RETIRO EXTRAORDINÁRIO NOS PAÍSES BÁLTICOS – TESTEMUNHO DO PE. KARL STEHLIN

Fonte: La Porte Latine Tradução: Dominus Eststehlin_3

Se a Letônia e a Estônia constituem Estados distintos da Rússia, os padres que, em nome da Fraternidade, asseguram o apostolado nesses países, são os mesmos. A história muito encorajadora que se lê abaixo relata dois retiros espirituais pregados a pastores protestantes. Uma página épica do trabalho da graça.

As boas relações que um pastor luterano da Estônia mantinha conosco, padres da Fraternidade e do Priorado de Kaunas, já eram antigas. E, entretanto, nada permitia suspeitar a iniciativa que este pastor tomaria um dia. Nada, exceto o interesse que ele manifestou pelo ensino tradicional da Igreja católica.

Assim, esse pastor luterano nos surpreendeu, e nos surpreendeu agradavelmente, quando nos convidou para pregar um retiro a alguns dos seus colegas na Estônia. Dissemos sim imediatamente, e então dirigi-me, no dia marcado, ao lugar previsto para acolher os retirantes.

E que lugar! Um presbitério luterano… Lugar no qual um padre da Tradição católica iria pregar os exercícios de Santo Inácio de Loyola às almas seduzidas pela doutrina de Lutero!

Os retirantes não eram, certamente, numerosos: sete ao todo. Estávamos no campo. A igreja do vilarejo datava do século XIII. Estávamos no mês de Novembro de 2007.

Comecei então minha pregação, e anunciei a todos, desde o primeiro dia, que recitaríamos todas as noites o rosário. Um dos pastores, vindo como ele da Letônia, mostrou descontentamento, e justificou-o recordando os argumentos mais habituais que se opõem à devoção mariana na Igreja católica. Lhe respondi colocando em suas mãos um belo rosário, e relembrando as palavras de São Luis Maria Grignon de Montfort: “Afinal, quando você diz o rosário, não fará senão cinqüenta vezes uma oração muito bíblica, cujo centro não é outro senão Jesus. Pois a Ave Maria culmina nestas palavras: ‘Bendito é…..Jesus…”.

“Eu encontrei a Imaculada!”

Admirado, o pastor aceita o rosário e o princípio de rezar dessa forma. O retiro evoluiu muito bem, e terminou com belos frutos de aproximação de vários desses pastores com a doutrina tradicional da Igreja. Quanto ao pastor letão que há pouco referi, exclamou na frente de todos, ao fim do retiro: “Encontrei a minha Mãe! Encontrei a Imaculada! Uma das maiores graças da minha vida!”. “Bom, disse para comigo, ó Imaculada, se é assim, tome-o em vossas mãos ››.

Daí em diante, perdi contato com ele. Seus confrades pastores da Estônia que acompanharam o retiro, e com os quais me reencontrei depois, não souberam me dizer muito bem o que o seu colega da Letônia havia se tornado.

Grande silêncio, portanto… até o 11 de Janeiro passado.

Recebi, com efeito, neste dia, uma mensagem de nosso pastor letão. Ainda tocado pelo retiro que havia assistido na Estônia, me perguntava se eu não poderia pregar um outro, sempre para pastores luteranos, dessa vez na Letônia! Ele fazia questão de convidar seus confrades, e insistia para que o retiro fosse segundo os exercícios de Santo Inácio, porque ele repreende duramente o protestantismo e nele não se encontram palavras vazias…

Era, obviamente, necessário responder a este convite. Ainda estava um pouco preocupado porque o meu correspondente me dizia que os seus colegas, pastores na Letônia, não eram tão “criptocatólicos” como aqueles aos quais havia levado o Evangelho na Estônia, e que no retiro que faria ele deveria esperar numerosas controvérsias. “Se for o caso, disse para comigo, os retirantes dificilmente serão numerosos: três ou quatro, talvez”.

Desembarquei, no fim do mês de Abril de 2008, no aeroporto de Riga. Primeira surpresa: o “cura” da catedral luterana veio pessoalmente me procurar. Ele me conduziu a uma paróquia muito antiga, no interior do país. Segunda surpresa: dezenove participantes vinham ouvir o retiro. Contava-se sete leigos, onze pastores luteranos, e o próprio arcebispo” luterano de Riga, chefe de todos os luteranos da Letônia!

Luteranos perante Santo Inácio

O pastor letão que organizava o retiro me acolheu na casa de retiros. Ele tinha em sua mão o rosário que havia lhe oferecido em Novembro de 2006, e me disse: “Veja, permaneci fiel a “ela”. Todos os dias rezo o rosário, fonte de graças para a minha vida pessoal e para o meu apostolado”. “Vossos caminhos são admiráveis, ó Imaculada”, pensei.

Preguei a eles, então, um retiro inteiro de cinco dias. Os retirantes se reuniam pela manhã para rezar as Laudes, à tarde para as Vésperas e à noite para as Completas. Tanto quanto pude compreender suas orações, utilizavam um breviário beneditino em língua letã. Celebravam, igualmente, cada dia a sua liturgia, que tem semelhanças com o Novus Ordo Missæ, embora o celebrante esteja, no altar, voltado para Deus e a comunhão seja distribuída de joelhos. Acolhido nessa casa, a organização estando a cargo dos pastores que me convidaram, eu observei.

É interessante saber que a “igreja” luterana da Letônia é considerada como a mais conservadora das comunidades luteranas do mundo. Seus discípulos pretendem ter a sucessão apostólica (a Igreja católica não a reconhece, na realidade). A maior parte dos luteranos da Letônia considera o sacerdócio como sacramento, e acreditam, portanto, que seus pastores celebram validamente a missa. Por outro lado, os seus conhecimentos são bastante confusos pois, sobre numerosos pontos de doutrina, lhes faltam clareza.

Controvérsias

Eu aproveitava as instruções que dava para expor em detalhe os pontos da doutrina  controversa. Abordava especialmente sobre a Santíssima Virgem Maria, a Tradição como fonte da Revelação, o Magistério da Igreja e o santo sacrifício. Durante o tempo livre, era frequentemente visitado. Cinco pastores, dentre os onze, vinham me ver regularmente. Eles me questionavam sobre a doutrina, a vida moral e a vida espiritual. Quando eu celebrava a missa, alguns assistiam – dois ou três – e a acompanhavam com enorme interesse.

Vários rezavam o rosário privadamente.

Quanto ao “arcebispo” luterano, ele nunca veio me ver. Entretanto, tomava notas, durante as instruções, sobre um pequeno computador que levava. No fim do retiro, ele me assegurou ter redigido quarenta e cinco páginas desse modo…

Quando os Exercícios terminaram, cada um dos participantes deixou o seu testemunho, como é feito, aliás, em quase todas as ocasiões desse tipo.

As intervenções foram verdadeiramente emocionantes. Um dos retirantes agradeceu as explicações dadas sobre o papel da Santa Virgem na vida cristã. Outro exprimiu a sua gratidão pela exposição clara que tentei trazer sobre a doutrina do santo sacrifício. Todos estavam profundamente felizes por terem vislumbrado uma verdadeira direção para a vida espiritual, sobretudo em matéria de oração e leitura das Sagradas Escrituras.

Alguns, de maneira confidencial, me exprimiram o seu grande desejo de se converter e exercer o seu ministério como padres católicos. Alguns agradeciam seu pregador pelos esclarecimentos que eu lhes havia trazido sobre a crise da Igreja e os perigos do ecumenismo.

O (novo) ecumenismo contra a conversão

Uma pergunta me inquietava. Porque eles tinham se dirigido assim a um padre da Fraternidade Sacerdotal São Pio X? Sua resposta me surpreendeu: com os católicos “oficiais” não se pode ter senão encontros ecumênicos. Consistem em trocar numerosas palavras vazias, e dão a impressão de que os católicos querem fazer tudo para agradar os protestantes. Ora, não é isso que os luteranos estão procurando. Eles desejam a luz sobre numerosos pontos que, na sua confissão, são: ou bem confusos ou bem contraditórios entre si. Apenas, eles me confessavam, um católico de Tradição é capaz de professar a doutrina católica sem equívocos, sem palavras bonitas, mas transmitindo simplesmente as suas convicções.

Finalmente o “arcebispo”  tomou a palavra diante de todos:

A todos os meus pastores, ao maior número de fiéis possível, faz-se necessário levar esse retiro de Santo Inácio. Ele transforma o homem em alguns dias. Farei tudo para fazer pregar esses Exercícios apostólicos. Nada é mais necessário, como antídoto contra o mundo moderno e a perda da fé.”

Fiquei impressionado quando o arcebispo me conduziu pessoalmente a Riga. Havia chegado a hora de partir. As três horas de viagem, de carro, foram ocupadas por uma conversa sobre pontos diversos da doutrina cristã. Ele me conduziu à sua casa, onde tomamos um pequeno lanche. Depois fomos ao aeroporto. Ele mesmo carregou minhas bagagens até o check-in.

Antes de me dizer adeus, ele me pediu para retornar,  para pregar outra vez esse retiro a um número maior de pastores e de luteranos.

Retornando ao Priorado, recebi, duas semanas mais tarde, os agradecimentos do pastor letão que havia me convidado. Ele me agradeceu novamente por esses dias de graças.

Soube, de sua própria boca, que um dos participantes leigos, após o retiro, se converteu ao catolicismo. Como a Fraternidade São Pio X não é conhecida na Letônia, esse retirante se dirigiu a um padre “conservador”, que o recebeu na Igreja.

Os pastores que haviam acompanhado o retiro pediram, da parte deles, que lhes enviasse livros católicos escritos em letão.

É preciso reconhecer que esses livros são pouco numerosos. Mesmo os clássicos da espiritualidade católica são: ou bem difíceis ou impossíveis de se encontrar nesse país. Seria necessário então fazer uma edição, em letão, da Apologética e da explicação da missa tradicional, assim como da literatura mariana.

Um apostolado imenso

Para concluir, devo dizer que raramente encontrei uma audiência de retirantes tão atenta e aplicada, com grande fervor e uma procura sincera da verdade. Que crime, então, faz esse falso ecumenismo atual que fecha a porta às pessoas de boa vontade, e que dá aos não-católicos uma imagem perfeitamente falsa da Igreja Católica!

Imagine então: esses pastores têm um grande desejo de salvar as almas, suas igrejas ainda não estão tão vazias como as dos liberais católicos ou protestantes. Eles desejam ser bons pastores para as almas, essas milhares de pessoas que são, como o retiro prova, igualmente abertos à verdadeira doutrina e à verdadeira espiritualidade. Mas a Igreja católica oficial praticamente lhes proíbe  a conversão. Tocamos aqui no mistério da iniquidade mais profundo.

Que fazer atualmente? Poder estar mais presente nesses países seria muitíssmo importante… Ora, não temos mais que uma pequenina capela na capital da Estônia. Ela é visitada duas vezes por mês por um padre de nosso Priorado. Essa capela, no entanto, tem um certo futuro, porque reúne algumas jovens famílias, ao todo em torno de quarenta pessoas. Quanto à Letônia, há neste país um padre uniata amigo, sob quem reunimos sem regularidade algumas pessoas de rito latino para lhes rezar a missa tradicional. Nosso sonho é poder abrir uma capela em Riga e de nos beneficiar de um padre que poderia visitar regularmente esses países a fim de começar um apostolado sério. Para o momento, não temos nem padres nem meios. Mas, afinal de contas, quando começamos o apostolado no Leste Europeu, o número de padres era dois, e os meios eram praticamente zero! Ora, hoje contamos com dois priorados, dez padres, dez capelas na Polônia, duas na Lituânia, uma na Bielorrússia, essa que acabei de falar na Estônia, sem contar as relações que mantemos com a Fraternidade São Josafá, na Ucrânia.

Eis está a prova que, quando os homens não encontram soluções às suas dificuldades, há sempre uma pessoa que as encontra, que conhece a saída, e para Ela nos voltamos. Ela, que esmaga a cabeça da serpente, que “venceu todas as heresias sobre toda a terra”, Ela terá piedade dos gritos das almas “nas trevas e a sombra da morte”. Como, quando, com quem e com o que? Só Ela sabe.

Cabe a nós pedir o milagre.

Pe. Karl Stehlin, Superior da Casa Autônoma dos Países do Leste

Retirado da Revista Fideliter n° 187