É NECESSÁRIO RECEBER O SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO SOB CONDIÇÃO?

Crismas 2019 – Galeria fotográfica | Fraternidade Sacerdotal São Pio X no  Brasil

Fonte: Courrier de Rome  n° 662 – Tradução: Dominus Est

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Da etimologia à teologia

Todos conhecem Gaffiot. Félix Gaffiot (1870-1937), decano da Faculdade de Letras de Besançon, que não é conhecido apenas pela sua famosa adega (1), leiloada no domingo, 8 de maio de 1938. Ele é, sobretudo, autor do prestigiado Dicionário ilustrado Francês-Latim, publicado pela Editions Hachette, em 1934, e constantemente reeditado desde então. Aprendemos lá que o substantivo feminino “oliva”, que designa simultaneamente a oliveira e o seu fruto natural, a oliva (azeitona), deu origem ao outro substantivo neutro “oleum”, que significa o óleo. A relação etimológica aqui apoia essa ligação: aos olhos dos antigos, o óleo era, como tal, obtido do fruto da oliveira e, portanto, o óleo era essencialmente um azeite de oliva. Todos os demais “óleos” só foram nomeados como tais por analogia, ou seja, à custa de uma ampliação de sentido que vem acompanhada de uma certa perda do conceito. Além do azeite de oliva, existem também (para nos atermos aos óleos vegetais) óleo de amendoim, óleo de noz, óleo de colza, óleo de milho, óleo de linhaça, óleo de palma, óleo de rícino, óleo de soja e óleo de girassol. Existem ainda óleos animais (óleo de fígado de bacalhau, óleo de foca e, sobretudo, óleo de baleia, utilizados até ao século XIX, antes do advento do gás, como combustível para lâmpadas de iluminação) e óleos minerais, alguns dos quais podem ser obtidos por destilação do petróleo. Sem falar nos óleos essenciais. Mas esses “óleos” são apenas substitutos e, além das semelhanças externas, a verdadeira substância que corresponde adequadamente a esse nome só pode ser o oleum, o líquido proveniente da oliva, fruto natural da oliveira.

2. De acordo com essa abordagem dos antigos, a Igreja sempre reconheceu apenas o azeite de oliva como matéria válida para os sacramentos da Confirmação e da Extrema Unção, excluindo qualquer outro tipo de óleo. Definitivamente, o mesmo se aplica ao pão. O pão é a matéria válida do sacramento da Eucaristia, mas – nosso Gaffiot ainda está aí para atestar isso – trata-se aqui unicamente do pão feito de farinha de trigo, pois, como o óleo em sentido próprio é o azeite, também o pão no sentido próprio é o pão feito com as espécies mais nobres (o “triticum”) do gênero do trigo (o “frumentum”). Os outros “pães” são assim chamados em virtude de uma analogia que tanto diminui como amplia a noção e é por isso que eles não são chamados de “pão” em seu sentido próprio. Aos olhos da Igreja, o pão feito com cevada (“hordeum”), aveia (“avena”), arroz (“oryza”), milho, castanhas, batatas ou outros vegetais não é matéria válida para a Eucaristia, pois esses ingredientes não pertencem ao gênero do trigo; a espelta (“spelta, ae, f“) e o centeio são, certamente, espécies do género do trigo, mas distintas da sua espécie mais nobre, o “triticum“, razão pela qual não é matéria adequada para fazer pão em sentido próprio, ou seja, não é matéria válida para o sacramento da Eucaristia.

3. Dir-se-á que tudo isto é escrúpulo de purista, e que Félix Gaffiot não era teólogo. Mas é, precisamente, a Igreja, e somente ela, que tem o poder de declarar qual é a matéria instituída por Cristo para a administração de seus sacramentos. E se a Igreja decide ser purista (ou tutiorista) é porque tem boas razões para o ser, uma vez que a natureza precisa da matéria dos sacramentos não foi deixada por Deus à arbitrariedade dos homens. Assim, o uso da etimologia e das definições do bom Gaffiot intervém apenas para fins ilustrativos ou confirmativos, ou como argumento ad hominem, e de forma alguma como prova demonstrativa. Durante a cerimônia da Missa Crismal da Quinta-feira Santa, o Bispo abençoa os óleos que serão usados ​​como matéria válida na administração dos dois sacramentos da confirmação (óleo do santo crisma) e da extrema-unção (óleo dos enfermos). Até Paulo VI, em ambos os casos, era um azeite propriamente dito, azeite de oliva.

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A reforma de Paulo VI

4. Sob o Papa Paulo VI, o Decreto da Sagrada Congregação para o Culto Divino de 3 de dezembro de 1970 promulgou um novo Ordo para a consagração dos Santos Óleos, acompanhado de algumas prescrições, indicando incidentalmente que a matéria a ser utilizada seria “oleum olivarum, aut, pro opportunitate, aliud oleum e plantis”: azeite de oliva, ou, conforme o caso, outro óleo vegetal, de alguma outra planta. O Novo Código de 1983 reproduz nestes termos esta nova formulação do cânon 847 § 1: “Na administração dos sacramentos em que se utilizam os santos óleos, o ministro deve utilizar óleos de oliveira ou extraídos de outras plantas...”. Há, portanto, uma mudança aqui: a partir de agora, a matéria exigida para a validade dos sacramentos da Confirmação e da Extrema-Unção não é mais apenas o azeite. A única justificativa oficial para essa mudança parece ser dada na Constituição Apostólica Sacram unctionem infirmorum, de 30 de novembro de 1972 (2), que menciona dificuldades na obtenção de azeite de oliva. Uma justificativa pouco crível, pois, em toda a história da Igreja, nunca foi tão fácil obtê-lo como hoje.

5. Consequentemente, o Novo Rito ratifica essa alteração no nº 3: “Chrism conficitur oleo et aromatibus sua materia odorifera” – o santo crisma é confeccionado a partir de óleo e especiarias ou matéria perfumada. Já não se trata apenas de azeite de oliva. Ora, a sentença comum de todos os teólogos é que o azeite de oliva, precisamente como espécie de óleo distinto de qualquer outro, é necessário para a validade dos sacramentos. A dificuldade suscitada por esta reforma de Paulo VI manifesta-se, então, em toda a sua gravidade e também em toda a sua urgência.

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O que pensar?

6. É claro que a Igreja não tem o poder de modificar a matéria de um sacramento, se esta for de instituição divina quanto à sua espécie determinada. Ora, não está de modo algum provado que a matéria do Sacramento da Confirmação seja de instituição puramente eclesiástica a ponto de o Papa ter o poder de mudá-la. Com efeito, não se deve confundir o que a Igreja institui com o que ela usa. Não é porque o uso exclusivo do azeite de oliva só tenha sido atestado numa data relativamente recente que isso significa que a Igreja o tenha instituído. Especialmente porque uma certeza histórica relativamente fraca não pode fundamentar uma certeza moral. Portanto, é no mínimo duvidoso que a Igreja tenha o poder de modificar a matéria do sacramento da confirmação.

7. Lembremo-nos também que a modificação das leis litúrgicas na Igreja deve ser feita de acordo com uma explicação homogênea, fundada na Tradição. E a Igreja jamais instituiu uma nova matéria para os sacramentos, mesmo que essa nova matéria possa ter sido considerada inválida até então. Se alguém objeta sobre o caso da matéria do Sacramento da Ordem, deve-se responder que nesse caso preciso não é certo que tenha havido uma mudança real da matéria, e que é bastante provável que a Igreja, sem ter mudado nada, apenas hesitou em declarar qual era a matéria entre a entrega dos instrumentos e a imposição das mãos. Na reforma de Paulo VI a situação é bem diferente, pois ela estabelece como válida (ou pelo menos como uma alternativa válida) uma matéria que até então era considerada inválida.

8. Teria o Papa o poder de introduzir tal modificação, ampliando a determinação de uma matéria? Isso é, no mínimo, duvidoso. Portanto, na dúvida, essa reforma de Paulo VI não pode ser considerada como uma verdadeira lei da Igreja, como uma autêntica lei litúrgica que obrigaria não só em consciência, mas com toda paz de espírito, a todos os fiéis da Igreja. Portanto, não apenas podemos, mas devemos nutrir uma dúvida cautelosa sobre a autenticidade e infalibilidade dessa reforma.

9. Por outro lado, para ser válida, uma lei que modifique a matéria de um sacramento deve gozar da maior certeza e não pode revelar-se prejudicial ao bem comum, abrindo a porta a erros graves. Ora, a reforma de Paulo VI não satisfaz essas condições. É por isso que podemos superar a dúvida e concluir que esta reforma de Paulo VI, certamente, não é válida.

10. É, portanto, legítimo, e até mesmo necessário, restituir condicionalmente o sacramento da Confirmação a todos aqueles que o receberam em conformidade com a reforma de 1970, pois há o risco de uma invalidade por falta de matéria, devido à própria possibilidade de se usar outro óleo que não o azeite.

11. Eis o que se pode dizer sobre a matéria. Mas e a forma? Encontramos no Novo Ritual a nova forma de um rito oriental. Essa inovação, embora incomum, não chega a invalidar o sacramento. Em contrapartida, as formas mais ou menos elaboradas pelos tradutores em língua vernácula podem ser inválidas. O critério de discernimento é sempre o mesmo: a forma deve significar suficientemente a graça especial causada pelo sacramento. Caso contrário, o risco de invalidade deve ser seriamente considerado.

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Conclusão

12. Tudo isso, certamente, levanta sérias questões sobre o estado atual da Igreja. Mas contra factum non fit argumentum. Sem dúvida, é muito misterioso que a autoridade suprema da Igreja possa ter realizado tais reformas. Entretanto, aos olhos do teólogo e como em qualquer boa abordagem científica, a ignorância das razões subjacentes a esta situação (o propter quid) não deve invalidar a realidade desta situação (o quia).

Pe Jean-Michel Gleize, FSSPX

(1) Pierre Gresser, “A adega de Félix Gaffiot” em Autour de Lactance: homenagens a Pierre Monat, Besançon, Institut des Sciences et Techniques de l’Antiquité, 2003. págs. 261-274.

(2) AAS, t. LXV (1939), pág. 8