Consideremos, em segundo lugar, que Maria é advogada tão clemente quanto poderosa, e que não sabe negar sua proteção a quem recorre a ela. Os olhos do Senhor estão voltados sobre os justos, disse David. Mas esta Mãe de misericórdia, segundo afirma Ricardo de São Lourenço, fita os olhos nos justos como nos pecadores, a fim de que não caiam; e, se tiverem caído, para ajudar-lhes a que se levantem.
Afigurava-se a São Boaventura, quando contemplava a Virgem, que estava vendo a própria misericórdia. São Bernardo nos exorta a que em todas as nossas necessidades recorramos a essa poderosa advogada, porque é toda doçura e bondade, para aqueles que se lhe recomendam.
É por isso que Maria é chamada formosa como a oliveira. Quasi oliva speciosa in campis (Ecl 24,19); pois assim como a oliveira produz azeite suave, símbolo da piedade, assim da Virgem Santíssima promanam graças e misericórdias para todos aqueles que se refugiam na sua proteção.
Tem, pois, razão Dionísio Cartusiano para lhe chamar advogada dos pecadores que a ela recorrem. Qual não será a mágoa do cristão que se condena, quando pensar que tão facilmente se podia ter salvado, recorrendo a esta Mãe de misericórdia, e que não o fez, nem haverá já tempo para remediá-lo! A bem-aventurada Virgem disse a Santa Brígida:
“Eu sou chamada Mãe de misericórdia e, na verdade, o sou, porque assim o quis a bondade de Deus”….
Quem é que constituiu tal advogada para a nossa defesa, senão a misericórdia divina, que quer salvar todos?…
“Desgraçado, acrescentou a Virgem, e eternamente desgraçado, será aquele que, podendo recorrer a mim, que sou misericordiosa e benigna, não procura o meu auxílio e se condena!”
Tememos, acaso, diz São Boaventura, que Maria nos negue o socorro que lhe pedimos?… Não; Maria não sabe nem soube jamais olhar sem compaixão, nem deixar sem socorro aos desgraçados que recorrem a ela. Não sabe, nem pode, porque foi destinada por Deus para ser a Rainha e Mãe de misericórdia, e como tal incumbe-lhe velar pelos necessitados. Sois rainha de misericórdia, disse São Bernardo, e quem são os súditos da misericórdia senão os miseráveis? E logo o Santo, por humildade, acrescenta:
“Ó Mãe de Deus, já que sois a rainha da misericórdia, é de mim que deveis ter o maior cuidado, porque sou o mais miserável dos pecadores”
Com maternal solicitude, sem dúvida, livrará da morte a seus filhos enfermos, pois a bondade e clemência de Maria a convertem em Mãe de todos os que sofrem. São Basílio a chama casa de saúde, porque, assim como nos hospitais de enfermos pobres os mais necessitados é que têm mais direito de ser recebidos, assim Maria, como disse aquele Santo, há de acolher e abrigar com piedade solícita e amorosa os maiores pecadores que a ela recorrerem.
Não duvidemos, portanto, da misericórdia de Maria Santíssima.
Santa Brígida ouviu o divino Salvador dizer à Virgem:
“Até do próprio demônio terias compaixão se te pedisse com humildade”
Nunca o soberbo Lúcifer se humilhará; mas, se esse desgraçado se humilhasse diante dessa soberana Senhora e lhe pedisse auxílio, a intercessão da Virgem o livraria do inferno. Com essas palavras, Nosso Senhor deu-nos a entender o mesmo que sua querida Mãe disse à Santa, isto é, que quando um pecador, por vultosas que sejam suas culpas, se lhe recomenda sinceramente, ela não procura saber os pecados que o acabrunham, mas sim a intenção que o move; e se vem com boa vontade de emendar-se, acolhe-o logo e o cura de todos os males que o afligem.
“Por muito que o homem haja pecado, se recorre a mim verdadeiramente arrependido, apresso-me a recebê-lo, não considero o número de suas culpas, mas a intenção que o anima. Nem me desdenho de ungir e curar as suas feridas porque me chamam e realmente sou a Mãe de Misericórdia”
Em verdade, pois, São Boaventura nos estimula, dizendo:
“Não desespereis, pobres e perdidos pecadores, levantai os olhos a Maria e respirai, confiados na piedade desta boa Mãe”
Procuremos a graça perdida, disse São Bernardo, e procuremo-la por intermédio de Maria.
Esse alto dom, perdido por nós, acrescenta Ricardo de São Lourenço, Maria o encontrou; é, pois, a ela que devemos recorrer para o recobrarmos. Quando o arcanjo São Gabriel anunciou à Virgem a divina maternidade, disse:
“Não temas, Maria, porque achaste graça” (Lc 1,30)
Se Maria, porém, sempre cheia de graça, jamais esteve privada dela, como diz o Anjo que a encontrou? A isto respondeu o Cardeal Hugo que a Virgem não achou a graça para si, pois que sempre a gozou, mas para nós que a tínhamos perdido. Daí infere que devemos apresentar-nos a Maria Santíssima e dizer-lhe:
“Augusta Senhora, o bem deve ser restituído a quem o perdeu. Essa graça que encontrastes não é vossa, porque sempre a possuístes; mas é nossa e por nossa culpa a perdemos. É, portanto, a nós que a deveis restituir”
Acorram, pois, acorram pressurosos à Virgem os pecadores que, por sua culpa, tiverem perdido a graça e digam-lhe sem receio:
“Restituí-nos o nosso bem que achastes”…
AFETOS E SÚPLICAS
Eis que aqui a vossos pés, ó Mãe de Deus, um miserável pecador que deixou perder voluntariamente, não uma, mas muitas vezes, a divina graça que vosso Filho lhe conquistou com sua morte. Ó Mãe de misericórdia, com a alma cheia de feridas, recorro a vós. Não me desprezeis ao ver o estado em que me acho; antes olhai-me com maior compaixão e apressai-vos a socorrer-me. Vede a confiança que me inspirais e não me abandoneis. Não procuro bens terrestres, mas a graça de Deus e o amor a vosso divino Filho. Orai por mim, minha Mãe.
Não cesseis de rogar, a fim de que por vossa intercessão e em virtude dos merecimentos de Jesus Cristo alcance a salvação. É vosso ofício interceder pelos pecadores, exercei-o para comigo — como dizia São Tomás de Vilanova. — Recordai-me a Deus e defendei-me. Não há causa, por mais desesperada que seja, que se perca quando é defendida por vós. Sois a esperança dos pecadores e a minha esperança… Nunca deixarei, Virgem Santa, de servir-vos, de amar-vos e de recorrer a vós…
Não deixeis de socorrer-me, sobretudo quando me virdes em perigo de perder novamente a graça do Senhor.
Ó Maria, excelsa Mãe de Deus, tende compaixão de mim!
Preparação para a Morte – Santo Afonso