O PECADO DA INVEJA

A inveja está entre os 7 pecados capitais, mas seus limites são mais difíceis de estabelecer do que os de alguns outros vícios… Sintomas e remédios de uma imperfeição mais comum e perigoso do que parece. 

Fonte: La Couronne de Marie – Tradução: Dominus Est

O que é o pecado da inveja?

Por inveja do demônio, é que entrou no mundo a morte” diz o livro da Sabedoria (2, 24). De acordo com esta passagem, os anjos maus caíram porque invejaram os homens. O motivo específico é misterioso, mas geralmente supõe-se que eles não suportaram saber que meros seres humanos receberiam dons divinos ainda maiores do que os deles: que o Filho de Deus encarnaria como homem, que uma simples mulher se tornaria Mãe de Deus. Isso mostra a importância desse pecado capital, do qual até os anjos podem ser culpados, embora ele não deva nada à preguiça ou à gula… A inveja, ao contrário desses vícios, não está relacionada à nossa condição corporal. É, de certa forma, um mal puro, como o orgulho, do qual está muito próxima.

Este exemplo dos demônios mostra claramente em que consiste precisamente o pecado da inveja: como nos diz Santo Tomás de Aquino, retomando São João Damasceno, é “uma tristeza pelos bens alheios“. “Por que ele e não eu?” Em essência, tal é o pensamento que constantemente retorna à mente do invejoso. O bem que meu próximo possui torna-se uma afronta, uma diminuição de minha própria excelência, e esse sentimento é, muitas vezes, acompanhado por um desejo violento de que o próximo seja privado desse bem. O invejoso procura fugir de sua tristeza pela alegria sinistra de ver o mal do próximo. Esta é a razão do terrível ódio do demônio pelos homens, pelo qual ele imagina encontrar alívio em seu desespero por estar privado de Deus. É assim que os podemos comparar os invejosos a animais raivosos…

Quais são as suas causas?

Na raiz da inveja está, claro, o orgulho, o apego à nossa própria glória e, às vezes, até aos nossos bens materiais, se eles são motivo de vaidade em nós. Cada um de nós, a seu modo, está convencido da própria excelência segundo o temperamento: para alguns, será por sua inteligência, para outros, por suas qualidades, suas posses, sua fortuna… Há o orgulho legítimo, mas que não deve degenerar em fontes de vanglória. O rei Saul, grande guerreiro, foi consumido pela inveja ao ouvir as mulheres de Israel cantarem: “Saul matou mil, e Davi dez mil.” Saul irou-se em extremo, desagradou-lhe esta expressão, e disse: Deram dez mil a Davide, e mil a mim; que lhe falta, senão só o reino? “Daquele dia em diante, Saul não via Davi com bons olhos.” (1 Samuel 18, 7–9). Em poucas palavras, a Sagrada Escritura mostra-nos a inveja em toda a sua fealdade: um orgulho ferido que destrói a caridade e leva ao ódio, que muda o olhar com o qual vemos o próximo.

O que a inveja não é

É importante distinguir bem a inveja de sentimentos relacionados, que não necessariamente são pecaminosos. Assim, é lícito lamenta-se pelo bem alheio, se esse bem realmente nos coloca em perigo, se for para uma pessoa indigna ou se for mal utilizado. Não é proibido entristecer-se quando um inimigo da Fé acede ao poder político, por exemplo. Trata-se mais de uma questão de medo do que de inveja, como observa Santo Tomás.

Por outro lado, não há inveja enquanto nos regozijamos com o sucesso dos outros: entristecer-nos por ter reprovado em um exame enquanto nossos colegas foram aprovados só se transforma em culpa quando consideramos o sucesso deles como um mal. É então que a inveja se torna pecado, porque se opõe à caridade fraterna. Por si só, a caridade fraterna traz alegria pelo bem dos outros. Enquanto essa alegria permanecer, temos a certeza de que não cometemos nenhum erro.

Por outro lado, não se deve confundir inveja com ciúme: este último, em sentido estrito, é “um amor excessivo ao próprio bem acompanhado do medo de que nos seja tirado pelos outros” explica o Pe. Tanquerey, acrescentando sutilmente: “Em uma palavra temos inveja do bem dos outros e ciúme do nosso próprio bem”. É verdade que a linguagem cotidiana usa prontamente um termo para o outro, e que os efeitos na alma são muito semelhantes e igualmente devastadores.

Por fim, e essa distinção é importante: a inveja não é o mesmo que uma emulação saudável. Ela nasce de uma sincera admiração pela excelência dos outros e impele-nos não a privá-la, mas a igualá-la. Querer assemelhar-se a um santo ou mesmo um conhecido mais virtuoso do que nós não é entristecer-se com sua superioridade: é uma saudável ambição para um cristão, muito útil para nos estimular no caminho da virtude. Obviamente, renunciar à perfeição explicando que seria um terrível pecado de inveja não está realmente de acordo com a moral cristã, mas sim um pretexto para evitar o menor esforço na busca do bem…

Quais são as suas consequências?

O primeiro sinal de inveja é a dor que sentimos quando ouvimos os elogios dos outros e nossa propensão a menosprezá-los por meio de críticas. Depois, há o que os moralistas chamam de filhas da inveja. São Gregório Magno os relaciona da seguinte forma: “Da inveja nascem o ódio, a crítica, a calúnia, a alegria pelos infortúnios do próximo e a tristeza pelos seus sucessos.” Nesse sentido, é de fato um pecado capital, ou seja, um vício que leva a muitos outros pecados. E rapidamente somos sugados para a espiral do mal, da tristeza à crítica, da crítica à calúnia, às manobras dissimuladas, às disputas, a um ódio que pode chegar até ao homicídio. O primeiro invejoso foi o terceiro ser humano na terra: “Passado muito tempo, aconteceu oferecer Caim, em oblação ao Senhor, dos frutos da terra Abel também ofereceu dos primogênitos do seu rebanho, e das gorduras deles. O Senhor olhou para Abel, e para os seus dons; não olhou, porém, para Caim, nem para os seus dons. Caim irou-se extremamente, e o seu semblante ficou abatido.” (Gênesis 4, 3-5). Tudo começa com essa estranha tristeza, que termina com o assassinato do próprio irmão! A história da humanidade está repleta dessas brigas, fontes de tantos males, de tantas famílias divididas, de tantas amizades arruinadas, de tantas perseguições. Não foi por inveja que José foi vendido por seus próprios irmãos? Não foi a inveja dos principes dos sacerdotes e fariseus que levou Nosso Senhor à cruz?

A inveja é um pecado grave?

São Paulo a conta entre as “obras da carne”: “Os que praticam tais coisas não alcançarão o reino de Deus” (Gálatas 5,21). Na medida em que arruína a caridade fraterna, que é nosso primeiro dever depois da caridade para com Deus, a inveja é um pecado grave. Podemos ver isso claramente em suas consequências, não só nas disputas que acarreta, mas também no coração do invejoso, que ela seca: “A inveja é a cárie dos ossos.” diz o livro de Provérbios (14, 30). O invejoso já sofre parte do castigo de seus vícios por meio dos tormentos que inflige a si mesmo por considerar constantemente o bem de seus inimigos. Em casos extremos, chega a definhar fisicamente, segundo os médicos! Nas alegorias dos artistas cristãos, ele é cruelmente mordido por cobras que saem de sua língua ou de seus cabelos… 

Entretanto, quando a inveja diz respeito a um bem de pouca importância e não suprime a caridade fraterna, ela pode ser um pecado venial. O critério para assegurar isso é muito simples: ainda somos capazes de desejar o bem daqueles a quem invejamos? Ainda somos capazes de rezar por eles, de lhes fazer um favor? Abstemo-nos de toda crítica, toda malevolência? A caridade fraterna está na vontade, não requer um apego sentimental, mas consiste essencialmente em querer o bem do próximo.

Como combater a inveja?

Vimos que esse vício tem três aspectos principais: uma causa, o orgulho; um ato, malevolência para com o próximo; um efeito, tristeza. Os remédios visarão, portanto, esses três pontos:

  • Contra o orgulho, obviamente, é preciso cultivar a humildade. Mais precisamente, devemos nos acostumar a considerar o sucesso dos outros como uma coisa boa e não como uma ofensa pessoal. Recordemos as belas palavras de São João Batista, afastando-se diante de Nosso Senhor, das quais ele teria motivos para ter inveja: “Convém que Ele cresça e eu diminua” (João 3, 30) Meditar sobre o nada dos bens deste mundo, na loucura da vaidade, atribuir todos os nossos sucessos e todas as nossas qualidades somente a Deus nos preserva do orgulho desviante. Além disso, podemos até transformar a consciência da superioridade dos outros em admiração que nos encoraja a igualá-la: é a sã emulação de que já falamos, que pode tornar-se um importante motor da nossa vida cristã. “Que os outros possam ser mais santos do que eu, embora me torne o mais santo quanto me for possível, Jesus, dai-me a graça de desejá-lo”, diz a Ladainha da Humildade.
  • Contra a malevolência, devemos afastar imediatamente qualquer desejo de prejudicar o próximo que venha a nascer em nossa alma. A verdadeira caridade deve inspirar-nos o horror da inveja. “Se alguém disser: — eu amo a Deus — e odiar o seu irmão, é um mentiroso. Aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê? (1 João 4,20)?” A santidade exige a ausência de todo ódio e rancor na alma.
    Podemos desejar que alguém seja justamente punido por suas faltas, mas deixemos que Deus o faça, a menos que seja nosso dever fazer justiça. E mesmo neste último caso, não procuramos um mal, mas um verdadeiro bem, que é a punição do culpado e, se possível, a sua reparação! 
  • Contra a tristeza, para a qual certos temperamentos melancólicos são naturalmente inclinados, deve-se sempre evitar os sombrios devaneios que giram muito rapidamente em torno das faltas do próximo. A ociosidade deve, como sempre, ser evitada. Em vez disso, devemos nos dedicar a atividades que nos levem a cuidar do próximo e a prestar-lhe serviços, ou simplesmente à oração e à leitura piedosa. De um modo geral, a tristeza só é boa quando nos faz lutar contra nossos pecados ou simpatizar com uma alma aflita. Ao contrário, o fruto normal da caridade é a alegria (Gálatas 5,22).

Para concluir, vamos acrescentar que é bom combater a inveja em si mesmo, mas também nos outros. Não dando lições de moral mal-intencionadas, mas evitando demonstrar nossa superioridade (real ou suposta…) por meio de uma atitude ostensiva, até mesmo desdenhosa ou arrogante. A virtude da discrição cristã, muito próxima da humildade, poderia assim evitar muitas brigas nascidas da inveja.

Pe. Louis-Marie Carlhian, FSSPX