O SENTIDO DA HISTÓRIA

Resultado de imagem para marcel lefebvreNos capítulos anteriores procurei mostrar que os católicos liberais como Lamennais, Maritain e Yves Congar, têm uma visão pouco católica do sentido da história. Trataremos de aprofundar sua concepção e julgá-la à luz da Fé.

Senso ou Contra-senso

Para os católicos chamados liberais, a história tem um sentido, ou seja, uma direção. Na terra, esta direção é imanente: a liberdade. A humanidade é empurrada por um sopro imanente, para uma consciência crescente da dignidade da pessoa humana, para uma liberdade cada vez maior de livre de toda coação. O Vaticano II se fará eco desta teoria dizendo, a exemplo de Maritain:

“Em nosso tempo, a dignidade da pessoa humana é objeto de consciência cada vez mais viva; são cada vez mais numerosos os que reivindicam para os homens a possibilidade de agir de acordo com suas próprias opiniões e segundo sua livre responsabilidade”150.

Ninguém discute que seja desejável que o homem se encaminhe livremente para o bem; mas é muito discutível que nossa época ou mesmo o sentido da história em geral, estejam marcados por uma consciência crescente da dignidade e liberdade humanas. Somente Jesus Cristo ao conferir aos batizados a dignidade de filhos de Deus, mostra aos homens em que consiste sua verdadeira dignidade: a liberdade de filhos de Deus de que fala São Paulo (Rm 8, 2). Na medida em que as nações se submeteram a Nosso Senhor Jesus Cristo, viu-se com efeito o desenvolvimento da dignidade humana e uma sã liberdade; mas desde a apostasia das nações com a instauração do liberalismo, é forçoso verificar que, pelo contrário, se não reina Jesus Cristo “as verdades diminuem entre os filhos dos homens” (Sl 11, 2), a dignidade humana é cada vez mais desprestigiada e achatada, e a liberdade fica reduzida a um tema vazio sem qualquer conteúdo.

Em alguma época da história já se viu um empreendimento tão radical e colossal de escravidão, como a técnica comunista de escravizar as massas?151Se Nosso Senhor nos convida a “ver os sinais dos tempos” (Mt. XVI, 4), então foi necessária uma cegueira voluntária dos liberais e um conluio absoluto de silêncio, para que um concílio ecumênico reunido precisamente para ver os sinais de nosso tempo152, se calasse acerca do sinal dos tempos mais evidente, que é o comunismo. Este silêncio basta por si só para cobrir de vergonha e reprovação este Concílio, diante da História, e para mostrar o ridículo do que alega o preâmbulo de “Dignitatis Humanae”, que lhes citei.

Por conseguinte, se a história tem um sentido, não é certamente a tendência imanente e necessária da humanidade para a liberdade e a dignidade; isto não passa de uma invenção “ad justificandas justificationes suas”, para justificar seu liberalismo, para cobrir com a máscara enganosa do progresso o vento gelado que fazem soprar sobre a cristandade, há doisséculos.

Jesus Cristo, Pólo da História

Qual é pois o verdadeiro sentido da História? Há por acaso um sentido da História?

Toda a História tem por centro uma pessoa: Nosso Senhor Jesus Cristo, porque como diz São Paulo: “Nele foram fundadas todas as coisas, as dos céus e as que estão sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, dominações, principados ou potestades. Tudo foi criado por Ele e nEle, e Ele é antes de todas as coisas e nEle todas subsistem. Ele é a cabeça do corpo da Igreja, sendo Ele mesmo o princípio (…) para que em tudo tenha o primeiro lugar. Deus quis que toda a plenitude habitasse nEle, e por meio dEle reconciliar todas as coisas tanto as da terra como as do céu, trazendo a paz mediante o sangue de sua cruz”153.

Jesus Cristo é portanto o pólo da História. A História tem somente uma lei: “é necessário que Ele reine” (1 Cor 15, 25). Se Ele reina, reinam também o verdadeiro progresso e a prosperidade, que são bens muito mais espirituais que materiais. Se Ele não reina, vem a decadência, a caducidade, a escravidão em todas as formas, o reino do mal. É o que profetiza a Sagrada Escritura: “Porque a nação e o reino    que    não    Te    servem    perecerão,    estas    nações   serão completamente destruídas” (Is 60, 12). Há excelentes livros sobre a filosofia da História, mas que me deixam surpreso e impaciente ao comprovar que omitem este princípio absolutamente capital ou não o põe no lugar que lhe é devido. Trata-se do princípio da filosofia da História, sendo também uma verdade de Fé, verdadeiro dogma revelado e confirmado centenas de vezes pelos fatos!

Eis a resposta à pergunta: Qual é o sentido da História? A História não tem nenhum sentido, nenhuma direção imanente. Não existe o sentido da História. O que há, é um fim da História, um fim transcendente: a “recapitulação de todas as coisas em Cristo”; é a submissão de toda ordem temporal à Sua obra redentora; é o domínio da Igreja militante sobre a cidade temporal que se prepara para o reino eterno da Igreja triunfante no céu. A Fé afirma e os  fatos o demonstram que a História tem um primeiro pólo: a Encarnação, a Cruz, Pentecostes; ela teve seu completo desenvolvimento na cidade católica, quer seja no império de Carlos Magno ou na república de Garcia Moreno; e terminará, chegará a  seu pólo final quando o número de eleitos se completar, depois do tempo da grande apostasia (2 Tess. II, 3); não estamos vivendo este tempo?

Uma Objeção Liberal contra a Cidade Católica

Pelo que foi dito acima, creio que se compreende bem que na História não há nenhuma lei imanente do progresso da liberdade humana, da emancipação da cidade temporal quanto à submissão a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas, dizem os liberais como o Príncipe Alberto de Broglie em seu livro “A Igreja e o Império Romano no Séc. IV”, o regime que desejais da união da Igreja e do Estado, que foi a dos  Césares cristãos e germânicos sempre conduziu a uma submissão da Igreja  ao Império, a uma molesta dependência do poder espiritual ao temporal. Diz o autor:“a aliança entre o trono e o altar nunca foi durável, nem sincera, nem eficaz”154. Como conseqüência a liberdade e independência destes dois poderes não tem valor.

Deixo ao Cardeal Pio, o cuidado de responder a estas acusações liberais; ele não tem dúvida em qualificar estas afirmações temerárias como trivialidades revolucionárias:

“Se vários príncipes ainda neófitos e ainda não desligados dos costumes absolutistas dos Césares pagãos, desde o princípio trocaram a proteção legítima por opressão; se procederam com rigor contrário ao espírito cristão (geralmente lutando por uma heresia, a pedido de bispos hereges), houve na Igreja homens de Fé e de valor como Hilário, Martinho, Atanásio e  Ambrósio, para chamá-los ao espírito de mansidão cristã, para repudiar o apostolado da espada, para declarar que a convicção religiosa jamais se impõe pela violência e finalmente  proclamar com eloqüência que o cristianismo, que se havia propagado apesar da perseguição dos príncipes, podia prescindir de seus favores e não devia se colocar sob nenhuma tirania. Nós conhecemos e temos pesado cada palavra destes nobres atletas da Fé e da liberdade de sua Mãe a Igreja. Mas tendo protestado contra os abusos e excessos e censurado as

ações intempestivas e falta de inteligência que às vezes atentavam contra o princípio e as regras da imunidade sacerdotal, nenhum destes seus chefes têm o dever de  professar publicamente a verdade cristã, harmonizar com ela seus atos e instituições e também proibir com leis quer preventivas ou repressivas, segundo as disposições do tempo e dos espíritos, os atentados que deram caráter de patente impiedade e introduziram a inquietação e a desordem no meio da sociedade civil e religiosa”155.

É um erro, ao qual foi dado destaque e que este trecho do Cardeal Pio esclarece bem, dizer que o regime de “só liberdade” seja um progresso em relação ao regime de união das duas potências. A Igreja nunca ensinou que o sentido da História e o progresso consistem na tendência inevitável para a emancipação recíproca do temporal em relação ao espiritual. O sentido da História de Jacques Maritain e de Yves Congar não passa de um contra-senso. Esta emancipação que descrevem como sendo um progresso, não passa  de um divórcio ruinoso e blasfemo entre a cidade e Jesus Cristo. Foi necessária a falta de vergonha de “Dignitatis Humanae” para canonizar este divórcio, e isto, suprema impostura, em nome da verdade revelada!

Por ocasião da conclusão da nova Concordata entre a Igreja e a  Itália, João Paulo II declarava: “nossa sociedade se caracteriza pelo pluralismo religioso”, e dava a conseqüência: esta evolução  demanda a separação entre a Igreja e o Estado. Mas em nenhum momento  João  Paulo  II  pronunciou  um  juízo  sobre  esta    troca, mesmo sendo para deplorar a laicização da sociedade, ou simplesmente dizer que a Igreja se resignava a uma situação de fato. Não, sua declaração como a do Cardeal Casaroli, louvava a separação da Igreja e do Estado, como se fosse o regime ideal, o resultado de um processo histórico normal e providencial, contra o qual nada se pode dizer! Dito de outra forma: “Viva a apostasia das nações, eis aí o progresso!” Ou então: “Não devemos ser pessimistas! Abaixo os profetas de calamidades! Jesus Cristo já não reina? Que importância tem? Tudo bem! De qualquer modo a Igreja marcha rumo ao cumprimento de sua história. E depois de tudo Cristo vem, aleluia!”. Este otimismo simplista enquanto já se acumulam as ruínas, este fatalismo imbecil, não são os frutos do espírito de erro e descaminho? Tudo isto me parece absolutamente diabólico.

Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre

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150 Declaração sobre a Liberdade Religiosa, preâmbulo

151 Cf. J. Madirain, “La vieillese du Monde” DMM, Jarzé, 1975.

152 Cf. Vaticano II, “Gaudium et Spes”, nº 4 § 1, 11 § 1

153 Cl 1, 17-21.

154 Op. cit., T.IV, pág. 424, cit. Pelo P. T. De St Just, pág. 55

155 Terceira instrução sinodal sobre os principais erros do tempo presente, Obras, T-V, pág. 178