DA VIDA PENOSA DE JESUS CRISTO

cruzDefecit in dolore vita mea, et anni mei in gemitibus – “A minha vida tem desfalecido com a dor, e os meus anos com os gemidos” (Ps. 30, 11).

Sumário. O nosso amável Redentor, desde o primeiro instante da sua vida, teve sempre presentes os ultrajes e as dores que o esperavam pela vista horrível de todos os males que o deviam afligir. Quando nos sentirmos oprimidos pelas cruzes que se nos afiguram longas ou pesadas demais, lancemos um olhar para Jesus Cristo e lembremo-nos da vida penosa que ele levou. Assim de certo não nos ousaremos queixar da mão paternal que nos fere para nosso bem.

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Deus, usando de compaixão para conosco, não nos faz conhecer, antes do tempo, as penas que nos esperam. Se a um criminoso, que expira sobre o patíbulo, tivesse sido revelado, desde o uso da razão, o suplício que o esperava, teria jamais podido experimentar alegria? Se, desde o princípio do seu reinado, tivesse sido mostrada a Saul a espada que o devia traspassar, se Judas tivesse visto de antemão o laço que o devia estrangular, quão amarga teria sido a sua vida!

O nosso amável Redentor, porém, desde o primeiro instante da sua vida, teve sempre presentes os açoites, os espinhos, a cruz, os ultrajes da sua Paixão e a morte desolada que o esperava. Quando via as vítimas sacrificadas no templo, bem sabia que eram outras tantas figuras do sacrifício que ele mesmo, o Cordeiro sem mancha, devia consumar sobre o altar da cruz. Quando via a cidade de Jerusalém, bem sabia que era ali que devia perder a vida em um mar de dores e de opróbrios. Quando lançava os olhos para a sua amada Mãe, já imaginava vê-la agonizante de dor ao pé da cruz, na qual Ele expirava.

Assim, ó meu Jesus, a vista horrível de tantos males Vos teve num tormento e numa aflição incessantes, muito tempo antes da vossa morte. E Vós aceitastes e sofrestes tudo isso por meu amor. – Ó Senhor, só a vista de todos os pecados do mundo, particularmente dos meus, fez com que a vossa vida fosse a mais aflita e penosa, de todas as existências passadas e futuras. – Mas, ó Deus! Em que lei bárbara está escrito que um Deus ame tanto a uma criatura e que depois disto a criatura viva sem amar a seu Deus; mais ainda, viva a ofendê-Lo e contrista-Lo? Ah, Senhor! Fazei-me conhecer a grandeza do vosso amor, afim de que eu deixe de Vos ser ingrato. Se eu Vos amasse, ó meu Jesus, se eu Vos amasse verdadeiramente, quão doce me seria sofrer por Vós!

Jesus crucificado apareceu um dia a soror Magdalena Orsini, que havia muito tempo estava na tribulação e a exortou a sofrer com resignação. A serva de Deus respondeu: “Mas, Senhor, Vós não estivestes na cruz mais do que três horas e eu há tantos anos que sofro estas penas!” Jesus repreendeu-a, dizendo: “Ah! Ignorante, que dizes? Desde o primeiro instante que estive no seio de minha Mãe, sofri no coração tudo que sofri mais tarde na cruz.”

E eu, meu amabilíssimo Redentor, à vista de tudo que tendes sofrido por meu amor, durante toda a vossa vida, poderei ainda queixar-me das cruzes que Vós me enviais para meu bem? Agradeço-Vos por me haverdes resgatado a preço de tanto amor e de tantas dores. Para me animar a sofrer com paciência as penas desta vida, quisestes tomar sobre Vós todos os nossos males. Ah, Senhor! Fazei-me lembrar muitas vezes as vossas dores, afim de que eu aceite e deseje sempre sofrer por vosso amor. Scitis quid fecerim vobis? (1) – Meu Jesus, já sei quanto fizestes e sofrestes por meu amor; mas Vós sabeis igualmente que eu até agora não tenho feito nada por Vós. Ajudai-me a sofrer alguma coisa por vosso amor antes que chegue a hora da minha morte.

Ó Senhor, tenho vergonha de aparecer diante de Vós, mas não quero continuar a ser ingrato para convosco, como tantos anos tenho sido. Por amor de mim Vós Vos privastes de todo o prazer, e eu, por vosso amor, renuncio a todos os prazeres dos sentidos. Por amor de mim Vós sofrestes tão grandes dores; por vosso amor quero sofrer todas as penas da minha vida e da minha morte, como Vos agradar. Vós fostes abandonado; eu consinto em que todos me abandonem, contanto que não me abandoneis, meu único e soberano Bem. Vós sofrestes perseguição; eu aceito toda e qualquer perseguição. Vós, finalmente, morrestes por mim; eu quero morrer por Vós. – Ah, meu Jesus, meu tesouro, meu amor, meu tudo, eu Vos amo; dai-me mais amor e nada mais Vos peço. – Ó minha Mãe de dores, peço-vos a mesma graça; obtemde-m’a pela Paixão do vosso Filho. (*I 549.)

  1. Io. 13, 12.

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II – Santo Afonso