Foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça” (Ap 5,9).
Fonte: Fojitas de Fe, 203, Seminário Nossa Senhora Corredentora
Tradução: Dominus Est
A Igreja dedica todo o mês de julho ao amor e adoração do Preciosíssimo Sangue de nosso Salvador Jesus. É justo que nós adoremos na santa humanidade de Cristo, com um culto especial, aquelas partes que são mais significativas de algum mistério ou perfeição divina; e assim honramos:
• SEU CORAÇÃO: para prestar culto ao seu amor infinito;
• SUAS CHAGAS: para prestar culto a suas dores e sua paixão;
• SEU SANGUE: para prestar culto ao preço de nossa Redenção.
No entanto, esse culto do Sangue do Salvador assume um caráter festivo no mês de julho e na festa com a qual este mês inicia. Já na Quinta-feira Santa celebramos a instituição da Eucaristia e na Sexta-feira Santa o Sangue de Cristo derramado por nós; mas o acento da celebração centrava-se em sentimentos de dor, de compunção, de contrição. A Igreja volta depois a dar culto à Sagrada Eucaristia na festa de Corpus Christi, e também à Paixão e Sangue do Salvador, mas com maior ênfase nos sentimentos de alegria e triunfo.
Por este culto nós agradecemos a Nosso Senhor a Redenção como uma vitória já obtida, e nos exultamos em tomar parte entre o número dos redimidos, daqueles que foram lavados no Sangue do Cordeiro. E prestamos culto de latria ao Sangue do Redentor, reconhecendo especialmente uma virtude salvadora, como se vê:
- Nas litanias do Preciosíssimo Sangue, em que cada invocação se responde: Salva nos.
- Na Epístola da Festa do Preciosíssimo Sangue, que assim diz: “Pois se o sangue de carneiros e de touros e a cinza de uma vaca, com que se aspergem os impuros, santificam e purificam pelo menos os corpos, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu como vítima sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência das obras mortas para o serviço do Deus vivo?”
1º Figuras do poder salvador do Sangue de Cristo.
Uma belíssima figura do poder salvador do Sangue de Cristo temo-la no Cordeiro Pascal. Deus houvera ordenado a Moisés que punisse o Egito com dez pragas: a décima era a morte de todos os primogênitos do Egito. Mas como fazer para que o anjo da morte não exterminasse também os hebreus? Deus ordenou a Moisés que cada família reservasse um cordeiro, imolasse-o e, com seu sangue, tingisse o lintel das portas dos hebreus; e com isso o anjo exterminador passaria ao largo, e não mataria as casas em cuja entrada visse o sangue do cordeiro.
— Que dizes, Moisés? — pergunta-se São João Crisóstomo nas Matinas da Festa do Preciosíssimo Sangue: — Por acaso o simples sangue de um animal pode salvar um homem?
— Não, não tem essa eficácia por ser o sangue de um animal, mas por ser uma figura do Sangue de Cristo; do mesmo modo que entre nós uma efígie, uma insígnia ou uma bandeira, eles têm eficácia, não pelo que são em si mesmos, bronze, ou tecido, ou cor, mas pelo que figuram e significam.
Figura do poder salvador do sangue de Cristo foi também a passagem do Mar Vermelho. Depois de deixar o Egito, os hebreus viram-se perseguidos pelo exército de Faraó; então Moisés, por ordem de Deus, abriu em duas as águas do Mar Vermelho e fez passar através delas o povo hebreu. Um era o povo que entrava, escravo de Faraó, e outro era o que saía, livre da escravidão; pois ao entrar o exército de faraó depois de Israel, Moisés fechou novamente as águas, e todos os egípcios foram afogados. Em tudo isso afigurava-se o poder do Sangue de nosso divino Salvador, no qual fomos submergidos e através do qual todos os nossos pecados pereceram, ficando nós, então, livres do poder do demônio.
Finalmente, figura da eficácia salvadora do sangue de Cristo foi a arca de Noé. Escutemos como Santo Agostinho comenta nas Matinas da Festa do Preciosíssimo Sangue:
“Vemos uma figura desse mistério na ordem que Noé recebeu para abrir de um lado da arca uma porta pela qual poderiam entrar os animais que deviam ser salvos do dilúvio, e isso representava a Igreja. Em vista deste mesmo mistério, a primeira mulher foi formada do lado de Adão enquanto ele dormia, e foi chamada de “vida” e “mãe dos vivos”… Vemos aqui o segundo Adão adormecendo sobre a cruz, depois de inclinar a cabeça, para que sua esposa fosse formada com o sangue e a água que verteriam de seu lado aberto durante o sono. Oh morte, que se torna para os mortos em princípio de ressurreição e vida! Pode haver algo mais puro do que este sangue, algo mais saudável do que esta ferida?”
Tomado dessa mesma ideia, prossegue São João Crisóstomo:
«Queres descobrir outra virtude deste sangue? Sim, certamente. Considera, então, onde começou a derramar e de que fonte verteu. Começou a brotar na cruz; e teve sua fonte no lado do Senhor. Porque — diz o Evangelho — estando morto o Senhor, e enquanto ainda pendia na cruz, dele aproxima-se um soldado, ferindo-o no lado, do qual manou sangue e água… Aquela água e aquele sangue simbolizavam o batismo e a Eucaristia. Com eles, de fato, a Igreja foi fundada, pela regeneração da água e pela renovação do Espírito Santo: pelo Batismo, repito, e pela Eucaristia, que parecem ter saído daquele lado. Do lado de Jesus Cristo foi formada, pois, a Igreja, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa. São Paulo dá testemunho desta origem, quando diz: “Nós somos membros de seu corpo, formados a partir de seus ossos”, aludindo ao lado de Jesus Cristo. Então, assim como Deus fez a mulher do lado de Adão, Jesus Cristo deu-nos a água e o sangue emanados de seu lado, destinados à Igreja, como elementos reparadores”.
2º Nossa Redenção exigiu o derramamento do Sangue de Cristo.
Para que todas estas prefigurações do Antigo Testamento pudessem ser realizadas em Nosso Senhor Jesus Cristo, e a Igreja nascesse efetivamente do lado de Cristo, e seus membros fossem libertos e purificados por tão precioso Sangue, o Pai ordenou que Ele se fizesse homem e, para nos redimir de nossos pecados, exigiu-lhe o derramamento de todo o seu sangue como expiação pelos nossos pecados. Este é um ponto importante de nossa fé, que a festa do Sangue de Cristo expressa claramente, bem como a devoção ao Preciosíssimo Sangue que a Igreja quer nos inculcar durante o mês de julho:
“Onipotente e sempiterno Deus, que constituístes a vosso unigênito Filho Redentor do mundo, e quisestes aplacar-vos com seu Sangue; fazei-que veneremos o preço de nossa salvação com solene culto e que, por sua virtude, sejamos livres na terra dos males presentes e gozemos no céu do fruto eterno.”
Ponto importante, dizemos, porque hoje é negado. Os partidários da “Nova Teologia” rejeitam com desdém a doutrina da Igreja da satisfação vicária de Cristo, ou seja, que a justiça de Deus reclamou a expiação completa do pecado, razão pela qual Cristo, substituindo-nos em virtude da caridade, ofereceu ao Pai uma expiação completa pelo derramamento de seu Sangue na Cruz.
Recordar, através desta festa, que Cristo nos redimiu, e que o preço da Redenção foi o seu preciosíssimo Sangue, é recordar-nos do caráter sacrificial da morte de Cristo, e do caráter sacrificial da Santa Missa, e do caráter sacrificial de nossa própria vida cristã. É o mistério de Jesus, e de Jesus crucificado, que outra vez se torna, como no tempo de São Paulo, um escândalo para os gentios, e loucura para os judeus.
E isso por muitos motivos misteriosos, que só conheceremos perfeitamente no céu, mas entre os quais já podemos vislumbrar três:
1º O primeiro, para mostrar-nos a grandeza de seu amor: “Eis aqui uma prova brilhante de amor de Deus por nós: quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós. Portanto, muito mais agora, que estamos justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (Rm 5,8-9). A vida está no sangue; e a vida é o máximo que podemos dar aos outros.
2º O segundo, para mostrar-nos o valor de nossa alma: “Não fostes comprados com ouro nem com prata corruptíveis, mas com o Sangue de Cristo, Cordeiro imaculado” (I Pe 1 18-19); “fostes comprados por um grande preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo” (1Cor 6,20).
3º O terceiro, para mostrar-nos a malícia do pecado, que exigiu de Cristo uma morte tão sangrenta e cruel.
3º Como se nos aplica o valor salvador do Sangue de Cristo.
O Sangue de Cristo é, portanto, o preço do nosso resgate, preço que Cristo pagou a seu Pai para abolir a tirania que o demônio exercia sobre as almas. O sangue derramado de Cristo tem tanto valor perante o Pai que, por seus merecimentos foram expiados todos os nossos pecados e destruído o império do demônio sobre nós. Esses méritos do Sangue de Cristo são especialmente aplicados a nós por meio de três sacramentos:
1º O primeiro é o Batismo, que, como vimos, submerge-nos no Sangue de Nosso Senhor e afoga todos os nossos pecados.
2º O segundo é a Penitência, que lava no Sangue de Nosso Senhor as faltas em que possamos cair após o Batismo.
3º A terceira é a Eucaristia, que nos alimenta com o Corpo e o Sangue de Cristo como verdadeira comida e bebida de nossas almas.
Conclusão
Desta forma, todos os cristãos somos realmente os filhos do Sangue de Cristo, e assim o cantaremos eternamente — se Deus quiser — no céu:
“Tu és digno de receber o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça; e deles fizeste para nosso Deus um reino de sacerdotes, que reinam sobre a terra” (Ap 5,9-10). “Tu és digno Senhor, nosso Deus, de receber a honra, a glória e a majestade”. (Ap 4,11). “Esses são os sobreviventes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro. Por isso, estão diante do trono de Deus e o servem, dia e noite, no seu templo. Aquele que está sentado no trono os abrigará em sua tenda. Já não terão fome, nem sede, nem o sol ou calor algum os abrasará, porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os levará às fontes das águas vivas; e Deus enxugará toda lágrima de seus olhos” (Ap 7, 14-16).