O Rito Tridentino da Missa é sinal de contradição e um obstáculo inconveniente para a revolução que tomou controle das instituições da Igreja no Concílio Vaticano II (1962-1965)
O Rito Tridentino da Missa
O Rito Tridentino da Missa é a oração suprema da Igreja, que expressa, perfeitamente, sua doutrina e santidade. Não é um sinal passivo da doutrina e da santidade, como um crucifixo ou uma imagem, mas um sinal eficaz, um sacramento, que produz o que representa, trata-se de um sacramento de fé e sacralidade, um estandarte vivo. É o momento da vitória sobre o pecado e a morte. É o meio pelo qual a vitória vem às almas através dos séculos.
Sim, ele permaneceu inalterado em sua essência ao longo dos séculos. É o mesmo sacrifício, com o mesmo Padre, com o mesmo propósito e com as mesmas palavras pronunciadas por Cristo. As orações que adornam a consagração (o Cânone da Missa) foram acrescentadas no curso dos primeiros seis séculos e estavam definidas ao tempo do Papa São Gregório Magno (590-604). O Papa São Pio V, seguindo um decreto do Concílio de Trento, promulgou a bula Quo primum tempore para definir o Rito da Missa da Igreja Latina para todos os tempos. Dali em diante, o Rito passou a ser conhecido como o Rito Tridentino da Missa.
Quando a Igreja e o Estado caminhavam de mãos dadas, a Cristandade era ordenada em direção à Missa. Hillaire Belloc, em seu Europe and the Faith, salientava que qualquer historiador medieval que não entendesse o que é o Santíssimo Sacramento (e, portanto, o que é o Santo Sacrifício da Missa) não conseguiria entender os motivos de seus ancestrais e, portanto, as grandes crises da história civil.
A Missa era o pináculo, a joia e a força-motriz da civilização. Era o encontro do Céu com a terra: Deus descendo a nós; o homem subindo e tocando a Deus.
O que aconteceu com a Missa?
Ah, pela queda de Adão, o eco do Non serviam de Satã irá ressoar pela história até o final dos tempos. O desejo natural do homem pela Divindade sempre competirá com a tentação de se fazer Deus.
Vieram revoluções e derrubaram a Igreja na sociedade civil (reforma protestante), depois Jesus Cristo (o iluminismo), depois Deus (as revoluções francesa e comunista), depois a ordem natural que Ele criou (a cultura da morte e, agora, a ideologia woke).
A revolução mais devastadora de todas, porém, foi aquela na qual o Non serviam ressoou nos corredores da própria Igreja. No Concílio Vaticano II, o homem tentou se deificar e colocar Deus a seu serviço.
O homem redefinido
De acordo com o Concílio, a dignidade do homem não era mais a possibilidade de ser elevado pela graça de Deus a compartilhar da vida divina, e sim a sua autonomia, pela qual o homem se tornava como Deus:
– Autonomia da vontade para escolher o bem ou o mal, livre das coações da lei natural ou revelada (i.é, liberalismo);
– Autonomia do intelecto para aderir a “verdades” independentes da realidade (i.é, relativismo intelectual);
– A supremacia da consciência sobre a Lei Eterna como guia do comportamento humano (i.é, relativismo moral);
– Posse, pela própria natureza, dos meios para alcançar seu fim último, que é um fim meramente natural, ao invés de depender da graça sobrenatural para um fim que é sobrenatural (i.é, naturalismo).
Santo Agostinho dizia que “Deus criou o homem para que o homem possa se tornar Deus”. Isso é verdade se compreendermos esse poder de “se tornar Deus” como sinônimo de “participar da Sua Vida Divina por meio da graça sobrenatural”; mas é falso se o compreendermos como sinônimo de “tornar-se autônomo”, como o documento conciliar Dignitatis Humanae sugere.
A religião redefinida
O homem, portanto, foi redefinido no Concílio, assim como a sua religião. A nova religião é a Religião do Homem, pela qual os homens se tornam autônomos.
A Igreja dessa nova religião, a Igreja de Cristo, parece abraçar toda a humanidade como já tendo sido redimida pelo Filho de Deus (Gaudium et Spes). A Igreja Católica meramente “subsiste” nessa Igreja de Cristo, afirmação calculada para dar a entender que a Igreja de Cristo é mais ampla que a Igreja Católica e que a adesão na Igreja de Cristo através do batismo, da graça santificante, ou da submissão à autoridade, doutrina e liturgia da Igreja não são necessários.
A Igreja de Cristo, de acordo com Lumen gentium, é um sinal eficaz ou sacramento de união de toda a raça humana com Cristo. É, claramente, uma nova Igreja, e seus fiéis receberam um novo nome: “o povo de Deus”.
A liturgia redefinida
Para uma nova religião e uma nova Igreja, era necessário uma nova liturgia. Portanto, o Novus Ordo Missae foi promulgado no dia 03 de Abril de 1969 e, após, recebeu a permissão de ser alterado livremente.
De fato, trata-se de uma liturgia maligna, pois ela, objetivamente, obscurece o sacrifício de Cristo ao apresentar a Missa como uma refeição, e obscurece o sacerdócio ao tornar o Padre o presidente de uma assembleia. Na prática, pelo seu frequente desrespeito ao Santíssimo Sacramento, arrastou Deus pela terra e tratou-O de maneira insultante. Seu efeito foi o de assassinar a vida sobrenatural dos fiéis, secar as vocações e esvaziar as Igrejas.
Summorum pontificum & Traditionis custodes
Após quase 40 anos de autodestruição, o Papa Bento XVI reconheceu que parte da culpa do declínio da Igreja é da liturgia pobre, mas falhou em perceber os erros doutrinais dos quais ela adveio. Em 2007, promulgou Summorum pontificum, que deu a qualquer Padre o direito de celebrar a Missa no Rito Tridentino novamente. O resultado foi feliz, pois, ao serem expostos à lex orandi tradicional, muitos fiéis descobriram ou redescobriram a lex credendi da Igreja, que o Concílio havia tentado suplantar.
O Rito Tridentino começou a ser considerado uma ameaça à revolução e ao seu sonho de uma nova Religião do Homem; uma religião a serviço da Nova Ordem Mundial, de modo que o Papa Francisco promulgou um novo motu próprio, Traditionis custodes no dia 16 de Julho de 2021, para anular Summorum pontificum e dar à luz o aparato necessário para limitar o Rito Tridentino na Igreja conciliar.
No motu próprio, o Papa Francisco justifica suas medidas alegando que o Rito Tridentino da Missa é causa de desunião na Igreja. Essa acusação, bem como o título do motu próprio, não é pouco irônica, pois a promulgação do Novus Ordo Missae foi, talvez, a maior causa de desunião em toda a história da Igreja. O novo rito da Missa rompeu a unidade de liturgia, a unidade de língua, a unidade de cultura e, mais importante que tudo, a unidade de fé e de vida sobrenatural ao longo do mundo e dos séculos. É uma nova liturgia de uma nova religião, para servir a uma concepção falsa do homem.
Obstáculo inconveniente
Se o Rito Tridentino da Missa é tido como causa de desunião, isso se deve apenas ao fato de que contradiz a revolução sendo-lhe um obstáculo inconveniente. Mas um dia a revolução desmoronará.
Sancte Joseph, Protector sanctae Ecclesiae, ora pro nobis