SERMÃO HISTÓRICO DO PE. PAGLIARANI NA PEREGRINAÇÃO DA FSSPX A ROMA, PELO ANO JUBILAR

O Superior Geral da FSSPX, D. Davide Pagliarani, proferiu um sermão no Colle Oppio, composto por cinco partes, cada uma em um idioma diferente: francês, inglês, alemão, espanhol e italiano. O texto aqui apresentado contém a tradução completa.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Excelências Reverendíssimas, caríssimos confrades, caras irmãs, caros fiéis,

Que graça estar aqui hoje, e que alegria para todos nós!

Inicialmente, devo agradecer particularmente a todos aqueles que colaboraram, de um modo ou de outro, com a organização desta peregrinação. Não posso agradecê-los todos, mas ninguém será esquecido na Missa, tanto os leigos quanto os padres.

Também devo agradecer as famílias, que vieram de longe com crianças pequenas, por sua coragem. Deus não vai esquecê-los. Há uma graça especial ligada ao jubileu que vai marcar vossos filhos para sempre.

Roma, cidade dos mártires!

Por que nossa presença em Roma hoje é particularmente importante? Por qual razão?

Roma é, antes de tudo, a cidade dos mártires.

A Providência quis que nos reuníssemos e celebrássemos esta Missa a alguns metros do Coliseu, onde milhares e milhares de mártires derramaram seu sangue por Nosso Senhor. Em uma Roma, de fato, indiferente, onde todo mundo podia entrar, onde qualquer deus podia encontrar seu lugar, pediam aos primeiros cristãos, basicamente, para queimar alguns grãos de incenso. E tudo estaria resolvido… De forma alguma! De forma alguma ofender Nosso Senhor! “Somente a Ele adorarás. E somente a Ele servirás”.

E estamos aqui, 2000 anos depois, para testemunhar a mesma fé. Esta fé que venceu o mundo. Esta fé que venceu o paganismo. Esta fé que não buscou se conformar ao mundo, mas que procurou converter o mundo. É a nossa fé, 2000 anos depois. Estamos aqui com as mesmas intenções.

Defender a fé não é defender uma opinião. Defender a fé é defender Nosso Senhor, defender seus direitos, defender sua divindade. Defender a Verdade. “Sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Esta Verdade que se manifestou ao mundo… este mundo que é propriedade sua, e que não O recebeu, não O reconheceu. Contudo, “aqueles que amam a Verdade me ouvem, me seguem”, e eles estão dispostos a dar sua vida por mim. Eis a lição dos mártires.

E vindo aqui, a Roma, testemunhando nossa fé, o que pedimos à Igreja? O que pedimos à hierarquia da Igreja? Pedimos um privilégio? Pedimos um tratamento especial? Não.

Pedimos a fé. Pedimos a fé que pedimos no dia de nosso batismo. E por uma razão muito simples: é a fé que nos dá a vida eterna.

É essa fé que nos permite conhecer Nosso Senhor, amá-lo, mas também pregá-lo, fazê-lo conhecer, fazê-lo amar. Essa fé que, como se diz, não busca conhecer o mundo, não se dá como missão compreender o mundo – pois Nosso Senhor já conhece muito bem o mundo, conhece muito bem o Príncipe deste mundo. Essa fé, ao contrário, se dá como missão pregar Nosso Senhor ao mundo, para transformá-lo, para convertê-lo. Ora, estamos bem conscientes de que há uma só fé, um só batismo, um só Senhor, uma só Igreja, uma só Verdade, um único Nome dado aos homens para se salvarem. É o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eis o que queremos indicar aqui, em Roma, com essa peregrinação.

E essa fé, queremo-la professada em sua integralidade. Eis o que queremos, o que desejamos, o que pedimos. Inicialmente a Deus e à Igreja. É esta a graça especial desta visita a Roma, que devemos pedir por nós todos, inclusive para as crianças: essa fidelidade inabalável a Nosso Senhor Jesus Cristo. Eis o que desejamos.

Roma, cidade dos Papas!

Logo, os mártires foram as testemunhas da fé: eles selaram sua fé, a profissão de sua fé, com seu sangue… E os Papas, ao longo dos séculos, durante dois mil anos, foram os doutores dessa mesma fé.

O que fizeram os Papas durante vinte séculos? Ora, Roma é a cidade dos mártires, mas também a cidade dos Papas, a sede do Papado. Como poderíamos resumir, em algumas palavras, a história dos Papas, do Papado? Tiveram apenas uma única coisa em mente; orientaram todos os seus esforços a um único propósito, um propósito muito simples: recapitular e restaurar tudo em Nosso Senhor. Eles consagraram todas as suas forças para dar a Nosso Senhor seu lugar, seus direitos. A impelir todos os homens a reconhecer os direitos de Nosso Senhor. Tal foi o propósito, o objetivo de toda a obra do Papado através dos séculos: dar a Nosso Senhor a primazia em todas as coisas.

Instaurare omnia in Christo foi a divisa de São Pio X. Hoje, celebramos sua Missa, e hoje também é aniversário de sua morte. Confiamos a ele todas as nossas intenções, essa peregrinação e toda a Fraternidade.

Contudo, essa ideia de restaurar, de recapitular tudo em Nosso Senhor, conduz a uma luta incessante: a luta contra o pecado, contra as consequências do pecado. E essa luta, esse esforço, durarão até o fim dos tempos, e devem continuar até o fim da história; só terminarão na eternidade.

Esse esforço é a repercussão, o eco, através da história, do próprio esforço de Nosso Senhor. São Paulo soube descrever em poucas palavras o sentido da história com essa ideia: a história terminará quando Nosso Senhor destruir toda a dominação e todo o poder deste mundo, submetendo tudo a Deus, o Pai. Eis o sentido da história. Esta é a obra de Nosso Senhor, e é a obra dos Papas; é a obra da Igreja; é a obra de cada um de nós.

Com qual intuito? Por que tudo deve ser submetido a Deus? Por que Nosso Senhor remeterá ao Pai esse mundo totalmente submetido a Ele? Por quê? Qual é o propósito, a finalidade?

“A fim que Deus seja tudo em todos”. Assim acabará a obra da Redenção: quando Deus for tudo em todos. Mas para alcançar esse propósito, devemos aceitar um combate constante com o mundo, com o Príncipe deste mundo. Vejam quanto a ideia central desse combate é clara.

Não existe, no homem ou neste mundo, uma esfera independente que não esteja submetida ao Reinado de Nosso Senhor. E essa ideia moderna, revolucionária, esse modo moderno de pensar, de que haveria no homem algo que não esteja submetido à autoridade e à Realeza de Nosso Senhor, eis precisamente o que os Papas buscaram destruir, combater. Esse combate de Nosso Senhor é o nosso combate.

Ora, no meio desse combate, temos uma certeza: apesar de todas as vicissitudes dessa luta, a vitória de Nosso Senhor é certa. Um dia ele vencerá tudo, aniquilará seus inimigos, triunfará sobre todos os obstáculos. Estamos aqui em Roma para pedir para os Apóstolos nos concederem a força que precisamos. E estamos aqui para professar nossa fé nesse ponto particular: a vitória final de Nosso Senhor.

Roma, cidade dos Apóstolos!

Nossa presença em Roma por ocasião da peregrinação jubilar se reveste também de uma importância particular – a Fraternidade não poderia faltar nesse compromisso – pois Roma é a cidade dos Apóstolos.

São Pedro e São Paulo vieram aqui para pregar o que viram, ouviram e reconheceram. Vieram aqui para pregar Nosso Senhor. Quando chegaram em Roma, tinham uma ideia muito clara: a de converter o mundo inteiro começando por essa cidade.

Guiados por Jesus, os apóstolos realizaram o que parecia impossível: transformaram Roma. De mestra de todos os erros, essa cidade se tornou discípula da verdade. E é aqui, em Roma, que selaram e confirmaram sua pregação por seu sangue.

Ora, essa pregação, que começou com eles há 2000 anos, é o que mais nos importa: é a Tradição. O que eles ensinaram foi transmitido ao longo dos séculos e chegou até nós. Se, depois de 2000 anos, ainda temos a fé, se estamos aqui hoje para celebrar essa Missa, devemos isso ao ensino deles, à perseverança e ao sangue deles.

Então, nós também devemos voltar para casa com a mesma intenção que os Apóstolos: a de converter o mundo inteiro. Ainda que isso pareça impossível. Ainda que isso possa custar a perseguição.

Roma, cidade da Missa!

Roma é a cidade dos Apóstolos, dos mártires, dos Papas… E Roma, não devemos nos esquecer, também é para nós, para cada católico, a cidade da Missa, da Missa romana.

É a Igreja de Roma que guardou zelosamente, durante dois mil anos, o testamento de Nosso Senhor: a Missa de sempre. Nosso Senhor, como sabemos, entregou à sua Esposa todas as suas riquezas, todas as suas joias…  e ele se dou a Si mesmo à sua Esposa por meio da Santa Missa.

A Roma cristã foi reconstruída com mil igrejas, basílicas, altares… conforme uma ideia muito clara: oferecer a Deus a Vítima imaculada, oferecer a Missa, a Santa Missa. E não temos nada que nos seja mais caro senão o que a Igreja tem de mais caro: a Santa Missa. Ora, não existe nada mais precioso no mundo. Com qual zelo a Igreja e os Papas conservaram a Missa e a protegeram contra os hereges, contra os protestantes!

A fé dos Apóstolos, a fé dos mártires, a fé dos Papas se exprime na Missa e se alimenta dela. E, sobretudo, a realeza de Nosso Senhor continua a se manifestar pela Santa Missa. Nosso Senhor reina pela Cruz. Ele começou a reinar pelo Calvário, e continua a reinar pelo altar, por seu Santo Sacrifício. E, manifestando seu amor pelo Santo Sacrifício, Ele continua a atrair as almas, santificá-las e uni-las a Ele. Em uma palavra, a Santa Missa é a síntese de tudo o que cremos, e ela é a fonte que confirma a fé, que a comunica.

E é daqui, da cidade dos Apóstolos, que a Santa Missa foi levada aos quatro cantos do mundo, para transmitir e fazer conhecer às almas o testamento de Nosso Senhor, para que Ele reine em todo lugar e em toda alma. Ao longo de toda a história, a Santa Missa soube reunir em um único culto os mais diversos povos, sob o sinal da Cruz. Somente a Cruz é capaz de unir os mais diferentes homens, e os mais afastados uns dos outros.

Toda vez que a humanidade buscou um ideal diferente da Cruz, na qual todos pudessem se reconhecer, houve um desastre. E enquanto a humanidade buscar outros ideais, ela sempre encontrará a guerra. E a razão é óbvia: não existe nada no mundo capaz de unir os diferentes povos além de Nosso Senhor.

E isso por duas razões: por um lado, a um único Deus corresponde um único culto. Do outro, o denominador comum de todos os homens é o pecado. É a única coisa que todos os homens, por mais diferentes que sejam, têm em comum. Certamente, não é no pecado que eles podem encontrar a unidade, mas no meio capaz de destruir o pecado, de remediá-lo. Aí, sim, eles podem encontrar a unidade.

Aproveitemos essa peregrinação para pedir à Santíssima Virgem para nos obter a graça de penetrar sempre mais, mais profundamente, no mistério da Santa Missa. Para aprofundar esse mistério, e apreciá-lo, amá-lo e guardá-lo como ela o amou, apreciou e guardou. Com a mesma fé, a mesma gratidão, a mesma caridade.

Roma, cidade de esperança!

Contudo, Roma não deve ser para nós apenas a cidade do passado, a cidade cheia de monumentos cristãos que nos levam a reconhecer a grandeza do passado da Igreja. Roma é muito mais do que isso. Para nós, Roma é a cidade da esperança.

Nossa esperança repousa aqui, sobre os túmulos de São Pedro e de São Paulo. É uma questão de fé. Se viemos aqui hoje é para professar essa fé na indefectibilidade da Igreja, construída sobre a fé dos Apóstolos.

E sabemos muito bem que Nosso Senhor nunca abandona sua Igreja. Nosso Senhor cumpre todas as suas promessas: “Estarei convosco até o fim dos tempos, e as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja romana”.

Deus jamais nos abandona. Independente da provação, independente da catástrofe que a Igreja possa conhecer, ela sempre terá uma graça proporcional para superá-la. A Igreja é divina e romana.

Ao longo de sua longa história, a cidade de Roma foi invadida, ocupada, pilhada, incendiada… porém ela sempre se levantou, ela sempre foi reconstruída. É por isso que a chamam de eterna. É, de algum modo, a imagem material da Igreja: ela também foi pilhada, incendiada, limitada, combatida, sacudida… mas ela sempre se levanta, porque é eterna e divina, e porque Nosso Senhor a sustenta. Sobretudo nos momentos de provação, nos momentos de crise.

Nosso Senhor utiliza uma imagem ainda mais expressiva: a da vinha. Para dar frutos, ela deve ser cortada, podada. Uma vinha podada se parece a um tronco seco, sem vida. Ela deve passar pela provação, pelo sofrimento. E quanto mais uma vinha é deixada em um terreno árido, pedregoso, mais ela é capaz, paradoxalmente, de produzir um bom vinho. O bom vinho não vem de um solo úmido, mas de um solo rochoso.

Esta é precisamente a imagem que Nosso Senhor utiliza, no Evangelho, para manifestar o que é a Igreja. E à essa vinha – que é Nosso Senhor em si, visto que a Igreja é o Corpo Místico de Nosso Senhor – devemos sempre permanecer fiéis, unidos, em meio a todas as provações, a todas as dificuldades, apesar do desencorajamento. Eis porque estamos aqui hoje: para pedir a graça dessa fidelidade.

Roma, cidade mariana!

Roma é, enfim, uma cidade mariana por excelência, e não poderia ser de outra forma. A primeira igreja que foi aberta ao público, assim que foi possível, ainda nos primeiros séculos – e não foi por acaso – foi, parece, Santa Maria do Trastevere, a mais antiga igreja dedicada à Virgem Maria em Roma. Foi a primeira igreja a ser aberta ao público.

Há algo de providencial nesse acontecimento: ele manifesta o papel único da Santa Virgem na proteção e condução da Igreja, assim como na proteção e condução de cada um de nós.

Toda essa peregrinação é dirigida à Santíssima Virgem com uma intenção particular, a das vocações. Queremos consagrar todo o ano jubilar a Nossa Senhora das Dores, para agradecê-la por todas as vocações que ela tem enviado à Fraternidade, para pedir-lhe para continuar a abençoar a Fraternidade São Pio X, assim como todas as congregações religiosas associadas a ela, com numerosas vocações.

Não esqueçamos de agradecê-la a um título particular: atrás de cada vocação há, necessariamente, a mão, a intervenção de Nossa Senhora. É ela quem faz nascer em uma alma o desejo de imitar Nosso Senhor, reproduzi-Lo, reproduzir suas virtudes e se assemelhar a Ele tanto quanto possível.

É uma graça eminentemente mariana – pois é uma graça eminentemente materna – fazer nascer Nosso Senhor nas almas. Logo, é com gratidão que lhe consagramos essa peregrinação e todas as nossas orações, os nossos esforços, as nossas boas resoluções para esse ano jubilar. Consagramos-lhe o presente da Fraternidade São Pio X, e consagramos-lhe seu futuro.

Assim como Nossa Senhora jamais abandonou nenhum de nós até o momento, temos a certeza de que ela jamais nos abandonará, e isso nos enche de alegria, confiança e esperança.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.