Não é decepcionante ver, por vezes, pessoas tão bem-dotadas no plano humano colocarem seus talentos a serviço de causas maléficas?
Fonte: Nouvelles de Saint-Martin-des-Gaules n° 47 – Tradução: Dominus Est
Tal pessoa é uma boa oradora, outra é intelectualmente brilhante, outra ainda é extraordinariamente hábil com as mãos, outra tem uma sutileza psicológica apreciável… e, infelizmente, muitas vezes, esses talentos não são aproveitados na prática do bem.
No entanto, se há, de fato, um elemento fundamental para o cristão do século XXI, é saber empregar bem os recursos que Deus lhe deu: Recursos naturais de inteligência, do senso prático, de qualquer outra qualidade humana; e Recursos sobrenaturais da graça, das virtudes infusas e dons do Espírito Santo. Recordamos a famosa parábola dos talentos: Deus pedirá contas de cada um dos talentos que recebemos, e ai do servo mau que guardou para si os seus talentos, sem frutificá-los para o seu senhor.
O problema, no entanto, em nosso século, é que é não é nada fácil empregar bem os seus talentos. O Pe. Hyacinthe-Marie Cormier, eleito mestre geral dos dominicanos em 1904, e de quem São Pio X declarou santo, quando foi eleito para o generalato, escreveu estas linhas que ainda são bem atuais:
“Nos dias de hoje, em que o mundo, considerando suas ideias e seus costumes, vive em pleno paganismo, vários cristãos estariam dispostos a se deixar ofuscar pela falsa grandeza da sociedade humana e a se curvar diante das frívolas opiniões do momento, como diante de uma divindade. Mas outros, indo no sentido contrário, se colocarão prontamente como censores impiedosos, verão a obra do demônio em toda parte e até se recusarão a examinar se não há algum bem a ser encontrado no caos que os rodeia.”
O Pe. Cormier descreve bem o duplo abismo que nos tenta: ou curvar-nos diante das falsas ideias do mundo e fazer servir nossos talentos para edificação desta sociedade caótica onde Deus é colocado de lado; ou rejeitar tudo de uma vez, e tornar nossos talentos inúteis.
Continuemos nossa leitura: “O verdadeiro sábio evita essas duas armadilhas: pesa tudo, sabe compadecer-se das misérias e fraquezas que o rodeiam, leva em conta as causas distantes que as prepararam e desvenda o que resta de boas tendências, de desejos nobres e sinceros, ainda que mal orientados, nesta atual confusão de coisas. Ele, portanto, sabe esperar, e quando age, cuidadosamente secunda qualquer tendência que possa predispor o próximo a fazer melhor. Um dia, Deus lhe mostrará que tivestes razão em preferir a esperança ao desânimo, o emprego caritativo de todos os recursos à condenação inapelável daquilo que não lhe agradava.” (Être à Dieu, Ed. du Cerf, 1994, pág. 82).
Este sábio dominicano, que tinha ele mesmo tantas dificuldades e conflitos para resolver, e que sempre se empenhou com admirável prudência, traça-nos uma interessante linha de conduta: trata-se de descobrir o que ainda resta de bom, e secundar este bem que ainda existe. Em outras palavras: tomar as coisas como são e tentar melhorá-las de acordo com nossas possibilidades. Usando uma analogia, deve-se encontrar a brasa que ainda não foi apagada e assoprá-la para reacender a chama.
Este profundo conselho abrange numerosos aspectos. Em primeiro lugar, nossa vida familiar, com aqueles que estão ligados a nós pelo sangue; em segundo lugar, nossa vida profissional, através da profissão que exercemos, com nossos os colegas, há o bem a fazer; e, finalmente, na nossa vida política, no sentido nobre da palavra, ou seja, no papel que temos de desempenhar em nossa terra natal: a França o Brasil, a nossa região, a nossa cidade ou vila.
Em todos esses contextos o bem não está ausente. É claro que o mal, às vezes, é evidente, insolente e até mesmo opressivo. Mas o mal não é um ser em si, só existe enxertado num bem que ele arruína. Um colega que faz discussões anticlericais, por exemplo, não poderia fazê-las se já não fosse um homem e, portanto, um ser criado por Deus e redimido por Jesus Cristo.
É necessário, portanto, corajosamente, trabalhar a partir do bem existente, procurando aperfeiçoá-lo. É precisamente aqui que duas virtudes devem entrar em jogo: a prudência, que nos fará encontrar o bem oportuno a alcançar, e a força, que nos fará manter a nossa resolução, apesar das dificuldades. Sobre aquele colega de trabalho, para usar o exemplo novamente, devo agir junto a ele? Se sim, como fazê-lo mudar? Por palavras? Em privado, frontalmente em público, ou delicadamente? E se eu não conseguir, posso ao menos reverter seus efeitos sobre tal ou tal colega? Estas serão as questões que a virtude da prudência formulará, e às quais dará uma resposta concreta, seguida de uma aplicação prática. A força, por sua vez, fará suportar o choque se este colega nos atacar, ou se a ação proposta pela prudência não der frutos imediatos.
Estas duas virtudes de prudência e força, praticadas quotidianamente em todos os aspectos da nossa vida humana e cristã, nos permitirão evitar um defeito que nos espreita e que o P. Cormier já apontava com a ponta de sua pena: o desânimo. A extensão do mal e seu progresso podem nos fazer desistir e passar para o lado daqueles que pensam que: “de todo modo, tudo está arruinado”. Esta é uma forma conveniente de evitar a ação, mas que dificilmente escapará da reprovação de Nosso Senhor: “Servo mau e preguiçoso, sabias que eu colho onde não semeei, e que recolho onde não espalhei. Devias, pois, dar o meu dinheiro aos banqueiros, e, à minha volta, eu teria recebido certamente com juro o que era meu. Tirai-lhe pois o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. Porque ao que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, tirar-se-lhe-á até o que julga ter. (Mt 25, 26-29)
Pois não há mais que um passo entre o desânimo e a inação, e um passo que é dado rapidamente.
Voltemo-nos à convicção de que Deus é Todo-Poderoso, e que Ele só nos pede que façamos bem o nosso trabalho.
No tempo por Ele previsto, experimentaremos estas palavras do Pe. Cormier:
“Um dia, Deus lhe mostrará que tivestes razão em preferir a esperança ao desânimo, o emprego caritativo de todos os recursos à condenação inapelável daquilo que não lhe agradava.”
Pe. Guillaume Scarcella, FSSPX