte e a ‘regra remota’ da Fé, enquanto a ‘regra próxima’ é o Magistério vivo da Igreja[4].

O teólogo alemão, Professor Albert Lang, sublinha: “O Magistério eclesiástico é precisamente aquele ‘lugar teológico’, no qual, por disposição divina os fiéis e os teólogos encontram em primeiro lugar as Verdades da Fé, porque na Palavra ou Magistério da Igreja a Revelação continua a viver, agir e atinge os indivíduos imediatamente. A Doutrina sagrada ou da Fé é anunciada pela Igreja porque é divinamente revelada e não é revelada porque foi anunciada pelo Magistério da Igreja. O Magistério não é a causa do caráter da Revelação divina anunciada pela Igreja, mas é apenas um instrumento ou meio estabelecido por Deus, pelo qual o revelado é interpretado e, portanto, conhecido por nós com certeza[5].

O trabalho teológico, também de acordo com P. Reginald Garrigou-Lagrange faz-se “recolhendo as Verdades reveladas contidas no Depositum Fidei, que são a Tradição e a Escritura, à luz do Magistério da Igreja, que define e nos convida a acreditar nessas mesmas Verdades[…]” (La Sintesi tomistica, Brescia, Queriniana, 1953, p. 72). A teologia é a ciência que, através da razão iluminada pela Fé (“sine Fide non remanet Theologia”), baseada nas ‘duas fontes da Revelação’ (Tradição e Sagrada Escritura), sob a direção interpretativa do Magistério eclesiástico, trata de Deus e das criaturas em relação a Deus. A razão filosófica desenvolve toda a sua fecundidade, chegando às “conclusões teológicas”[6].

(continua…)

Petrus

Notas

  1. M. Cano, De Locis theologicis, Roma, ed. T. Cucchi, 1900, Livro 1, capítulo 3.
  2. V. R. Garrigou-Lagrange, De Revelatione, Roma, Ferrari, II ed., 1921, I vol., p. 36.
  3. Dizionario di Teologia dommatica, Roma, Studium, IV ed., 1957, p. 246.
  4. Dizionario di Teologia dommatica, cit., pp. 249-250.
  5. A. Lang, Die Loci teologici des Melchior Cano und die dogmatischen Beweises, Monaco, 1925, p. 82.
  6. Cf. S. Tomás, S. Th., I, q. 1; G. M. Roschini, Introductio in Sacram Theologiam, Roma, 1947; P. Parente, Teologia, Roma, 1953; A. Gardeil, Le donné revélé et la théologie, Juvisy, 1932; Adolfo Stolz, Introductio in sacram Theologiam, Friburgo, 1941.