O homem não pode se comunicar por simples ideias como fazem os anjos. Ele é obrigado a utilizar palavras, a ter uma certa precisão no vocabulário de modo a, por um lado, não subjulgar a verdade e, por outro, ser compreendido pelo seu interlocutor.
Fonte: Le Chardonnet n ° 372 – Tradução: Dominus Est
É um problema de linguagem que queremos estudar neste artigo. A Igreja, dona da verdade, sempre insistiu na precisão do vocabulário quando se trata de dogma e revelação.
O mistério da Encarnação pertence às verdades da fé. Quais são, então, as proposições que podemos afirmar sobre Nosso Senhor? É possível dizer que o Todo-Poderoso é humano? Que a divindade é mortal? Que Deus morreu na cruz?
Essas perguntas não são triviais e suas respostas decorrem diretamente da natureza do mistério da Encarnação.
Saber do que falamos
Há sempre duas questões que surgem repetidamente em um discurso. Do que falamos? A resposta a esta questão é o assunto. A segunda é: o que vamos dizer sobre tal?
Para o espinhoso assunto que diz respeito a Nosso Senhor, essas questões são importantes e requerem fazer as distinções vistas no artigo anterior.
Em suma, sobre Jesus, só se pode falar de três realidades diferentes: a natureza humana, a natureza divina ou a pessoa (divina) que assume ambas as naturezas.
Nos dois primeiros casos, o assunto será necessariamente abstrato: humanidade, divindade, racionalidade, eternidade e assim por diante.
Neste último caso, quando se fala da pessoa, o termo será sempre concreto, uma vez que será diretamente dirigido a Cristo. É também neste sentido que a palavra Deus é usada. Deus sempre significa um ser pessoal e não a natureza divina enquanto tal.
O que dizer então?
Os princípios são bastante simples. Nada pode ser dito sobre a natureza humana que não seja humano. A humanidade é mortal, é temporal, é finita. Mas não se pode dizer: a humanidade é eterna, a humanidade foi assumida por Deus.
O mesmo princípio se aplica a natureza divina. Pode-se dizer que a divindade é eterna, que é todo-poderosa. Mas não podemos dizer que a divindade foi encarnada, que se fez homem, que realizou milagres ou que é mortal.
É bem diferente quando o assunto é pessoal. Seja Deus, Cristo, Jesus, Nosso Senhor, cada vez que a pessoa é referida, podemos atribuir a ela o que pertence a uma ou a outra natureza. Assim, podemos dizer que Deus morreu, Deus se fez homem, Jesus é eterno.
Certamente, a seguinte distinção deve estar implícita: quanto à sua natureza humana ou quanto à sua natureza divina. Mas como é a mesma pessoa que assume ambas as naturezas, podemos atribuir-lhe o que lhe é apropriado a uma ou outra natureza.
Quando Jesus diz que o Pai é maior do que ele, isso deve ser entendido em relação à sua natureza humana, não em relação à sua natureza divina. Mas quando ele diz “o Pai e eu somos um“, deve ser entendido do ponto de vista da natureza divina, não da natureza humana. Da mesma forma, quando Cristo diz aos fariseus “antes que Abraão existisse, eu sou”, ele está se referindo ao que ele é como Deus, não como homem.
O mistério da Encarnação é incomensuravelmente rico. A única pessoa de Cristo assume as duas naturezas. É também por essa razão que, verdadeiramente, a Santíssima Virgem Maria é chamada Mãe de Deus.
Pe. Gabriel Billecocq, FSSPX