O artigo seguinte trata de uma das páginas mais tristes de nossa história, o acordo Roma-Moscou firmado em 1962. Ele nos ajuda a compreender o porquê do Vaticano ter se calado sobre o comunismo no Concílio, bem como as origens da atual política de simpatia por políticos e personalidades de esquerda.
Revelado inicialmente pela imprensa comunista, foi confirmado posteriormente por publicações progressistas e comentado no periódico católico “Itinéraires”. Mas ninguém leu, ou se leu, não acreditou, ou se acreditou, deu ao acordo uma interpretação complacente que não mais se pode manter.
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Jean Madiran
A negociação secreta entre a Santa Sé e o Kremlin efetivamente realizou-se. Concluiu-se realmente o acordo. Roma comprometeu-se de verdade. Tudo mostra que o pacto continua em vigor, embora não seja de ontem mas de anteontem. Ele é de 1962. Há 22 anos a atitude mundial da Igreja Católica em face do comunismo está subordinada às promessas feitas aos negociadores soviéticos.
Não revelo segredo algum. Relembro o que todos deviam saber, mas esqueceram, ou jamais souberam ou fingem ignorar. No entanto, publicaram-se, em 1962, três coisas na imprensa comunista e na católica: 1) a existência da negociação; 2) a conclusão do acordo; 3) as promessas feitas pela Santa Sé. O essencial foi dito, escrito, impresso sob completa desatenção. Os comentadores mais bem informados baixaram os olhos pudicamente. Não se registrou nenhum comentário pormenorizado, salvo em “Itinéraires”. Admitindo-se que, na época, a distração, real ou fictícia, foi universal, hoje a ignorância é completa. De sorte que, resumindo o assunto em algumas dezenas de linhas em “Présent” de 30 de dezembro de 1983, provoquei a estupefação dos mais experimentados na matéria e topei freqüentemente com uma incredulidade desdenhosa ou indignada. Era esse o meu resumo: “João XXIII comprometeu-se com o negociador soviético — que era Mons. Nicodemo — a não atacar o povo nem o REGIME da Rússia. Isso era para que Moscou permitisse que os observadores ortodoxos russos comparecessem ao Concílio. Desde então a Santa Sé considera-se ligada pelos compromissos de João XXIII. Já não se nomeia o comunismo em nenhum documento pontifício”. Diante dessas linhas, as pessoas reagiram como se jamais tivessem ouvido falar dessa negociação e dessa promessa.
Entretanto, tudo aparecera, no devido tempo, em “Itinéraires”. Que os nossos antigos leitores, que ainda guardam na memória essas tentativas, perdoem-nos por relembrar os textos, as datas, os fatos. Para muitos tudo isso parecerá inédito.
I – A Condição fixada por Moscou
Em novembro de 1961, um ano antes do início do Vaticano II, o Kremlin dava a conhecer a condição que estabelecera junto ao Vaticano a fim de autorizar que os representantes do Patriarcado de Moscou pudessem acompanhar, como observadores, os trabalhos do Concílio. Na época o porta-voz do Kremlin era “Sua Alta Santidade Monsenhor Nikodim”, como o chamava respeitosamente “L’Humanité”, órgão central do partido comunista francês. Esse Mons. “Nikodim” é o que parece ter-se finalmente convertido ao cristianismo pouco antes de morrer, nos braços do efêmero Papa João Paulo I, em 1978. Antes, era agente do KGB colocado no núcleo dirigente da igreja russa oficial. Nascera em 1929 e fizera uma carreira eclesiástica fulminante. Sacerdote aos vinte anos; aos vinte e cinco superior da catedral de Jaroslav; aos vinte e seis, chefe da Missão da Terra Santa; aos trinta, chefe da chancelaria patriarcal; aos trinta e um, bispo e chefe do departamento das “Relações Exteriores” do Patriarcado de Moscou, isto é, da Igreja ortodoxa oficial, instrumento do estado soviético e do partido comunista.
Foi ele que conseguiu a admissão desse Patriarcado no conselho ecumênico das igrejas, em Nova Delhi, em novembro de 1961. Nessa ocasião enunciou a condição que o Kremlin fixara. Declarou que os observadores do Patriarcado de Moscou poderiam assistir ao Concílio “se não houvesse declarações hostis ao país que amamos”. Disse ainda: “Freqüentemente o Vaticano é agressivo, no plano político, para com a URSS. Nós que somos cristãos, crentes, ortodoxos russos, somos também cidadãos leais de nosso país e amamos ardentemente a nossa pátria. Por isso, tudo o que vai contra o nosso país não serve para melhorar nossas relações recíprocas”.
Essas declarações de Mons. Nicodemo não eram secretas. Foram publicadas posteriormente na França: em Informations catholiques internationales de 01/01/63, pg. 29; em “Itinéraires”, n° 70, de fevereiro de 1963, pgs. 177/78. Nesse tempo não sabíamos ainda que se realizara uma negociação e que se concluíra um acordo entre Roma e Moscou, com base nessas declarações. Mas sabíamos que os observadores ortodoxos russos tinham finalmente chegado a Roma em outubro de 1962 para a abertura do concílio. Por outro lado, percebíamos todo o alcance da condição prévia que fora ostensivamente estabelecida por Moscou. No mesmo número de “Itinéraires” afirmávamos: “O espantoso procedimento de Mons. Nicodemo consiste em proibir qualquer crítica ao comunismo, invocando o seu próprio patriotismo que, com isso, sairia ferido (…). Toda crítica ao comunismo é considerada por Mons. Nicodemo como ataque ao seu país. O Vaticano não alimenta nenhuma hostilidade contra o país russo, contra o povo russo, contra a nação russa. Mas, como agente eficaz do Kremlin, Mons. Nicodemo identifica o povo e o país russos com o comunismo. Em nome do ‘patriotismo’, ele fixa como condição prévia para qualquer conversação religiosa a ausência de censura formulada contra o comunismo (…). Conseguir desse modo que o Concílio não se pronuncie sobre o maior drama, o maior mal, o maior crime de nosso tempo é, para Moscou, objetivo capital. Não sabemos se esse ultimato foi objeto, além disso, duma negociação secreta, mas todos podem comprovar que esse ultimato foi publicamente formulado”. (Itinéraires, n° 70, fev/63).
De fato não o sabíamos ainda, em janeiro de 1963, quando escrevíamos as linhas que apareceram em nosso número de fevereiro. Comprovávamos somente que Moscou estabelecera uma condição para a vinda dos observadores ortodoxos e que esses, finalmente, haviam chegado. Mas, quase que imediatamente, saberíamos que a negociação se efetivara.
II — O acordo feito entre Roma e Moscou — a promessa da Santa Sé.
Foi a imprensa comunista que primeiro revelou o acordo e jamais foi desmentida nem refutada. Citamos o “hebdomadário central do partido”, France Nouvelle que escrevia em seu número de 16 a 22/01/63, pg. 15; “Porque o sistema socialista mundial manifesta de maneira incontestável sua superioridade e conta com a aprovação de centenas e centenas de milhões de homens, a Igreja já não pode satisfazer-se com o anticomunismo grosseiro. Ela própria assumiu o compromisso, por ocasião de seu diálogo com a Igreja ortodoxa russa, de que não haveria, no concílio, ataque direto ao regime comunista”.
Reproduzimos esse texto de “France Nouvelle” em “Itinéraires”, n° 72, de abril/63 (pg. 43) e assim o comentávamos: “Aliás, no mesmo jornal e na propaganda comunista a respeito do concílio, a mesma fórmula é repetida, como se se tratasse de cláusula literal de um acordo explícito, que se teria firmado formalmente: ‘Nada de ataques diretos ao regime comunista’”. É surpreendente que isso seja dito e repetido às claras sem suscitar — aparentemente pelo menos — emoção alguma. Suponhamos que uma igreja protestante americana tenha estabelecido publicamente, como condição para envio de observadores: nada de ataques diretos ao estilo de vida americano e ao regime capitalista. Suponhamos que, em seguida, certa propaganda se gabe de ter obtido um compromisso nesse sentido. Isso causaria um belíssimo rebuliço na imprensa católica. E um alvoroto ainda maior se o “estilo de vida” americano e o “capitalismo” tivessem sido os únicos a reclamar e a obter favor tão grande, tão exclusivo, tão limitativo da liberdade do concílio.
III — Confirmação e Pormenores em “La Croix“.
Alguns dias mais tarde La Croix publicava, na página 5 de seu número de 15 de fevereiro, um pequeno artigo discreto mas substancial: “O jornal ‘Le Lorrain’ de 9 de fevereiro publica o resumo de uma conferência de D. Schmitt para os jornalistas. O bispo de Metz trouxe alguns aditamentos interessantes sobre os antecedentes da presença, em Roma, de observadores da Igreja ortodoxa russa: ‘Foi em Metz que o cardal Tisserant se encontrou com Mons. Nicodemo, arcebispo encarregado dos negócios estrangeiros da Igreja russa e onde se preparou a mensagem que Willebrands levou a Moscou. Mons. Nicodemo, que viera a Paris na primeira quinzena de agosto, manifestara, de fato, o desejo de encontrar-se com o cardal Tisserant. Efetuou-se o encontro na residência do abade Lagarde, capelão dos Irmãos Pequenos dos Pobres em Bordes, que se dedica aos problemas internacionais. Em conseqüência dessas conversações, Mons. Nicodemo aceitou que alguém viaje a Moscou levando um convite, sob a condição de que sejam dadas garantias no que diz respeito à atitude apolítica do Concílio’”.
Ninguém parece ter percebido essa observação de La Croix, salvo a revista “Itinéraires”, que a reproduziu em seu número já citado de abril/63 e em que a comentávamos nestes termos: “Isso não é precisamente um desmentido às afirmações comunistas. A existência de ‘garantias’ antes parece confirmada. A fórmula ‘sob a condição de que sejam dadas garantias no que respeita à atitude apolítica do concílio’ é muito obscura e arrisca-se ao equívoco. Em certo sentido a Igreja, sua doutrina, seus concílios são efetivamente ‘apolíticos’, o que se proclama muitas vezes em alto e bom som. Sob outros aspectos, a Igreja professa uma moral política, e essa condena diretamente o regime comunista. Dificilmente concebe-se que a Igreja possa renunciar a toda moral política e é impossível que uma moral política permaneça, repetidamente, neutra ou indiferente em face do comunismo. No sentido legítimo, consistente e correto em que a Igreja é ‘apolítica’, a encíclica ‘Divini Redemptoris’ é uma encíclica ‘apolítica’. É uma encíclica religiosa e moral. Duvida-se que Mons. Nicodemo tenha exigido ‘garantias’ somente por uma neutralidade política dessa casta. É lamentável que se deixe correr a informação, não cochichada, mas proclamada de que a Igreja assumira o compromisso de que não haveria ‘ataques diretos ao regime comunista’”.
Certamente pode-se jogar com as palavras; a Igreja jamais ataca pessoas ou coisas. Ela defende os direitos naturais e sobrenaturais da pessoa humana. Tal distinção, contudo, não é suscetível de agradar ao núcleo dirigente do Patriarcado de Moscou. Compreende-se facilmente a manobra soviética. Ela quer comprometer e desacreditar a Igreja; quer que ela se alinhe a essa tendência dita “progressista” que, em nome da denúncia da injustiça, é ferozmente militante de todos os “anti”: anticapitalismo, anticolonialismo, antipaternalismo, anticorporativismo, antiintegrismo, etc. etc. — todos os “anti”, exceto este: o anticomunismo.
Em sua mensagem inicial ao mundo, os padres conciliares afirmaram solenemente que é função da Igreja denunciar as injustiças gritantes. Como a Igreja poderia fazê-lo se calasse as injustiças mais clamorosas do mundo contemporâneo? Se calasse a exploração mais aperfeiçoada que jamais existiu do homem pelo homem, que é a do regime comunista? Perderia toda a autoridade moral diante dos descrentes de boa vontade e suscitaria a perturbação na alma de seus próprios fiéis. Naquela época, ainda que analisássemos exatamente o alcance das exigências comunistas, não imaginávamos que a Santa Sé se deixasse enredar tão completamente. Acrescentava o nosso comentário: “Isso é absolutamente impossível. Algumas igrejas locais puderam, por vezes, sob a influência de causas diversas, ser entenebrecidas pelo silêncio unilateral e sistemático sobre a maior de todas as injustiças contemporâneas. Sempre há e muitas vezes houve na história da Igreja alguns membros do corpo eclesial, algumas Igrejas locais doentes por certo tempo. Já a Igreja universal reunida em concílio é diferente. No entanto, os comunistas, para arruinar a influência moral da Igreja no mundo atual, querem fazer crer que o comprometimento já se efetivou”.
No entanto o fato aí está: nem durante nem após o concílio se registrou “ataque direto ao regime comunista”. Nem um sequer. Algumas vezes pronunciaram-se advertências contra as filosofias “materialistas” e as ideologias “totalitárias”, sempre em tom abstrato e freqüentemente vago. O comunismo jamais é chamado pelo nome, jamais.
IV – A Interpretação Complacente
No ano seguinte, em “Itinéraires” de julho/64 (n° 84, pgs. 39/40), retomávamos o assunto, esforçando-nos por dar-lhe uma interpretação favorável: “Foi com Mons. Nicodemo que se negociou a presença de observadores ortodoxos soviéticos na primeira sessão do concílio. Verificou-se a negociação em Metz, em 1962. Com o cardeal Tisserant e Mons. Nicodemo, preparou-se a mensagem de convite que D. Wilebrands, devidamente autorizado, levaria a Moscou. Na negociação, Mons. Nicodemo exigiria “garantias” sobre as quais não se dispõe de nenhuma informação pública de origem católica. Por seu turno, os comunistas afirmaram publicamente que a Igreja Católica “assumirá o compromisso, por ocasião de seu diálogo com a igreja ortodoxa russa, de que não haveria no concílio ataque direto ao regime comunista”.
É muito pouco plausível que esse compromisso tenha sido assumido, isto é, que o concílio nada diria sobre o comunismo. Mas é bastante verossímil que Mons. Nicodemo tenha conduzido as conversações em clima de total equívoco. Ele exigiu a segurança de que o concílio seria “apolítico” e não atacaria “sua pátria”, segurança em si mesma fácil de dar, mas que não teria o mesmo sentido para os negociadores católicos e soviéticos. Para estes essa segurança significava a ausência de qualquer palavra contra o comunismo. Permanecendo o equívoco, os jornais comunistas puderam fazer publicamente sua campanha sobre o “compromisso assumido” pela Igreja Católica sem sofrer desmentido algum.
Era um “mal-entendido”. Mas um mal-entendido consciente e organizado por parte de Mons. Nicodemo e que levou a um desastroso impasse. Muitos dos padres conciliares desejam vivamente que a Igreja manifeste que está “presente no mundo”; todo um esquema, o 17, está em preparação a respeito da matéria. Mas qual seria a presença no mundo de uma Igreja que falaria de todos os grandes problemas, exceto do problema comunista? Que agiria como se o comunismo não existisse? Que nada diria a seu respeito? Que falaria do capitalismo, do racismo, do subdesenvolvimento, da justiça social, de tudo – menos do comunismo? Como falar, sem parecer violar um compromisso que certamente não fora ajustado, mas que uma das partes assegura ter sido acordado? Esse impasse desastroso teria sido evitado se se conhecesse melhor a pessoa, a carreira e a atividade de Mons. Nicodemo. Não lamentamos ter, em 1963 e 1964, mantido a interpretação mais benévola. Ainda é por ela que se tem o dever de começar. Simplesmente não se tem o direito de nela insistir quando se tornou manifesto que ela é insustentável.
ANEXO
- Nada sabemos do abade Lagarde, sacerdote de quem se diz comicamente que “se dedica aos problemas internacionais”. Na época não o investigamos, não era nossa função e supúnhamos que outros o fariam ou já tinham feito. Contudo, seria interessante, ainda hoje, embora a título retrospectivo e histórico, dispor de informações mais precisas sobre esse personagem.
- Em compensação, conhecemos muito bem o bispo cuja casa se realizou a negociação Nicodemo-Tiserrant: D. Paul-Joseph Schmitt, bispo de Metz desde 1958. Alguns anos após a negociação de 1962, em 1967 e 1968, ele tirou a máscara. Proclamava que a transformação do mundo deveria implicar transformação análoga na concepção da salvação trazida por Jesus Cristo e do desígnio de Deus a respeito do mundo. E ensinava: “É necessário levar em conta a censura que nos fazem os marxistas. Os cristãos, em dezenas de séculos, não conseguiram pôr a economia a serviço do homem. A exploração do homem pelo homem ainda é uma trágica realidade”. D. Schmitt, em religião e em moral política, encarnou perfeitamente a heresia episcopal contemporânea, que é objeto de nossa obra: “L’Herésie du XX Siècle” (tomo I).
- O cardeal Tisserant gostava de posar como partidário de De Gaulle, de primeira hora (e o era sem dúvida) e como anticomunista (o que é duvidoso). Sempre tive a impressão de que era um velhaco. Haveria muita coisa que dizer a seu respeito. De qualquer modo, sua presença numa negociação não constituía garantia de inocência e de pureza de intenção. Não creio que Mons. Nicodemo o tenha ludibriado. Feitas as contas, penso que concebeu o desejo ou recebera orientação para negociar a qualquer preço.
- Um ano antes da conclusão do acordo entre Roma e Moscou, João XXIII publicou a encíclica social “Mater et Magistra” (15 de maio de 1961). Nela citava-se ainda o comunismo, para lembrar que “entre o comunismo e o cristianismo a oposição é fundamental” (§ 34). Penso que foi a última vez num documento pontifical e já com astúcia minimizante. Esse apelo tinha um aspecto voluntariamente retrospectivo. Ele aparece no resumo preliminar do ensino dos papas anteriores e foi atribuído a Pio XI, o que é exato. João XXIII não o contestava, mas tampouco o assumia e evitava reiterá-lo. Ademais, ele se referira unicamente à encíclica “Quadragésimo Anno” de Pio XI e de modo algum à sua encíclica “Divini Redemptoris” sobre o comunismo, significativa omissão e que não poderia resultar de uma simples distração.
- Se a encíclica “Mater et Magistra” é anterior ao acordo Roma-Moscou, a “Pacem in Terris” é-lhe posterior (11 de abril de 1963). Por conseqüência, o comunismo não é mais nomeado nesta última, nem sequer para lembrar que outrora fora condenado pela Igreja. Roma cumpria a palavra empenhada aos soviéticos.
- É na encíclica “Pacem in Terris” que João XXIII enuncia: “Fixada e formulada uma doutrina, ela não muda”. Estranha afirmação que a história das doutrinas e de sua evolução contesta manifestamente. A intenção declarada de João XXIII é, a partir daí, poder astuciosamente limitar às “doutrinas” e “teorias” o alcance das condenações da Igreja e delas isentar os “movimentos históricos”, “ainda que extraiam dessas teorias a sua inspiração”. Sigamos o seu raciocínio: a Igreja condenou a doutrina marxista e nem esta doutrina, nem sua condenação podem doravante mudar, o movimento comunista, porém evolui (para melhor). Donde a maravilhosa conclusão: “Certos fatos no plano das realizações práticas que até aqui pareciam inoportunas ou estéreis podem apresentar, agora, no futuro, vantagens reais”.
- De fato, toda a mixórdia dos parágrafos 159 e 160 da “Pacem in Terris” não foi jamais aplicada pela hierarquia eclesiástica senão em proveito do comunismo (e do socialismo marxista). Nunca em benefício do fascismo ou do capitalismo. A despeito da aparência falaciosa de uma formulação geral que se aplique a qualquer doutrina ou movimento, trata-se antes de uma concepção elaborada sob medida para uso exclusivo do comunismo.
- E agora, quando olhamos as coisas de uma perspectiva histórica de quase um quarto de século, já não podemos duvidar de que a Santa Sé, voluntariamente, operou um desarmamento unilateral em face do comunismo. Temos também, certamente, todos os motivos para pensar que os serviços centrais do governo da Igreja foram contaminados, não somente, como já se sabe, pelos modernistas (que são os auxiliares conscientes ou inconscientes, conforme o caso, da maçonaria), mas também dos agentes comunistas. Donde a desinformação sistemática no topo. No entanto, já não é possível supor que a atitude dos papas diante do comunismo, desde João XXIII, resulta apenas de que tenham sido enganados.