PROGRESSISMO E CONSERVADORISMO: HISTÓRIA DA DISSOLUÇÃO DO HOMEM NO MUNDO E NA IGREJA NOS ÚLTIMOS 100 ANOS

O politicamente correto, esse desconhecido

Fonte: Sì Sì No No, ano XXXV, n. 14 – Tradução: Dominus Est

Esquema introdutório

• Antonio Gramsci (1891-1937) trabalhou na expansão do pensamento revolucionário da década de 1920 até o final da década de 1930. Seu estudo tinha como objetivo fazer com que a filosofia do materialismo dialético marxista fosse aceita intelectualmente por meio de manipulação mental (“entrismo”) e não pela força. Gramsci queria uma “revolução cultural”, ou seja, adquirir a hegemonia, o consenso e a direção da sociedade civil-cultural europeia (penetrando na escola, na imprensa, nas publicações, no judiciário e na mídia de massa). Só então se poderia pensar em ocupar o poder, o governo e o domínio do Estado. Gramsci é o progenitor de todas as correntes revolucionárias (Escola de Frankfurt, Estruturalismo francês) que tentarão, depois dele, trabalhar a revolta dentro do homem individual e não apenas na sociedade.

• Um autor que buscará revolucionar a Europa também religiosamente (e não só culturalmente como Gramsci) é Ernst Bloch (1885-1977), filósofo alemão de origem judaica, que na década de 1960 trabalhou para converter os católicos à dialética social-comunista por meio do diálogo, opondo à religião tradicional ou dogmática (tese) uma religião progressista (antítese), a fim de alcançar um messianismo terreno e imanentista ou “socialismo-cristão” (síntese). Infelizmente, sua estratégia foi bem-sucedida com o Concílio Vaticano II, que se propôs a dialogar com o mundo sem mais querer convertê-lo.

• Dos anos 1920-1930 até os anos 1960, a “Escola de Frankfurt” (Adorno-Marcuse), por meio de drogas, psicanálise, pansexualismo, moda e música pop, tentou revolucionar e aniquilar (a partir da Alemanha e dos EUA) o próprio homem nos aspectos mais profundos de sua alma e personalidade[1] (inclinações, intelecto e vontade) e não mais apenas a sociedade cultural (Gramsci) ou religiosa (Bloch).

• Enquanto isso, na França, o “Estruturalismo”, entre as décadas de 1940 e 1960 (Sartre, Althusser, Levy-Strauss), procurou embrutecer o homem através da massificação e desvalorização da razão humana, retomando, juntamente com a psicanálise de Jacques Lacan (1901-1988), as teorias sensistas e empiristas dos filósofos ingleses do século XVIII, segundo as quais o homem só tem conhecimento sensível, tal como o animal.

• Atualmente, está sendo feita uma tentativa (pelos ensinamentos de Russel Kirk) de propor uma “revolução conservadora”* [vide nota deste blog ao final do texto], em oposição às revoluções “progressistas” mencionadas acima, que consiste em casar o catolicismo com o kantianismo e o sensismo anglo-saxão. Essa corrente na Europa é chamada de teoconservadorismo, e ela toma as doutrinas neoconservadoras dos EUA e as transplanta para a Europa e Roma. Essa tentativa, embora menos radical, ainda é contraditória e repugnante. Veremos por que.

A Revolução cultural: Gramsci ou o eurocomunismo.

O eurocomunismo é o marxismo-leninismo aplicado aos países “ocidentais” ou, mais precisamente, aos países europeus e especialmente àqueles com forte tradição católica. Com efeito, o comunismo não pôde se afirmar em um país “ocidental” ou, mais precisamente, europeu ou latino-americano e católico sem adotar variações táticas e estratégicas. Lembre-se de que o comunismo é sempre o mesmo, e só muda as aparências primeiro para enganar e ser aceito pela sociedade civil-cultural e, depois, para assumir o governo ou o poder político e permanecer nele. Augusto Del Noce escreveu: “Não há outro caminho senão o caminho gramsciano que seja capaz de levar os partidos comunistas ao sucesso nos países ocidentais”[2]. Toda a doutrina de Gramsci, com efeito, está voltada para a busca de uma tática adequada para garantir a aceitação e, depois, o sucesso do comunismo na Europa. Ele foi influenciado pelo neoidealismo italiano de Croce e especialmente pelo de Gentile, que pensava em um idealismo que superava o marxismo na medida em que propunha uma dialética marxista sem o materialismo, tal como demonstrou Del Noce. Gramsci permanece marxista e, portanto, materialista, mas reduz o materialismo a um mínimo, em benefício da dialética, e rebaixa a primazia da economia sobre todas as outras atividades humanas. “As consequências […] são muito importantes: o comunismo não deve procurar apenas e acima de tudo tomar posse da articulação político-econômica (a estrutura) da sociedade, mas deve procurar […] primeiro impor-se e prevalecer em todas as superestruturas culturais, jurídicas, artísticas, religiosas, etc., que não são completamente atribuíveis à economia”[3].

Gramsci faz distinção entre a conquista do Estado e a conquista da sociedade civil-cultural. No Ocidente, o poder político do Estado é moderado pela sociedade civil, ou seja, por todos os órgãos intermediários que ficam entre o indivíduo e o Estado, de modo que conquistar o Estado ou o governo ainda não significa ter conquistado a sociedade, que é o verdadeiro poder da nação. Pelo contrário, na Europa, a sociedade civil e cultural é muitas vezes mais forte do que o Estado e, portanto, deve ser conquistada pelo comunismo antes do Estado.

Dominar significa subjugar e liquidar oponentes pela força; dirigir significa liderar aliados e afins. Antes de dominar, o comunismo europeu deve dirigir; somente depois, quando tiver conquistado – graças ao entrismo – o governo político, ele poderá se tornar dominante, mas não deve se esquecer de forma alguma de que também é o dirigente[4]. “No entanto, o Estado não pode ser apenas coercitivo, caso contrário, entrará em colapso após um período mais ou menos longo (cf. URSS): enquanto exerce a coerção, ou seja, enquanto é dominante, o grupo que detém o Estado deve se esforçar para ser tanto dirigente quanto dirigido”[5]. De acordo com Gramsci, a ditadura comunista na Europa seria apenas dominação sem direção; a ditadura proletária, para permanecer no poder, deve obter não apenas a obediência externa dos cidadãos, mas também o consentimento. O eurocomunismo é precisamente a ditadura mais a hegemonia ou o consenso[6]. Portanto, é necessário impregnar a cultura com o pensamento marxista, porque é por meio da cultura que o consenso e a hegemonia são organizados, o que, no caso do comunismo europeu, deve ser, acima de tudo, a direção cultural de jornais, rádio, TV, escolas e universidades, do judiciário e do exército; as ideias comunistas devem se tornar as ideias que regem a classe dirigente; essa é a condição sine qua non para conquistar o governo de forma permanente e duradoura; caso contrário, acabará como a Espanha em 1936.

Essa linha foi adotada por Palmiro Togliatti, que conseguiu fazer com que o Partido Comunista da Itália fosse aceito pelo mundo cultural político italiano e, após a morte de Pio XII, também por grande parte do mundo eclesiástico, que se pôs a dialogar…

Após a derrota do comunismo no Chile em 1974, Enrico Berlinguer questionou por que ele havia fracassado. E chegou à conclusão de que havia surgido uma situação antigramsciana no Chile, ou seja, o governo comunista de um lado e a classe média do outro. Essa é a situação que precisa ser evitada na Itália, escreveu: “essa é a razão pela qual estamos lutando por um ‘compromisso histórico’”[7]. Portanto, é necessário ir, lentamente, do poder ao governo e não apressadamente do governo ao poder. Gramsci já havia escrito em 1919: “Os Populares [democratas-cristãos] representam uma fase necessária no processo de desenvolvimento do proletariado italiano em direção ao comunismo […] Os Populares estão para os socialistas como Kerensky para Lênin […] A democracia cristã faz o que o socialismo não poderia fazer: amalgama, ordena, anima e comete suicídio[8]. Esse, infelizmente, foi o papel que a Democracia Cristã desempenhou na Itália.

A revolução religiosa: Ernst Bloch ou o comunismo católico

Além de Gramsci, outro teórico do eurocomunismo, ou mais precisamente do católico-comunismo, foi Ernest Bloch, seguido na Itália por Franco Rodano, que estudou todas as formas de tornar o comunismo aceitável para os católicos ou, melhor, para manipular sua mentalidade para que se tornasse compatível e assimilável pelo progressismo socialista; Eles [os católicos] terão que se ‘desideologizar’, olhando “mais para o que une do que para o que divide”, remetendo-se à doutrina social da Igreja para então se encontrar com os comunistas no nível da ação social.

Ernst Bloch é o primeiro filósofo marxista a abordar o problema de como converter os católicos ao comunismo. Ele aceita a tese marxista de que a religião é o ópio do povo, mas faz distinção entre dois tipos de religião:

a) uma ruim, reacionária, a ser combatida e destruída, que seria a dominicana tradicional ou integrista ou pré-conciliar;

b) a outra boa, progressista ou pós-conciliar, uma espécie de messianismo carnal do Reino de “deus” neste mundo, especialmente para os pobres, com o qual se pode dialogar.

Os comunistas, para ganhar o jogo, devem opor dialeticamente a religião ruim à religião boa, de modo que surja como uma síntese um tipo de cristianismo ateu ou marxista, que apenas mantém o nome e a aparência de cristianismo. O cristianismo “progressista” é chamado por Bloch a substituir o divino pelo futuro, Deus e o ser pela evolução: “Bloch construiu uma ponte entre o cristianismo e o comunismo, mas é uma ponte de mão única, a ser atravessada sempre em uma direção, e sempre por cristãos que se tornam marxistas e ateus”[9].

A Escola de Frankfurt e o “Estruturalismo” francês: a subversão “in interiore homine”

A subversão social (cultural ou religiosa) torna-se individual com a “Escola de Frankfurt” e o “Estruturalismo” francês.

* * *

1. A Escola de Frankfurt

A Escola de Frankfurt baseou-se na força propulsora e subversiva das inclinações desordenadas da natureza humana ferida pelo pecado original, que pode ser comparada a um terremoto que perturba, subverte, abala, derruba e vira de cabeça para baixo. Significou a revolta global, a guerra psicológica total e a mudança de mentalidade (intelecto) e costumes (vontade) no mundo inteiro, na sociedade civil, na sociedade religiosa e, acima de tudo, no indivíduo, em cujo interior trouxe desordem e subversão (cf. H. Marcuse, Um Ensaio Sobre a Libertação, 1969, p. 44). Ela levou a mentira para as profundezas da alma humana (“in interiore homine, habitat falsitas”, parafraseando Santo Agostinho, no interior do homem vive a falsidade); seu objeto foi a “psique” de cada ser humano. A Escola de Frankfurt desempenhou um papel de liderança nessa inversão do homem como sujeito inteligente e livre. Nascida na Alemanha em 1923, mudou-se para os EUA em 1933 e lá permaneceu até 1950, quando Theodor Adorno (1903-1969) retornou à Alemanha para trazer pessoalmente à Europa a revolução ou o caos lançado pela América do Norte na década de 1950. Herbert Marcuse (1898-1979), por outro lado, permaneceu nos EUA, que se tornou, com a Segunda Guerra Mundial, a nação mais poderosa do mundo ainda não dominada pelo bolchevismo.

A convicção dos intelectuais da Escola de Frankfurt é que, no “Ocidente”, o modelo comunista stalinista-leninista (que revolucionou a velha Rússia desde 1917) tem pouca esperança de sucesso. De fato, o proletariado europeu e norte-americano já está de barriga relativamente cheia (década de 1930) e não está mais disposto a realizar a revolução como fez em 1917 na Rússia. Portanto, o assunto a ser revolucionado deve ser mudado, de modo a expandir a subversão em todo o mundo. Esse novo sujeito são os “estudantes” (que não querem estudar), que, por terem “a cabeça vazia, são mais inclinados à revolução do que o proletariado com uma barriga cheia”. O modelo stalinista é substituído na Escola de Frankfurt pelo trotskismo e pelo maoísmo, que quer a revolução perpétua em todo o mundo (“cada homem, o homem inteiro, é o objeto da ação revolucionária”, dizia Mao Tsé Tung). Essa escola, como Augusto Del Noce escreveu em várias ocasiões, a fim de superar a crise do modelo soviético na década de 1970, teorizou uma revolução que iria além da bolchevique, que poderia realmente realizar a anarquia perpétua e total e que chegaria ao coração do homem, depois de ter estragado toda a sociedade.

Ao trotskismo e ao maoismo, a Escola de Frankfurt acrescentou o freudismo, ou seja, a psicanálise de massa, que, por meio do desencadeamento das paixões humanas (especialmente as paixões sexuais), chega a mudar a mentalidade e os costumes do homem (revolução cultural). Em outras palavras, é o passo da educação (ex-ducere) para a deseducação ou “in-ducação” (ducere-in) em direção ao niilismo nietzschiano e à ideologia pós-moderna, que deseja a destruição total dos valores intelectuais, morais e até mesmo existenciais (ódio dirigido contra o ser criado e participado, que remete ao próprio Ser subsistente ou incriado, ou seja, ódio a Deus). “Liberdade da realidade” é a essência do livro de Marcuse intitulado Eros e civilização. O fruto da Escola de Frankfurt foi a perversão intelectual, psicológica e moral da juventude, que se tornou adulta depois de 68 e passou a ocupar posições-chave na sociedade civil e passou a apagar todos os vestígios de ordem e valores. Agora o homem não deve mais ser considerado um “animal racional” (Aristóteles), mas um “animal apaixonado”, composto apenas de instintos e impulsos desordenados, não mais subserviente ao intelecto e ao livre-arbítrio, mas desencadeados e levados ao paroxismo por meio da psicanálise pansexualista freudiana, uma inversão do ascetismo cristão, que por sua vez busca, com a ajuda da graça, tornar as tendências ou os instintos subservientes ao intelecto e à vontade do homem, para que ele possa ser seu próprio mestre. Em 1965, Marcuse exaltou a força revolucionária da prática homossexual como uma rejeição da diversidade e da procriação (Eros e civilização, Turim, Einaudi, 1966, p. 192); em 1969, Jean Paul Sartre defendeu o incesto como uma libertação da família (Tout, nº 12) e, em 1977, ele até se pronunciou a favor da pedofilia (Le Monde, 26 de janeiro). A “revolução cultural” é, na realidade, a mudança ou a reviravolta (revolutio) completa não apenas do modo de vida cristão, mas também do humano (pensar e agir livremente), por meio da destruição ou perversão das capacidades volitivas e de raciocínio do homem, que são, assim, degradadas ao nível da besta.

A Escola de Frankfurt não quer uma revolução sangrenta ab aextrinseco [desde fora], mas uma degeneração sangrenta e “suave” ab intrínseco [desde dentro]. Assim também é o modernismo no campo religioso. Ela não está mais satisfeita apenas com a “hegemonia cultural” social gramsciana, mas quer a desintegração total e a perversão do de cada homem por meio do eros, drogas, música rock, moda e revistas de variedades e celebridades. De certa forma, ela é mais cruel do que o Gulag, porque o Gulag tira a liberdade física, enquanto a Escola de Frankfurt também destrói a liberdade interior, a qual torna o sujeito verdadeiramente humano, ou seja, inteligente e livre para aderir à verdade e fazer o bem.

Essa escola filosófica, embora seja esquerdista, tem um forte valor elitista radical-chique. Na verdade, são os intelectuais (marionetistas) que fazem com que os alunos (marionetes) façam a confusão, o pandemônio, o tumulto ou a revolução. A inteligentsia (o filósofo e o psicanalista) é a bruxa, que pode desencadear as paixões mais baixas do homem e voltá-las contra o próprio homem (revolutio in interiore homine), que é odiado, levianamente, como uma criatura de Deus. Parafraseando Pio XII, se Lutero disse: “Cristo sim, Igreja não”, Robespierre: “Deus sim, Cristo não” e Marx: “Deus não”, a revolução cultural diz: “homem (criado à imagem de Deus) e até mesmo o ser e a realidade não”.

O principal adversário a ser derrubado era, antes de tudo, a velha Europa (década de 1930), que ainda mantinha parcialmente os vestígios da metafísica grega (Platão e Aristóteles), da ética e do direito romano (Sêneca e Cícero), da patrística (Santo Agostinho), escolástica (Santo Tomás) do direito canônico (São Gregório VII – Bonifácio VIII), e que naqueles anos estava tomando um caminho considerado perigoso na luta contra a Revolução, pois colocaria em oposição a si tanto o bolchevismo no Oriente quanto o supercapitalismo no Ocidente. Foi lá, na terra do supercapitalismo, que a Escola de Frankfurt se refugiou de 1933 a 1950 para combater o velho continente que ainda estava muito ancorado em valores metafísicos e éticos. A Europa tinha de ser destruída ou depravada. A Segunda Guerra Mundial a semi-destruiu militarmente e a Escola de Frankfurt a depravou espiritualmente.

Entre outros assuntos, a música foi estudada por Adorno como um meio de subverter e “des-integrar” o homem, uma vez que, antes de Adão pecar, o dom da “integridade” tornava o homem perfeitamente senhor de seus instintos, enquanto a psicanálise o escraviza a eles, exacerbando a tendência ao mal deixada em nós pelo pecado original. Ao remover a harmonia e introduzir apenas o ritmo obsessivo, a música é um excelente instrumento de depravação mental e moral, pois libera as paixões do apetite concupiscível em detrimento do irascível (música marcial) e da racionalidade (música harmônica, gregoriana e clássica). A partir dos EUA, Marcuse lançou uma campanha ideológica de distribuição em massa de músicas e canções sensuais, rítmicas e sincopadas, por meio das quais o homem, tendo se tornado interiormente escravo de suas fantasias e ritmos obsessivos, perdeu sua liberdade psicológica.

Outro meio de subversão foi a droga, concebida como um instrumento de revolução “psicodélica” (= o movimento de um pensamento e reação ocultos por meio de alucinógenos). Um slogan de 1968 era: Imaginação no poder, onde a imaginação significava alucinação ou devaneio por meio do uso de drogas. Tudo isso implica uma rejeição radical da realidade, pois ela é o efeito criado e finito que nos leva de volta à Causa primeira, incausada e infinita. Com 68 e depois de 68, a única anormalidade é a norma ou regra, a única desordem é a ordem, a única certeza é a dúvida. As drogas também são um trampolim para ir além do real, para se “satisfazer”, para voar em direção ao sol como Ícaro (exceto para acabar como ele).

A mistura de povos e grupos étnicos (“babelização”) foi concebida como um “pé de cabra” para romper a ordem da civilização europeia, que se baseia na lógica aristotélica e no princípio da identidade e da não-contradição. Os “frankfurtianos” confrontaram isso com a “cultura” afro-americana do extremo ocidente, que substitui o raciocínio dedutivo por uma intuição instintiva pré-tensionada, auxiliada por alucinógenos “biologicamente puros”, típica dos aborígenes e das “culturas” tribais. O lema de um deles (Allen Ginsberg, +1977) era: “as drogas enegrecem o homem branco”. O único método a ser seguido era a “instintivação total”: “a realidade é uma prisão e a chave [para sair] é a loucura”.

“Frankfurt” também entendeu que não se deveria usar livros (muito longos e difíceis para as massas), e nem mesmo artigos e panfletos, mas deveria “deseducar” por meio da música, imagens (TV e revistas de variedades, celebridades e pornográficas) e também pela cibernética.

***

Em tudo isso, parece-me que é possível discernir uma semelhança entre o renascimento cultural e o modernismo.

De fato, São Pio X escreveu em sua encíclica Pascendi (1907) que o modernismo quer transformar a Igreja e sua doutrina a partir de dentro, não mais à maneira dos hereges e dos cientistas, que, deixando a Igreja, a combatiam aberta e amargamente a partir de fora, mas permanecendo bem escondidos dentro dela e ocupando seus lugares-chave, a fim de demoli-la ab intrinseco de maneira pantanosa e aveludada.

O plano modernista, esmagado pelo Papa Sarto, ressurgiu na década de 1940 e foi condenado por Pio XII na encíclica Humani generis (1950) como neomodernismo ou nouvelle théologie. Infelizmente, com a morte do Papa Pacelli (1958), o neomodernismo recuperou o vigor e, lentamente, com o Concílio Vaticano II, conseguiu revolucionar até mesmo os membros da igreja até o topo. Assim, no ambiente católico, depois de quarenta anos de pós-modernismo ou niilismo teológico, encontramos efeitos semelhantes aos que vimos, mutatis mutandis, no ambiente civil: feminismo eclesiológico, revolta contra a autoridade dos pastores, evolucionismo dogmático, modas indecentes, a-moralismo subjetivo ou situacional, subjetivismo na arte sacra e na música.

A questão da moda pode parecer de pouca importância (e pareceu ser para os Padres do Concílio), mas ajudou muito na perversão da mentalidade e dos costumes. Stan Cohen, na revista de história “Novecento” (março de 2003, nº 5), escreveu: “Os anos 60 espalharam o pânico moral. Na Itália, experimentou-se um medo coletivo: o descompromisso, os ideais fracos e a ausência de valores sólidos geraram apatia e produziram uma geração mole, superficial e arrogante. Nas escolas, a recusa em educar se espalhou; nas famílias, os pais desistiram da paternidade para se tornarem amigos de seus filhos. No vestuário, a moda americana produziu um novo estilo de vida que mudou a moral e o mundo: a minissaia, calças femininas justas, homens com cabelos compridos. Foi introduzido um estilo de vida agitado, um estilo errante”. O jornal La Stampa, de Turim (29 de junho de 1965), deu a manchete:

“Verão de 1965, os Beatles na Itália. Histeria coletiva” e continuou: “Estamos testemunhando a degeneração do comportamento dos jovens, eles parecem um monte de autômatos, semelhantes a epilépticos ou possessos”.

O efeito da música rock foi liberar os jovens de todas as “inibições”, ou melhor, do senso de modéstia, para cortar os laços com suas famílias e viver como pessoas desenraizadas. A música pop foi vivenciada como um protesto contra a geração anterior: os pais. Suas palavras ridicularizam a autoridade, a Igreja, a moralidade, o professor, o marido e a tradição. A única vergonha é a vergonha. O gênero rock (derivado do boogie-woogie, trazido pelos “libertadores” americanos para a Europa em 1945) baseia-se em premissas afro-americanas, extraídas de antigos costumes tribais, para liberar as inibições, ou melhor, o autodomínio. Muitos conjuntos musicais (Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd) têm sido aríetes para animalizar o homem europeu, onde o darwinismo ocorreu, mas ao contrário: do homem nasceu o “macaco”.

No que diz respeito às revistas de variedades, celebridades e novelas, “Novecento” (maio de 2004, n. 19) as coloca na origem da cultura de massa libertária e libertina e do feminismo, que rebaixou a mulher e a degradou do posto de “domina, mater et mulier” para o de fêmea como puro objeto de concupiscência. Além disso, na década de 1970, a psicanálise, de um fenômeno elitista, tornou-se “terapia de grupo” e foi exportada para as massas, entrando nas famílias, escolas, seminários e conventos. Freud venceu.

O Concílio Vaticano II apresentou uma virada libertária no ambiente eclesial, com a liberdade religiosa decorrente da dignidade absoluta da pessoa humana (“Dignitatis humanae”), teoricamente fundamentada na “Gaudium et spes” n. 22: “Pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem.”, com a colegialidade (“Lumen Gentium”), que revolucionou a constituição monárquica da Igreja, como Cristo a fundou, dando um sentido igualitário entre o papa e o corpo de bispos, e com o falso ecumenismo que faria da Igreja uma irmandade universal de todas as religiões, especialmente as monoteístas (“Nostra Aetate” e “Unitatis Redintegratio”).

A conclusão me parece ser a seguinte: a década de 1960 deu início à revolução total, primeiro social (cultural e religiosa), depois in interiore homine. A revolução filosófica-social começou com a Escola de Frankfurt, que liberou o instinto contra a razão, a animalidade contra a racionalidade e, assim, destruiu o livre-arbítrio. O livre-arbítrio religioso começou com o Vaticano II e, partindo de uma espécie de pan-cristianismo teilhardiano, chegou ao ponto de conceder o direito de liberdade, no foro externo e público, a opiniões falsas, mesmo em questões religiosas, e introduziu o liberalismo no mundo católico, que a Igreja sempre condenou desde o início, de Gregório XVI a Pio XII.

2. O estruturalismo francês

A revolução cultural-acadêmica na França se autodenominou Estruturalismo. Seus principais representantes são: Jean Paul Sartre (1905-1980), Claude Levy-Strauss, (1908-2009) Jacques Lacan (1901-1981) e Louis Althusser (1918-1990).

O estruturalismo é caracterizado por: 1) a massificação da pessoa humana, que deixa de ser um indivíduo e se perde na coletividade; 2) o “pensamento selvagem” (Claude Levy-Strauss, “O pensamento selvagem”, 1964), que aborda apenas o concreto ou perceptível e rebaixa o intelecto humano ao nível da sensibilidade animal. A razão, deificada e supervalorizada pela Revolução Francesa (Iluminismo racionalista) ou “modernidade” (de Descartes a Hegel), é desvalorizada pela revolução estruturalista-francófona (ou “pós-modernidade”) e reduzida a uma forma de sensualismo, combinada com sentimentalismo e niilismo (início do século XX: Nietzsche e Freud), que atingiu seu apogeu com a Escola de Frankfurt e a Escola Estruturalista, especialmente com o maio de 1968 ou a eclosão da revolução cultural.

Esse último estágio da revolução tinha a tarefa de destruir o conhecimento racional, a moralidade e até mesmo a própria existência do indivíduo (levado até mesmo ao suicídio pelo existencialismo niilista de Sartre). Os meios utilizados foram o sensismo filosófico inglês do século XVIII, retomado e atualizado, a magia ou o esoterismo do Extremo Oriente[10] como uma forma de conhecimento suprarracional ou a-racional, a moda e a música “pop” (que desencadeiam paixões sensíveis em detrimento do conhecimento racional e da vontade). O estruturalismo é caracterizado por seu ódio a tudo o que é racional, dedutivo, sistemático, lógico ou metafísico (conhecimento da substância inteligível das coisas sensíveis) em favor da vagabundagem da imaginação e da fantasia, da sensibilidade e do sentimentalismo. É a radicalização do ceticismo empirista ou sensista contra a metafísica clássica e tomista.

Teoconservadorismo ou liberalismo católico

a) Raízes remotas do teoconservadorismo europeu e italiano (empirismo)

O atual neoconservadorismo norte-americano, que encontrou asilo na Itália entre os “ateus-devotos” ou “teoconservadores” (Marcello Pera, Giuliano Ferrara, Oriana Fallaci) e que parece ter encontrado um ponto de apoio em Bento XVI, é uma conclusão revisada, corrigida e atualizada do estruturalismo francês e do “frankfurtianismo” germânico-estadunidense. Para nós, isso parece o clássico dar “um passo para trás para dar dois para frente”. A subversão, com efeito, faz uso de certas metamorfoses ou mudanças aparentemente profundas, mas que deixam o pandemônio inalterado na realidade, e faz também uso de certos recuos táticos ou estratégicos para retomar a corrida com um movimento uniformemente acelerado. O teoconservadorismo é uma dessas metamorfoses ou recuos estratégicos para exportar a agitação e o tumulto ao redor do mundo [nota do blog: o conservadorismo no Brasil também]. Com efeito, como é possível conciliar a metafísica grega e a dogmática católico-romana com o estruturalismo, que é a conclusão lógica do empirismo e do sensismo inglês do século XVIII, tal como conciliou o neoconservadorismo americano? A metafísica aristotélico-tomista afirma a capacidade da razão humana de conhecer a essência das coisas com certeza, e a teologia dogmática romana eleva a metafísica à serva da Fé; o empirismo sensista, porém, nega tanto a possibilidade da metafísica quanto a definição de Fé como adesão intelectual a verdades objetivas reveladas por Deus e propostas para crença pela Igreja.

O liberalismo tem sua raiz na concupiscência, que rompe a relação intelecto-vontade-sensível e dá ao sensível predominância sobre a vontade e a inteligência. O liberalismo, com sua falsa noção de liberdade como um fim e não como um meio, vira a alma do homem de cabeça para baixo, inverte-a e subverte-a de modo que o homem, a fim de obter uma liberdade ilusória, torna-se escravo das paixões ou das tendências desordenadas (tal como o viciado o é das drogas). Além disso, o objetivo final do liberalismo é o mesmo do social-comunismo: a anarquia, onde reina a liberdade absoluta de fazer o que quiser. O ódio pela lei objetiva e por qualquer liberdade torna o liberalismo e o neoconservadorismo semelhantes ao marxismo, tanto que a maioria dos neocons americanos e dos conservadores italianos são intelectuais trotskistas que apenas mudaram de tática ou de marcha (“lenta”)[11].

Dessa impossibilidade de conciliação teórica decorre a impossibilidade de conciliação política entre o liberalismo (que faz da liberdade um absoluto ou um fim) e a doutrina política católica (para a qual a liberdade é um meio que é bom se nos ajuda a alcançar o Fim, caso contrário é perverso). O Magistério tem condenado consistentemente o liberalismo católico, bem como o socialismo católico.

Do ponto de vista econômico, o liberalismo, como conclusão do liberalismo político, não se encaixa bem na doutrina social da Igreja: para o liberalismo, a economia é a arte de ficar cada vez mais rico, ao passo que, para a doutrina católica, a economia é a virtude da “prudência familiar”, que ajuda a escolher os melhores meios para manter o fogo doméstico aceso. A riqueza não é o fim, mas um meio, que pode ser bom ou ruim, dependendo de como é usada. Com efeito, se alguém faz da riqueza um fim, há uma desordem e, portanto, a natureza crematística (Aristóteles) ou negocial (Santo Tomás) da liberdade é objetivamente um pecado mortal de idolatria a Mamon ou ao “bezerro de ouro”.

Sensismo pragmático e liberalismo são os pilares da cultura americanista. É claro que nem todo americano é americanista, mas aqueles que governam a América do Norte o são. Ora, parece que os teocons italianos querem casar o americanismo com o catolicismo romano (quod repugnat). Também não se deve esquecer que as raízes americanas são o puritanismo calvinista, o judaísmo talmúdico e a maçonaria britânica; enquanto as raízes europeias são a metafísica grega (Sócrates, Platão e Aristóteles), o direito romano ou a filosofia natural (Cícero e Sêneca), elevados sobrenaturalmente pela Patrística, pela Escolástica e pelo Direito Canônico (especialmente de São Gregório VII a Bonifácio VIII). Ora, essas raízes são diametralmente antitéticas. Por isso, essa dita conciliação é absolutamente impossível.

b) Raízes próximas do teoconservadorismo italiano (Burke e Kirk)

Portanto, não parece que a alternativa para o perigo da modernidade, do gramscismo e do niilismo seja a “Revolução Conservadora” anglo-americana teorizada por Edmund Burke (1729-1797) e Russell Kirk (1918-1994), como Marco Respinti[12] quer que seja. De fato, Edmund Burke, seguido por Russel Kirk, acreditava que a Revolução Francesa (progressista) era essencialmente diferente da Segunda Revolução Inglesa (1688) e da Revolução Americana (ou Guerra da Independência 1776-1783), que eram tradicionais e conservadoras. De acordo com essa linha de pensamento, os EUA dariam continuidade à herança clássica (greco-romana) e cristã-medieval[13]. A América seria, portanto, a atualização do cristianismo europeu e representaria uma espécie de pré-modernidade ou pré-iluminismo, na medida em que não seria conscientemente iluminista[14]. Essa corrente de pensamento (Movimento Conservador Americano, de matriz kirkeana) veio à tona em 1980 com o governo Ronald Reagan, especialmente em sua ala “neocon” e neoliberal[15], representada por George Bush pai e George W. Bush (filho). Russell Kirk, de acordo com Respinti, “nos oferece a imagem de uma América que defende os valores da tradição clássica e cristã, de acordo com os verdadeiros princípios defendidos pelos Pais Fundadores de sua nação” (que, no entanto, acrescentamos, eram calvinistas, antianglicanos e ferozmente anticatólicos, com fortes tendências antitrinitárias, mais próximos do judaísmo talmúdico do que do Evangelho; e, reforçamos, há apenas uma Igreja fundada por Cristo, que é a Igreja Católica, Apostólica e Romana)[16]. Outro discípulo cultural de Burke, Friedrich von Hayek, distingue claramente o bom liberalismo anglo-americano, por ser conservador, do liberalismo europeu, que é ruim por ser progressista e racionalista. Outros pensadores que são discípulos espirituais de Burke e “confrades” de Kirk são Karl Raimund Popper e Michael Novak. O próprio Kirk explica que a Revolução Francesa foi uma revolução total, enquanto as revoluções inglesa e americana foram defensivas, e não agressivas; de fato, elas impediram a eclosão de revoluções mais sangrentas e radicais exatamente porque eram essencialmente conservadoras. Kirk (na ocasião de três conferências realizadas na Itália em 1989, e reproduzidas no livreto editado por Marco Respinti) define a Guerra de Independência Americana como uma “Revolução impedida” ou “não feita”, pois defendeu os direitos costumeiros (ou “tradições”) da gloriosa Revolução Inglesa de 1688 e impediu o surgimento de um radicalismo revolucionário semelhante ao francês[17]. Kirk afirma efetivamente que, enquanto a Revolução Francesa foi feita em ódio ao cristianismo, a Revolução Americana foi feita em um espírito de “forte apego… às igrejas cristãs e aos princípios morais” (mas certamente não ao papado, visto como o anticristo pelos colonos americanos, e nem à única Igreja de Cristo, fundada em Pedro, n.d.a.)[18]. Com efeito, continua Kirk, “na América, nenhum golpe foi infligido contra a fé cristã. Dos homens que assinaram a Declaração de Independência, a grande maioria era de cristãos praticantes de uma denominação ou outra” (ou seja, muitos calvinistas, alguns anglicanos e… nenhum católico, n.d.a.)[19]. O católico Kirk exalta “o calvinismo rígido de Jonathan Edwards”[20], um ministro congregacionista de Massachusetts, que defendeu a doutrina calvinista rigorosa do pecado original e da fé-confiança, por isso “ensinava a perversidade da natureza humana”[21]. Por fim, os colonos americanos são defendidos por Burke e depois por Kirk porque “alegaram resistir às perigosas inovações do rei George III da Inglaterra”[22].

Conclusão

A partir das décadas de 1920-1930, testemunhamos a escalada exasperada da subversão. Com efeito, primeiro houve uma revolução que se propôs a entrar gentil ou demagogicamente na sociedade civil-cultural para nos “convencer”[23] da bondade do materialismo dialético marxista (Antonio Gramsci). Em seguida, houve uma revolução que buscou reconciliar o cristianismo com o marxismo, esvaziando-o primeiro de seu dogma e depois tornando-o pura práxis, graças ao diálogo (Ernst Bloch), e isso foi totalmente acolhido pelo Vaticano II. Então houve uma degeneração extrema ou desordem niilista, que não se contentava mais em dissolver apenas a sociedade civil, a família e a religião, mas queria destruir ou desintegrar o próprio homem (a “marcha veloz” da subversão) precisamente naquilo que o torna homem (intelecto e livre-arbítrio) por meio das drogas, álcool, psicanálise pansexualista, sensismo e brutalização da pessoa humana: Escola de Frankfurt (1920-70) e Estruturalismo Francês (1940-70). Então, na década de 1980, diante de tanta decadência produzida por “Baco [álcool], tabaco [drogas] e Vênus [pansexualismo freudiano]”, que “reduzem o homem a cinzas”, como diz o ditado, nos EUA buscou-se um remédio no neoconservadorismo católico-liberal ou na “revolução conservadora”, que, no entanto, não cura nem a sociedade civil e religiosa e nem o indivíduo, sendo um substituto ou metamorfose da revolução comunista e niilista e não seu antídoto. Mas a subversão também usa suas metamorfoses para fazer recuos estratégicos quando percebe que foi longe demais e provocou meias reações, a fim de retomar a corrida assim que o perigo tiver passado. Em suma, a “revolução conservadora”, sendo uma semi-revolução, não pode nem mesmo ser potencialmente antirrevolucionária, mas é apenas uma espécie de analgésico e não uma desintoxicação. Assim como não se pode curar um viciado com analgésico ou uma droga leve, também não se pode curar o comunista ou o socialista-católico e o “niilista aniquilado” com o liberalismo, que é pai do socialismo e avô do niilismo. O semi-contrarrevolucionário também é o filho (embora um pouco preguiçoso) da Revolução. Portanto, o neoconservadorismo americano e o teoconservadorismo europeu, e especificamente o italiano, são apenas uma falsa alternativa ao comunismo e ao niilismo, uma desaceleração da subversão (a “marcha lenta”) para recuperar o ímpeto.

A maléfica ideia de esconder a reação à subversão adoçando-a, diluindo-a, tornando-a simpática, não exagerando a degeneração, é o empobrecimento final do potencial antirrevolucionário, anulando a força de sua reatividade e entregando as armas sem lutar. Aderir ao sistema revolucionário em voga do neoconservadorismo (simetricamente semelhante e oposto ao gramscianismo) para combater o sistema radical (comunismo e niilismo) significa pular do quinto andar para não cair do sexto, iludindo-se com a ideia de que pode se safar. O verdadeiro remédio é o retorno à verdade integral, à realidade, ao ser e, finalmente, a Deus; não é um meio-veneno, que mata do mesmo jeito, embora menos rápido. O processo revolucionário não é imparável. Com a graça de Deus e a boa vontade ou o livre-arbítrio, tudo é possível.

O paroxismo da Revolução (comunismo igualitário e destrutivo e niilismo) está virtual e totalmente contido em suas causas (liberalismo naturalista e sensista, que está basicamente em contato com o vírus da subversão e, portanto, incapaz de ser anti-subversivo). Ora, é bem sabido que a “marcha rápida” da revolução (niilismo), mesmo que não seja acompanhada de feitos, atrai a atenção e desperta admiração secreta junto à revolução lenta ou conservadora (teocoservadorismo), composta de “puritanos”, moderados e medíocres.

Portanto, é necessário adotar uma atitude diametralmente oposta à subversão aguda ou moderada; uma atitude composta de firmeza inabalável e não de compromisso, acomodação ou entrismo: em suma, uma conversão que se opõe completamente à Revolução, seja ela lenta ou rápida. É claro que o neoconservadorismo não pode fazer nada disso. Se um rebanho fosse atacado por uma matilha de lobos vorazes, disfarçados de ovelhas, e o pastor afugentasse as vespas ou as abelhas, mas deixasse os lobos intactos, ele seria um mau pastor. Hoje, é necessário, teologicamente, esmagar os adversários maiores da Igreja e não se contentar em expulsar apenas os inimigos menores.

Dominicus

*Nota de Dominus Est: Este texto é uma continuação natural de outro publicado aqui, intitulado (NEO)CONSERVADORISMO – UMA IDEOLOGIA ATEU-REVOLUCIONÁRIA CAPAZ DE SEDUZIR OS CATÓLICOS. O tema ganhou novo vigor, principalmente após a ascensão de Trump e Bannon nos EUA e Bolsonaro no Brasil. Políticos conservadores têm levado muitos católicos ao engano, por vagamente parecerem que defendem algo de bom. Mas a aparência de bem proporciona que enganos muito maiores sejam perpetrados.

Notas

1. Cf. R. Garrigou-Lagrange, L’éternelle vie et la profondeur de l’ame, Parigi, 1950.

2. Augusto Del Noce, L’ eurocomunismo e l’Italia, Europa Informazioni, Roma, 1976. A. Del Noce, Carlo Marx: Scritti giovanili, Japadre, L’Aquila, 1975. Para a compilação da segunda parte deste capítulo, utilizei principalmente os escritos de Del Noce Eurocomunismo, Alleanza Cattolica. Croce di Torino, 1978, publicação própria. Cf. também: Gramsci, Togliatti, Longo, Berlinguer, Il compromesso storico, Newton Compton Editori, Roma, 1975. T. Molnar, J. M. Domenach, A. Del Noce, Il vicolo cieco della sinistra, Rusconi, Milano, 1970. A. Del Noce, L’eurocomunismo e l’Italia, Europa Informazioni, Roma, 1976.

O autor que melhor estudou o fenômeno do eurocomunismo foi Augusto Del Noce, que, embora tenha partido de posições católico-comunistas, compreendeu sua malícia intrínseca e explicou sua natureza com brilhante perspicácia. O que considero criticável na estrutura delnociana é seu filo-ontologismo. De fato, Del Noce distingue duas linhas da filosofia moderna: a primeira (verdadeira e positiva) seria a modernidade cristã ou ontológica, a segunda (falsa e negativa) é a modernidade imanentista. Descartes, de acordo com ele, é suscetível a duas leituras, uma racionalista e subjetivista; a outra, ontologista. Entretanto, supondo que seja esse o caso, resta saber se o ontologismo é essencialmente diferente do subjetivismo e se pode ser lido de acordo com a sã filosofia do realismo do conhecimento e da primazia do ser. Essa segunda leitura me parece impossível. Deve-se dizer também que o encontro com Etienne Gilson orientou Del Noce em direção a Santo Tomás. No entanto, ainda é verdade que a linguagem e o vocabulário de Del Noce não são escolásticos. Com efeito, ele é mais um historiador crítico da filosofia moderna e pós-moderna e um filósofo da história do que um estudioso especulativo-sistemático. Ele ainda tem simpatias por Pascal, Malebranche e Rosmini, interpretados à luz do tomismo (quod repugnat), mesmo que não se possa negar que ele entendeu e refutou a essência da filosofia moderna e pós-moderna com grande penetração e lucidez crítica. Del Noce mostra como o resultado necessário da modernidade e do marxismo é o niilismo, ou seja, a dissolução de ambos em seu oposto (Il suicidio della rivoluzione, Milão, Rusconi, 1978). Ele previu com lucidez o resultado hedonista e narcisista de nossa era.

3. Ibidem, p. 9.

4. A. Gramsci, Quaderni dal carcere, 4°. vol., Einaudi, Torino, 1975, pp. 2010-2011.

5. Eurocomunismo. “Alleanza Cattolica”, cit., pag. 10.

6. Cf. A. Gramsci, op.cit., p. 811.

7. E. Berlinguer, La questione comunista, ed. Riuniti, Roma, 1975, vol. 2°, p. 655.

8. A. Gramsci, Scritti politici, ed. Riuniti, Roma, 1973, vol. 2°, p. 42-46.

9. Eurocomunismo. “Alleanza Cattolica”. Cit. pag. 7

10. O esoterismo ou ocultismo, pressupondo o panteísmo e o imanentismo, é o mais revolucionário, pois busca tornar Deus e o homem iguais, ou até mesmo matar Deus para que o homem possa tomar seu lugar. O ecumenismo modernista é uma consequência desse pandemônio metafísico teológico, de sua derrubada ou inversão, pois trata todas as religiões igualmente, negando — pelo menos na prática — o princípio da não-contradição. Etimologicamente, esoterismo vem de “eisoteio”: estar oculto, enquanto verdade vem de “aleteia”, aquilo que é visto e não está oculto. Portanto, por definição, o esoterismo é uma falsidade que se choca com a evidência de princípios conhecidos ou imediatamente óbvios. A globalização ou o mundialismo, que busca fundir todas as raças, povos, nações e estados em uma única república universal, é igualmente subversiva, confusa ou revolucionária.

11. Essa “revolução lenta” é conatural a um certo “falso tradicionalismo”, que tem apego às aparências puras ou às formas externas antigas, sem nenhum amor pela doutrina que deveria sustentá-las, e Pio XII o chamou de “arqueologismo insano”. Não é coincidência que os conservadores católicos italianos lutem pela missa tradicional, até mesmo com rendas e barrete, sed nec plus ultra! O perigo atual para aqueles que estão ligados, ao contrário, à substância da Tradição dogmático-moral e litúrgica da Igreja é o de aceitar a coexistência do modernismo e da Tradição, permanecendo imóveis e tranquilos, com medo de condenar o que for falso na ideologia dominante ou no “teologicamente (ou politicamente) correto”, contentes com a coexistência do verdadeiro e do falso, do bem e do mal, para não serem tachados de “profetas da desgraça”. Então, alguém se apresenta como um “tradicionalista com rosto humano”, inicia a “teologia da mão estendida” ou da “distensão” e acaba como Eva, que, por querer “dialogar” e estender a mão à serpente infernal, acabou arruinando Adão e todos os seus filhos. Cuidado: se a revolução pode se calar covarde e fraudulentamente, o catolicismo não pode. Certamente pode e deve matizar expressões, distinguir, agir gradualmente, mas nunca mentir e esconder a verdade, se ela for questionada. São Pio X escreveu: “Não é justo e nem decente simular, cobrindo a profissão pública do catolicismo com uma bandeira equívoca” (Carta ao presidente da União econômico-social da Itália, 22 de novembro de 1909).

12. M. Respinti, Russel Kirk. Stati Uniti e Francia: due Rivoluzioni a confronto, Bergamo, Edizioni Centro Grafico Stampa, 1995.

– Edmund Burke: nasceu em Dublin em 12 de janeiro de 1729. Ele era anglicano como seu pai, enquanto sua mãe era católica. Como político, pertencia à corrente Whig do liberalismo inglês, “nutrida pela tradição lockeana”. Em 1790, ele argumentou sobre a diferença abismal entre as Revoluções Francesa e Inglesa: “a de 1688 [foi] tão justificada e tão legitimada […], seguindo as linhas das liberdades inglesas e do protestantismo [tradicional anglicano-conservador], e a de 1789, efetivamente subversiva, abertamente iconoclasta e ateísta” (J. J. Chevalier, Storia del pensiero politico, vol. 3, Bolonha, Il Mulino, 1986, p. 61). Chevalier explica que Burke (Ibid, p. 63) “era de fato um liberal, mas à maneira inglesa”, ou seja, moderado e conservador (Ibid). Entretanto, sua doutrina política, embora criticasse corretamente a abstração do racionalismo iluminista francês, que depositava muita fé no raciocínio humano, era, por sua vez, devedora da filosofia inglesa empirista e sensista, que desvalorizava excessivamente as capacidades do intelecto humano, reduzindo-o ao puro conhecimento sensível. Essa concepção era devedora do pensamento protestante luterano clássico, que afirmava que a alma humana (sobretudo o intelecto e a vontade) era totalmente corrompida pelo pecado original e, portanto, incapaz de conhecer racionalmente a substância das coisas e de querer livremente. Portanto, embora a crítica de Burke à revolução de 1789 seja válida, seus princípios filosóficos não são compatíveis com a reta razão ou com a fé revelada. Chevalier explica que Burke tinha “horror à […] metafísica; a implicação disso […] era uma paixão pelo concreto” (Ibid). Essa é uma filosofia sensista anti-metafísica, anti-platônica e anti-aristotélica-tomista, portanto, em contradição com o espírito greco-romano clássico e com a filosofia realista do ser, tanto patrística quanto escolástica. Portanto, Burke, especulativamente, representa a modernidade contra a metafísica, embora politicamente ele tenha criticado — como um bom e moderado liberal-conservador — os aspectos racionalistas, ateus e progressistas de 1789. Nada mais. Portanto, parece impossível tomá-lo como um modelo para a restauração da civilização clássica e medieval, que “não é mais algo a ser inventado, e nem é uma cidade nova a se construir nas nuvens. Ela já existia, ela existe, é a civilização cristã, é a cidade católica” (São Pio X). Leão XIII, quando lançou a luta cultural (Aeterni Patris) pela reconquista da sociedade secularizada, disse: “Ite ad Thomam”, e não nos direcionou à “gloriosa” Revolução de 1688, nem muito menos a Burke, que é a antítese — por defeito — do tomismo, assim como o racionalismo francês é sua contradição por excesso. Se alguém quiser restaurar a civilização europeia e cristã, deve tomar o caminho certo, que nos leva ao destino e fica in medio et culmen entre duas estradas falsas, o empirismo e o racionalismo, que não levam ao fim, uma vez que se desviam, um “muito pouco” e o outro “muito”, de modo que em ambos os casos não se é levado ao objetivo ou fim.

Russel Kirk nasceu em 19 de outubro de 1918 nos Estados Unidos. Em 1964, superando o estoicismo ao qual havia aderido, converteu-se ao catolicismo. Ele é considerado o líder do Movimento Conservador Burkeano americano do pós-guerra. Em 1953, ele lançou a cruzada da “Revolução Conservadora” burkeana. Morreu em 29 de abril de 1994.

13. Ibid, p. 4. Em vez disso, a história ensina que a primeira Revolução Inglesa terminou com o regicídio (em 1649) de Carlos I Stuart (anglicano e conservador), por Cromwell (puritano e progressista) e o Parlamento, que já naquela época se opunha ao rei e às liberdades ou tradições concedidas aos ingleses (desde a Idade Média) pela Magna Carta.

14. Ibid, p. 5. Na realidade, o Iluminismo inglês foi menos radical do que o Iluminismo francês, mas tem todas as características do pensamento moderno antimetafísico e anticatólico. Ele se difere do Iluminismo Racionalista Francês (erro por excesso, que exagera as capacidades da razão humana) pelo fato de ser empirista ou sensista, mas esse é o erro por defeito que menospreza as capacidades da alma humana e a rebaixa ao nível dos animais. Ora, “um erro não pode ser corrigido por outro erro”, mesmo que seja menos radical; “todo defeito é um excesso” e vice-versa. A filosofia empirista inglesa é antimetafísica e, portanto, contrária ao pensamento greco-romano clássico; além disso, é protestante (anglicana, embora nem sempre puritana) e, portanto, historicamente pós-medieval, e embora teologicamente seja tributária da verdadeira Igreja de Cristo fundada em Pedro e seus sucessores (os papas).

15. Ibid, p. 10

16. Ibid.

17. Ibid, pp. 13-15. Ora, esses costumes foram defendidos já em 1649 (com a licença de Burke) pela primeira Revolução Inglesa de Cromwell, que terminou em regicídio. Portanto, a única diferença substancial entre as duas revoluções inglesas é que a primeira foi regicida e a segunda não.

18. Ibid, p. 15.

19. Ibid, p. 16.

20. Ibid, p. 17.

21. Ibid. A doutrina católica é essencialmente diferente da de Edwards. Com efeito, o pecado original feriu o homem, mas não destruiu intrinsecamente sua natureza inteligente e livre, tal como ensinou Lutero, seguido e radicalizado por Calvino, segundo o qual o homem não é mais livre nem responsável por seus atos, portanto, ele também pode pecar, desde que mantenha a “confiança” de que é salvo sem mérito, o que para a Igreja Romana é um pecado contra o Espírito Santo ou impenitência final.

22. Ibid, p. 18. Parece-me que o rei inglês George III estava – objetivamente – certo em não querer que os colonos americanos invadissem (e depois exterminassem, como aconteceu) os nativos americanos e tinha todo o direito de aumentar os impostos para equilibrar o déficit produzido pela guerra no Canadá contra a França. Além disso, o Parlamento inglês se voltou contra James II por ele ser católico e não por ser um inovador, de modo que a segunda revolução inglesa, embora não tão puritana ou calvinista quanto a primeira, foi certamente anglicana e anti-romana.

Cf. também R. Kirk, Le radici dell’ordine americano. La tradizione europea nei valori del Nuovo Mondo, organizado por M. Respinti, Milano, Mondadori, 1996. E. Burke, Riflessioni sulla Rivoluzione in Francia, organizado por M. Respinti, Roma, Ideazione, 1998. F. Von Hayek, Liberalismo, Roma, Ideazione, 1996. Idem, Perché sono un conservatore, Roma, Ideazione, 1997. K. R. Popper, La società aperta e i suoi nemici, 2 voll., Roma, Armando, 1977.

23. Cf. Vladimir Volkoff, La désinformation arme de guerre, Paris, Julliard, 1986. O autor, que morreu em 2005, explica em que consiste a manipulação do pensamento das massas e dos indivíduos ou a desinformação. Com relação à hegemonia cultural de Gramsci, seria mais correto falar de fabricação da opinião pública, desinformação ou manipulação intelectual.

A desinformação ou a manipulação da opinião apresenta ideias falsas como se fossem boas e colocam no lugar de ideias que são realmente verdadeiras, mas que são apresentadas de modo a parecerem ruins. Trata-se de um condicionamento da mentalidade de indivíduos, famílias, grupos e povos. A dita mass media e a mídia impressa são uma poderosa ferramenta de desinformação. Eles agora são em grande parte privados e não mais “nacionais” e dependem (além do Estado, que mantém alguma propriedade) principalmente de alguns “indivíduos privados”, que constituem um poder autônomo baseado na riqueza financeira que influencia a vida social, política e até mesmo religiosa. A desinformação (por exemplo, a hegemonia cultural gramsciana), portanto, primeiro intoxica uma pessoa ou um grupo com uma falsidade e depois influencia suas ações. Dessa forma, os espíritos e as mentalidades são condicionados pela “mídia” (o “boca a boca” ou informações públicas impressas ou audiovisuais) de acordo com os desejos de seu “mestre” e, assim, a opinião pública é fabricada.

Pode-se e deve-se reagir à desinformação organizada: a) estudando a verdade; b) não apoiando a mentira desinformante de forma alguma, nem mesmo extrinsecamente ou apenas aparentemente. Comprometer-se com a mentira nos torna escravos dela. Permanecer “dentro” [“entrismo”] de um sistema que se sabe ser falso, para poder pilotá-lo de dentro, não é lícito: o fim não justifica os meios [nota do blog: é um vício contra a virtude da prudência, chamado “prudência da carne”]; c) não permanecer passivos ou cooperadores materiais do erro, mas denunciá-lo: não sofrê-lo e não “cavalgá-lo” (seríamos suas vítimas, talvez inconscientes, mas vítimas mesmo assim: “cavalgar o tigre” significaria ser despedaçado mais cedo ou mais tarde); d) testemunhar a verdade positivamente, depois de ter demonstrado publicamente a “insubmissão ao erro” [Soljenitsin]; e) não dialogar com o demônio: que Eva seja um exemplo para nós (“Pour souper avec satan il faut une longue cuillière”, para jantar com Satanás, você precisa de uma colher longa).