CRISTO JUIZ (PARTE 1): UMA VERDADE DE FÉ CAÍDA NO ESQUECIMENTO

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Prof. Paolo Pasqualucci (Courrier de Rome nº 387) – Tradução: Dominus Est

«É coisa horrenda cair nas mãos do Deus vivo» (Heb. 10, 31)

1. Uma verdade de fé caída no esquecimento

A pastoral hodierna da Igreja Católica nunca lembra aos fiéis que Nosso Senhor Jesus Cristo – segunda pessoa da Santíssima Trindade, consubstancial ao Pai, a Ele a honra e a glória pelos séculos dos séculos – é o justo juiz que decidirá infalivelmente o destino eterno da alma de cada um, imediatamente após sua morte, enviando-o para sempre para o paraíso ou para o inferno.

Esta verdade fundamental da nossa fé parece completamente esquecida, assim como o princípio segundo o qual devemos todos os dias realizar em tudo a vontade de Deus para Lhe dar glória e porque seu juízo, ao qual nós deveremos «prestar contas», examina incansavelmente nossas intenções e ações (Heb. 4, 13).

A partir do roncalliano Discurso de abertura do Concílio Vaticano II em 11 de outubro de 1962, a pastoral da Igreja foi poluída por uma nova tendência, implicando um afastamento entre «misericórdia» e «doutrina». Com efeito, é João XXIII que defende a ideia extraordinária segundo a qual a Igreja não deveria mais condenar os erros, dado que os homens contemporâneos, segundo ele, mostravam-se já «inclinados a condená-los». É por isso que a Igreja preferiu «usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. [E] Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações» (AAS 54, 1962, p. 792). Porventura a Igreja jamais buscou no passado demonstrar a «validez da sua doutrina» independente das condenações? Basta ler qualquer Epístola dos Apóstolos… A afirmação de Roncalli é contraditória. A condenação oficial do erro é intrinsecamente obra de misericórdia porque ela adverte o homem de seu erro e, contextualmente, os fiéis, dando-lhes os instrumentos necessários para se defender (R. Amerio). Deixando de condenar os erros que atentavam contra a salvação das almas, no interior e no exterior da Igreja, a Hierarquia faltou com seu dever e abriu de fato as portas do redil aos lobos. Os quais, como podemos bem ver cinquenta anos depois, devastaram-no completamente.

Prosseguindo nessa ladeira, chegou-se hoje a proclamar, na práxis de uma oficiosa e anômala «pastoral líquida» que visa fazer emergir e a impor ulteriores «novidades» na esteira daquelas introduzidas pelo Concílio, que a misericórdia de Cristo vai além da justiça, sobretudo porque ela quer «facilitar» a fé das pessoas sem se comportar como uma «alfândega». Facilitar a fé, a fim de «integrar» na Igreja aqueles que se encontram nas «periferias existenciais». Linguagem obscura e ambígua, tanto sobre esse ponto quanto dos outros, peculiar ao Pontífice atual, Jorge Mario Bergoglio. Em suas declarações, ele costuma falar da «conversão» dos pecadores, mas somente de passagem, embora não podemos compreender se essa «integração» deve ocorrer unicamente por meio do arrependimento e de uma mudança de vida radical, portanto não sabemos se se trata de uma autêntica conversão. Raramente ouve-se um chamado claro e explícito da mensagem evangélica sobre esse ponto. Com efeito, Nosso Senhor disse de maneira claríssima que é preciso «arrepender-se» e «fazer penitência» se não quisermos ir para o inferno; que é preciso apoiar-se sobre a fé Nele e que só ela nos confere as graças necessárias para ascender à vida eterna através da «porta estreita» da santificação individual cotidiana (Mt. 4, 17; 7, 13-14; Lc. 13, 2-5). Sua Palavra não propõe nem «facilitar» e nem «integrar»: ela convida a Lhe imitar, a tomar sua cruz como Ele fez (Lc. 14, 27), obedecendo ao Pai até ao «testemunho de sangue» (Heb. 12, 2-4). Somente a graça nos abre as portas da vida eterna e esclarece nossa inteligência, que torna «doce» e «leve» o jugo da cruz (Mt. 11, 28-30). A «facilitação» desejada evoca, ao contrário, a ideia do caminho largo e cômodo, aquele que conduz à perdição («Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela» (Mt. 7, 13-14).

A principal causa das trevas espirituais atuais deve ser vista na desistência da Autoridade suprema de seus deveres de Vigário de Cristo na terra, in primis daquele de «confirmar seus irmãos na fé» (Lc. 22, 32). Pululam erros de todos os tipos, enquanto que as verdades fundamentais da nossa fé passaram a ser silenciadas ou deformadas. O Papa Félix III, morto em 492, estava na verdade: «O erro que vós não combateis, vós o aprovais; a verdade que não defendeis, matais». E, com efeito, quem ainda crê no pecado original, cujo dogma não é mencionado há muitos anos, assim como nas verdades de fé dos novíssimos e muitas outras? Mas como crer ainda no pecado original e no inferno se se espalha a ideia absurda de que a Encarnação já teria salvado a todos, porque, como afirma (erroneamente) a constituição conciliar Gaudium et spes 22.2, Nosso Senhor «uniu-se de certo modo a cada homem»? Como poderia tal homem «divinizado» ir ao inferno? E como podemos ter fé na realidade do inferno se se deixa crer que após a morte todos irão «à casa do Pai», ao ponto de o Pontífice reinante ter dito, em uma de suas numerosas entrevistas, gracejando acerca da duração de seu pontificado: «… dois ou três anos e, logo em seguida, à casa do Pai»? Alguém vai à casa do Pai se se é considerado digno de entrar, sem passar pelo Juízo? Lembremos, ao contrário, o exemplo dos grandes santos, como o capuchinho Leopoldo de Padova, morto em 1942, que sempre repetia aos seus filhos espirituais que, mais que a morte, que temessem o Juízo após a morte, face a face com Nosso Senhor em toda sua suprema majestade de Juiz divino e infalível.

Não há mais temor de Deus em grande parte do clero e dos fiéis. Por causa da falsa ideia dominante de misericórdia, o erro, que não é condenado por aqueles que deveriam condená-lo, corrompeu a fé de uma parte importante da Hierarquia ao ponto de pressioná-la a pretender (no ensurdecedor silêncio da Prima Sedes) que se mudasse a doutrina da Igreja sobre o casamento, permitindo a comunhão aos divorciados recasados, e oferecendo formas de «reconhecimento» ou de «abertura» aos casais de fato, inclusive às duplas homossexuais! Mas Kasper, Marx, Forte e companhia se deram conta que eles fazem e continuam a fazer assim uma verdadeira apologia do pecado? É o caso de se perguntar se eles não perderam completamente o uso da razão.

É preciso então, antes de tudo, repropor a doutrina autêntica da Igreja sobre as verdades de fé, eliminando logo de cara a imagem falsa e adocicada de Cristo tal como é proposta hoje, como se o Cristianismo fosse uma religião do «coração», do «sentimento», da «simpatia humana», da «abertura», do «se deixar surpreender pelo Outro» ou «por Deus», o que quer que seja que isso signifique; em suma, uma religião de uma dita «solidariedade» de fundo «social» e «humanitário», que quer experimentar tudo, acolher tudo e engolir tudo, das pequenas moscas aos camelos, absolvendo todo o mundo sem se preocupar com os preceitos da divina justiça. É preciso reafirmar, ao contrário, que o Cristo misericordioso perdoa e acolhe somente aqueles que «O amam» e portanto ouvem sua palavra, arrependem-se e mudam suas vidas. É esse mesmo Senhor que julgará cada um de nós no último dia, e desde sempre julga a alma de cada um imediatamente após sua morte, no exercício de seus poderes sacerdotais, que compreendem também a administração da justiça (visto que Ele é «sacerdote eternamente» Heb. 7-10), e que compreendem ainda mais seus poderes reais de Rei dos reis e de Senhor de todo o universo (Ap. 14, 14 ss; 19, 11 ss; 20, 11 ss).

A misericórdia de Cristo é inseparável de sua justiça e não pode contradizê-la, assim como a pastoral da Igreja não pode jamais contradizer a doutrina ensinada por Cristo e seus apóstolos, o Depósito da Fé mantido ao longo dos séculos pelo Magistério.

(Continua…)