“Porque o estipêndio do pecado é a morte…
Mas a graça de Deus é a vida eterna em Nosso Senhor Jesus Cristo” (Rom. 6, 23)
“Suplicamos-Vos, Senhor, afastai propício a morte e a epidemia, a fim de que nossos corações mortais reconheçam que sofrem os flagelos da vossa ira, e que vós também sois quem faz eles cessarem pela vossa grande misericórdia. Por Jesus Cristo, Senhor nosso” (Rogações no tempo de epidemia).
Caros fiéis e amigos,
As tribulações deste mundo: o preço do pecado.
Um grande pensador católico, Romano Amerio, na sua obra-prima Iota unum, comenta: “O cristão, na sua condição de pecador, não pode medir o preço da reparação que, pelos seus pecados e os do mundo, deverá suportar em dores e penas”.
O autor apenas lembra a doutrina do pecado original, segundo a qual ‘em Adão todos [os homens] pecaram’ (S. Paulo), e que Santo Tomás comenta: “Segundo a fé católica, é preciso afirmar que a morte, assim como todas as deficiências da vida presente, são penas devidas ao pecado original”.
Fatal e triste constatação que não precisa de demonstração, pois é evidente a abundância de males que acompanham a vida do homem nesta terra apenas pelo fato de ser homem.
Ora, a diferença essencial entre o homem que padece os males desta vida, e o cristão, filho de Deus, é que este sofre e padece em união com Cristo. Ele, nosso Salvador, não quer poupar-nos todas as penas temporais, enquanto sim nos tira da pena eterna, o inferno, pelos méritos de sua Paixão e Morte. Assim, o cristão não esquece que a felicidade do homem na terra é feita de esperança, pois o nosso fim é o bem infinito e eterno, não os bens finitos da terra. Enquanto chega a recompensa, devemos suportar como pena do pecado (o pecado original, os pessoais, os do mundo) os males inevitáveis da vida; devemos, mais ainda, aceitá-los por amor e gratidão a Jesus, nosso Redentor, que sendo o Cordeiro sem mancha de pecado, sofreu gratuitamente para salvar-nos. É assim que a oração da Igreja faz sentido e nos reconforta: “Perdoai, Senhor, perdoai ao vosso povo, para que, castigado por justos flagelos, respire na vossa misericórdia” (Oração na quinta feira de Cinzas).
A tribulação da pandemia atual, e a do modernismo na Igreja
Atualmente, na situação de catástrofe sanitária com o Coronavírus (COVID-19), outras catástrofes seguem a este vírus microscópico e às mortes que já espalhou pelo mundo: restrições, proibição de certas atividades profissionais, limitação de movimentos, manipulações midiáticas, guerra políticas, etc. A pior delas, neste momento, é a usurpação da autoridade eclesiástica (sendo que esta permanece muda) na decisão de determinar as condições do culto público, ou a simples possibilidade de este acontecer. É doloroso e revoltante, porém consequência lógica da apostasia da política e dos povos e da perda de fé entre os pastores.
Tendo que suportar estes grandes males, façamo-lo como verdadeiros cristãos, pois acabamos de lembrar acima qual é a doutrina revelada sobre a origem e o sentido do sofrimento.
E preciso é lembrar, igualmente, que enquanto o mundo sofre a influência de uma doença que, apesar de sua abrangência, é poucas vezes mortal, a Igreja sofre de um câncer, mortal por definição, e mortal para as almas: o modernismo. Este ataca a fé, arrefece o fervor, destrói o espírito sobrenatural.
Este modernismo é uma realidade bem atual. Basta conferir, por exemplo, a opinião do nosso Papa Francisco sobre a pandemia: segundo ele, trata-se de uma provável ‘vingança’, de ‘uma resposta da natureza’!!! (cf. entrevista on-line publicada por The Tablet em abril 2020). Nos seus discursos, desde então, nem uma palavra sobre o pecado e suas consequências, nem uma palavra sobre a necessidade da penitência dos cristãos, da conversão do mundo. Apenas um olhar terreno e naturalista, uma preocupação pela ecologia e, na melhor das hipóteses, pela saúde biológica do ser humano. Trata-se de um discurso totalmente alheio à fé católica, que obedece a uma “eco-teologia” que apresenta o homem como responsável pelo planeta terra, de maneira que as catástrofes naturais teriam sempre como causa a indevida manipulação dos recursos da terra, ou as agressões do homem ao meio ambiente (daí o aquecimento global, a poluição, as novas doenças, etc.).
A realidade é, graças a Deus, outra: a natureza, suas leis e a capacidade de prejudicar a vida do homem, não obedecem nem a um destino cego, nem a uma inteligência diferente da divina, que é a autora das leis que regem o universo. É Deus que tudo governa com sabedoria e medida, que castiga quando é a hora certa, que envolve, inclusive, os justos, nesses castigos, para purificá-los e elevá-los espiritualmente, para que os homens tementes a Deus tirem dos grandes males, bens maiores: “Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rom. 8, 28).
Outras análises perigosas
Enfim, há outra perspectiva, talvez mais aceitável para um católico, porém com frequência falta do devido equilíbrio: é a da conspiração dos inimigos contra a ordem cristã. Ou seja, a velha revolução anticristã, chegando ao limite e apogeu de suas perversas maquinações, e em tal grau capaz, que consegue esparramar pelo mundo um vírus, provocar um colapso geral das nações, e orientar a todos os governantes do mundo a fim de estabelecer uma nova ordem, a do Anticristo.
Aqui convém acautelar-se contra dois extremos: o da negação de forças ocultas em ação, que têm como fim destruir a santa Igreja, e inclusive a simples ordem natural; e o da afirmação que tudo quanto acontece obedece a planos pré-concebidos da contra-Igreja, sem que tais acontecimentos se afastem nem uma vírgula de seus planos.
Acredito que, contra esses dois extremos, o da ingenuidade e o da credulidade, é preciso voltar aos princípios, a um olhar de fé. Assim como a natureza, mesmo saindo dos eixos (ao nosso ver), se mantém sob o domínio do Deus e Senhor do universo, da mesma maneira, a malícia dos homens nunca poderá ultrapassar, quaisquer que sejam os meios e certezas humanas, nem um til do que o Deus e Senhor dos homens tem determinado. Nem as mais perversas maquinações, nem a vaidade dos políticos, nem a ambição dos poderosos poderão dominar o mundo, embora se esforcem em fazê-lo. O Príncipe deste mundo não é o dono do mundo, embora seja um poderoso líder. Ademais, se o próprio inferno está dividido entre si pelo ódio, não podemos esperar dos homens malvados uma perfeita unidade de critério e de ação, sendo que seus planos, nem que sejam de inteligência diabólica, vão acompanhados das piores paixões.
Seja como for, é verdade que devemos sofrer, neste mundo, pelos pecados dos outros. Todavia, isso entra também no plano de Deus para a nossa purificação e elevação espiritual: “Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rom. 8, 28).
Confiança e paz de espírito
Gostaria, em conclusão, de convidá-los, não a uma atitude de inação ou de submetimento fatal diante da situação atribulada do presente, antes a uma vida interior mais intensa e ativa. Esse é o segredo, hoje, para não perder a paz da alma. Porque lá onde as nossas forças humanas não chegam, onde a análise das causas não pode passar de elucubração, a oração confiante no Deus de toda misericórdia sempre traz fruto. Ele não nos pede que entendamos tudo o que acontece, ou que sejamos capazes de apontar para os principais responsáveis com certeza inamovível. Ele nos pede fé, confiança, e espírito de penitência. Ele nos dá, ademais, sua santa Mãe como remédio para os maiores males, junto da magnífica promessa de que o Imaculado Coração de Maria triunfará, depois de um tempo de tribulação.
Continuemos, portanto, mesmo concluída a Cruzada do Rosário convocada pelo Superior Geral em novembro passado, a rezar pela liberdade da Santa Missa em nossas cidades e pátrias. Em particular, rezemos para que no dia de hoje, 7 de abril, a votação do plenário do Supremo Tribunal Federal não permita que governadores ou prefeitos proíbam o culto público.
Deus vos abençoe!
Em Arujá, aos 7 de abril de 2021, quarta-feira da Páscoa
Pe. Juan María de Montagut Puertollano, Superior da FSSPX no Brasil