Retirado de Our Lady’s Digest, 1959 (Permanencia)
Há cerca um século, a noite de inverno já havia lançado seu pálio negro sobre os cais de Dublin quando a campainha de uma das paróquias da cidade despertou seu velho pastor. Estava tão escuro que ele mal podia perceber a mulher à porta. Ela falava rapidamente, como se estivesse ansiosa para ir embora.
“Um pobre homem”, ela disse, “está morrendo além do cais do Muro do Norte. É preciso que um Padre vá lá, não há tempo a perder”. Após entregar sua mensagem, ela atirou-se no escuro da noite.
“Eu irei”, murmurou o velho Padre, enquanto contemplava a figura que partia.
Não havia ônibus naqueles dias, e os bondes elétricos não iam até os cais, de modo que ele foi a pé. Estava muito escuro, e o padre parecia estar andando há muito tempo, mas não dava ouvidos ao cansaço, pois trazia o Santíssimo Sacramento próximo ao seu coração com uma mão e carregava os Santos Óleos na outra. Seu único guia era o farol, piscando a cada dois segundos ao longo da baía. A maré subia alto nos dois lados do cais onde ele andava, e foi mais o som das ondas que qualquer coisa que ele via que o levou, enfim, a um grupo de chalés de pescadores. Instintivamente, parou em um deles e empurrou a pequena porta. Não havia luz, e nenhum som quebrou o silêncio.
Ele entrou, mas não via ninguém. “Quem me levará ao moribundo?”, perguntava-se ansiosamente. Fez uma pausa e escutou. Tudo estava quieto. Então seus olhos, já acostumados ao escuro, perceberam uma pequena escadaria. Enquanto ele punha seu pé no primeiro frágil degrau, uma fraca foz alcançou seus ouvidos. Mas de que ela se queixava?
“Santa Maria… Mãe de Deus… Rogai por nós… Pecadores… Agora… E na hora de nossa morte… Santa Maria…”
E, incessantemente, a fraca voz repetia novamente e novamente a segunda parte da Ave Maria. Gentilmente, o Padre abriu a porta da pequenina sala. Sob um palete estava o pobre moribundo. O homem estava sozinho.
“Meu amigo, você me chamou?”, começou o Padre
“Não, Padre, não chamei ninguém!”
“Vejo que você ama a Santíssima Virgem. Está rezando para ela”
“Não sei quem é a Santíssima Virgem”
“Bem, ao menos você reza para Deus”
“Nunca ouvi falar d´Ele”
O Padre estava confuso. Quem tinha ido até ele? O homem diante dele, obviamente, não era hostil a padres, mas não sabia nada sobre Deus!
“Meu amigo”, ele perguntou, “por que você repete incessantemente ‘Santa Maria, mãe de Deus…’?”
“Ah!”, respondeu o doente, “quando estou sentindo dores, falo essas palavras e elas me trazem alívio”
Então, ele contou ao Padre esta tocante história:
“Eu era um marinheiro e, com frequência, nosso navio atracava na costa oeste da Irlanda. Os que desejassem saíam para passar as noites em terra firme, nos alojamentos dos nativos. Não sou irlandês, mas gostava daquele povo. No chalé onde costumava ficar, a família se reunia todas as noites para rezar. A mãe dizia algumas palavras que não consigo lembrar, e todos os demais respondiam: ‘Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte, amém’. Eu jamais esqueci essas palavras, e recitá-las me faz bem”
O Padre ficou profundamente comovido. Ele passou a noite inteira com o doente, falando-lhe de Deus, da Santíssima Virgem e da outra vida, na qual adentraria em breve.
Ali estava uma alma em todo seu frescor, ciosa de beber das verdades eternas, um operário da última hora, que Nossa Senhora em pessoa havia ido buscar.
Ao alvorecer, o Padre o batizou. Em seguida, deu-lhe a Santa Comunhão e o sacramento da Extrema Unção.
Quando amanheceu, o Padre teve de ir embora.
“Meu amigo”, ele disse, “preciso deixá-lo… Eu rezarei a Missa por você. E vou voltar”
Enquanto deixava a casa, o padre estava absorto em pensamentos. Mas quem, quem havia ido até ele? O sacerdote estava certo de que alguém tinha ido, mas quem? Como resposta aos seus pensamentos, uma mulher com vestes pobres apareceu à porta de um dos chalés. O padre falou com ela.
“Aquele pobre homem ali em cima está muito doente”, disse. “Não vai durar muito mais”. Ela balançou a cabeça e acrescentou:
“Fui eu quem fui ao senhor. Eu não pertenço a sua religião. Sou protestante, mas, quando ouvi aquele senhor repetindo a oração católica, disse para mim mesma: ´é melhor ir buscar um dos ministros dele antes que morra’, então recorri ao senhor”
Tentando esconder sua comoção, o Padre agradeceu-lhe por sua ação caridosa e apressou-se para rezar o Santo Sacrifício. “Aqui”, ele pensou, “está um pobre desafortunado que repetia a Ave Maria sem sequer saber o que ele dizia, e, ainda assim, a Santíssima Virgem ouviu seus pedidos! ‘Rogai por nós agora e na hora de nossa morte’… Ela, certamente, veio à hora da morte dele, essa boa e santa mãe!
Eis quão longe podem ir os efeitos de um terço em família, rezado à noite em um chalé de Connemara!”