FIEL À PATERNIDADE

Randall C. Flanery

Ser fiel: estrita observância dos deveres

Atualmente a paternidade se encontra num estado lamentável. O pai, como presença ativa na família e na vida pública, vem desaparecendo desde o nascimento de nossa nação(1). Os cientistas sociais reconhecem as perdas culturais da ausência paterna, e a identificam como o problema social mais urgente de nossos tempos(2). Um número impressionante de dificuldades sociais e psicológicas está afligindo as crianças criadas sem pais(3). Meninas criadas sem pais são mais propensas à promiscuidade, transtornos alimentares, depressão e suicídio; meninos sem pais são mais propensos a delinqüência, criminalidade, uso de drogas, e a se transformarem em pais ausentes ou agressivos. E note-se que essas probabilidades aumentam em mais de sete vezes, o que não é pouca coisa.

A razão direta da ausência paterna está nas relações entre os pais que não se concretizam em casamento ou que terminam em divórcio. Aparentemente, os requisitos mínimos da paternidade estão longe da mente de muitos jovens. Dois dentre os muitos motivos desse estado lastimável são a marginalização da paternidade e as seduções da sociedade, para que se negligenciem as responsabilidades paternas. 

A marginalização da paternidade atinge diretamente os homens [ou seja, em si mesmos], e também indiretamente, com o aumento da desconfiança das pessoas – como das próprias esposas, que não estão imunes às influências culturais negativas. E é tão forte a ridicularização da masculinidade, que os homens que lutam contra as pressões predominantes e tentam fazerem-se presentes no lar podem, apesar de tudo, ser vistos com desconfiança pelas esposas, o que ajuda a retrair ainda mais a presença masculina.

A marginalização da paternidade

Hoje, se marginaliza a paternidade de três maneiras: minimizando-a, desvalorizando-a e esvaziando-a culturalmente.

Minimiza-se cada vez mais tudo quanto se considere peculiar à paternidade: o provimento da família, o exercício da autoridade de chefe da família e a defesa da família. Uma vez que as mulheres gozam do mesmo poder financeiro, cada vez menos precisa o homem prover a família, isso sem mencionar as mulheres que cada vez mais estão preferindo provê-la sozinhas. Tecnologias, como a fertilização in vitro, avançaram a tal ponto que o pai já não é necessário na concepção. Com a legalização da união das pessoas de mesmo sexo, os homens sequer precisam casar.

A segunda marginalização consiste na desvalorização das contribuições específicas do homem. Antigamente se esperava que os pais defendessem o lar, a família, a comunidade, e protegessem o mais fraco; defender o fraco implica a disposição de ser agressivo por uma boa causa. Hoje em dia, se vê com desconfiança qualquer indício de agressividade, que precisa ser contida. Agora, com o ingresso das mulheres no serviço militar, lutando na linha de frente, os homens já não são os únicos guerreiros.

Em terceiro lugar, a paternidade foi esvaziada culturalmente. Os pais já não exercem um papel de nobreza e autoridade na vida social da nossa civilização. Costumava-se avaliar uma cultura segundo o bom desempenho dos pais em sua missão, pois a paternidade transmitia distinção e status. A sociedade contava com os patriarcas para que a liderassem e se sacrificassem pelo bem comum. Atualmente, já não se espera que um homem cumpra os compromissos. Uma organização sem fins lucrativos, Promise Keepers [N.T.: Guardiões ou Zeladores da Promessa], incentiva os homens a professarem em público o compromisso de manter suas promessas. A justiça de família e os programas do governo labutam para que os homens paguem a pensão alimentícia. Esse é um objetivo louvável, mas da existência dele se conclui que muitos homens estão falhando tremendamente no cumprimento dos deveres.

As seduções da sociedade para que se negligencie a família

Vivemos em uma cultura que define o melhor de um homem pelas suas realizações individuais: conquistas pessoais, feitos importantes, status social e reconhecimento no mundo. Todo homem tem o desejo de “ser alguém” no mundo, de aparecer, de ser notado. Esses desejos não são perniciosos em si mesmos. Todo homem tem esses desejos. Acontece, porém, que geralmente a vida doméstica acaba não entrando na equação. Ela é considerada irrelevante, ou até um obstáculo ao sucesso profissional. Muitos homens, acreditando que a vida fora de casa é a essência da masculinidade, concluem que a vida em casa é negligenciável. 

Talvez achem que os compromissos profissionais de um homem estariam em xeque se se concedesse espaço demais às obrigações familiares. Profissionais como advogados, contadores, engenheiros e até psicólogos, passam em média 55 horas por semana no trabalho. Homens católicos e responsáveis arrumam um segundo emprego com a escusa de melhor prover a família. E essas horas no trabalho deixam de ser gastas em outros deveres igualmente importantes no esquema da vida sobrenatural. Será que esse trabalho extra é realmente necessário, ou só serve para o engrandecimento pessoal? Será para pôr comida na mesa ou para garantir as férias?

É a prudência pessoal que deve estabelecer o equilíbrio entre trabalho e casa; porém, importa notar que, em geral, a balança se inclina pesadamente contra as responsabilidades do lar. Se um homem procura definir-se menos pelo exemplo de São José, e mais pela posição na sociedade, será difícil para ele resistir às tentações materiais do mundo. O homem católico, por sua vez, não deve limitar-se à mera presença física em casa, mas comprometer-se intelectual, emocional e espiritualmente com o bem-estar da família.

A marginalização leva à feminilização

Muitas tendências sociais, inclusive a marginalização da paternidade, resultaram na feminilização do catolicismo dos leigos. A religião, até na prática tradicional, reduziu-se a uma obrigação, sobretudo da Igreja, da escola e da mãe, que precisam cuidar para que as crianças conheçam o catecismo, os princípios fundamentais da fé, as orações, e todos os atos cotidianos que revelem uma fé que atua sete dias por semana, e não apenas na manhã de domingo. Porém, faltando homens na vida de família, a vivência do catolicismo perde masculinidade e muscularidade.

Os homens católicos têm de levar a sério as almas de suas crianças. Os pais aparecem no batismo do filho, na primeira comunhão, na crisma, no casamento; mas será que são eles os que puxam o terço de família? E as procissões, as peregrinações? Sim, elas geralmente tomam um sábado inteiro. Que escolher? A praia, o churrasco, a religião do futebol, ou a salvação das almas, em particular a salvação da própria alma?

Não é preciso muito para notar por que as mulheres são quase sempre maioria na freqüentação diária da missa, na devoção da Primeira Sexta-Feira e nas peregrinações. Sejamos honestos, senhores: elas predominam nessas ocasiões porque se fazem presentes. Não é que os homens sejam excluídos, nós é que abdicamos de participar!

Pais não são mães de calça

Homens e mulheres são diferentes, sobretudo quando se fala em relacionamento. As mulheres baseiam as relações no cuidado com as necessidades do próximo ou na expressão verbal do afeto; já os homens, em comparação, voltam-se mais à ação e suas relações baseiam-se no auxílio ao próximo em algo e na proteção contra malfeitores. O propósito é o mesmo, apenas com meios diferentes; no entanto, como a masculinidade está desvalorizada, o modo masculino de relacionamento também estará, ficando em prol do feminino.

No cuidado dos filhos, o pai age, assiste, protege, às vezes consternando as esposas. O homem propõe atividades aos filhos como, por exemplo, jogar jogos de ação, trabalhar juntos, brincar de modo mais agressivo, até com as meninas. Toda conversa se desenrola no contexto das atividades e não dos sentimentos. O afeto masculino se transmite pela ajuda e proteção prestada ao ente amado, seja presenteando-lhe com o objeto de desejo, saindo de férias com a família, ou fazendo trabalhos manuais.

As esposas agem diferentemente. Se, ao brincar, um dos filhos se machuca, o pai diz à criança que ignore a dor e continue a brincar; já a mãe tem “compaixão” dessa dor e tenta aliviá-la. Quase todas as crianças sofrem alguma forma de desprezo ou maltrato dos colegas, fato sempre desagradável e danoso. Os pais se inclinam a propor a solução física, de ação, ou a intervir em favor da criança, enquanto as mães preferem compadecer-se do sofrimento da criança, procurando consolá-la.

Outra diferença está na hora da disciplina. As mães, a fim de disciplinar, preferem conversar, negociar, ou recuar emocionalmente. Já os pais disciplinam fisicamente, agem rápida e enfaticamente para aplicar o castigo, e não se comovem com apelos emocionais. É notável que em geral as crianças sejam mais obedientes aos pais, embora a relação mais afetuosa seja com a mãe.

As mães, é compreensível, não estão no mesmo compasso dos pais, cujas medidas elas julgam duras demais ou privadas de sentimento. Lembrem-se: pais não são mães de calça. Os deveres dos pais e das mães, na maioria das vezes, apontam para o mesmo fim. As mães devem ajudar os maridos, apreciando as diferenças dos sexos, em vez de insistir que ambos façam as coisas do mesmo jeito. Que dentro do casal cada um possa contribuir com sua própria natureza nessa parceria para transformar impiedosos bárbaros (as crianças) em seres humanos civilizados.

Os homens católicos tradicionais já têm um bom ponto de partida, porque estão absolutamente convictos de que ser homem significa ser pai. Cultivar a mentalidade correta tornará o homem presente na vida familiar; porém, o homem fiel aos deveres está obrigado a mais: deve comprometer-se totalmente, não se limitando a ocupar espaço e receber os favores da mulher e dos filhos. Estamos falando de dedicação cotidiana em nome de um propósito mais elevado, com poucas expectativas de encorajamento ou apreço, exceto em casa; raramente, e quase nunca, fora dela.

(The Angelus – Set/Out – 2013 – Tradução: Permanência)

1. Joseph Pleck no livro American Fathering in Historical Perspective (1987) expõe o declínio constante do papel dos pais na vida familiar ao longo dos últimos duzentos anos.

2. David Blankenthorn em Fatherless America (1995).

3. David Lykken, após notável carreira de pesquisador, recebeu da Associação Americana de Psicologia, em 2001, o prêmio de Distinção nas Aplicações Científicas da Psicologia. No discurso de agradecimento afirma, não sem certo humor, que os futuros pais, para que fossem “licenciados” a gerarem filhos, deveriam, no mínimo, preencher os mesmos requisitos dos homens que pretendem adotar. Esse argumento, se levado a sério, nada tem de católico, porém salienta as conseqüências funestas da ausência paterna para a sociedade e para as próprias crianças.