VAIDADE DO NOVUS ORDO

O NOVO RITO DA MISSA TEM DUAS FACES

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Conhecemos essa imagem do desenhista Charles Allan Gilbert, produzida em 1892. Ela representa duas coisas ao mesmo tempo: uma mulher perante seu espelho, com móveis e acessórios para o cuidado de sua beleza, mas também a figura de uma crãnio. Os mesmos elementos da imagem são utilizados para compor a cena dessa mulher ocupada em sua penteadeira e a representação macabra da morte.

A justaposição desses dois temas: da frivolidade e da morte inevitável é um tema clássico desde o século XVII, o do Memento Mori: lembre-te da morte! Daí o seu título: Tudo é vaidade, retirado do livro de Eclesiastes.

A genialidade do autor consistiu em utilizar os mesmos elementos gráficos para significar duas coisas muito distintas, de modo a que, ao juntá-las, se unissem numa única ideia moral. Interessa-nos aqui o primeiro aspecto: os mesmos elementos gráficos ilustram duas ideias diferentes, ou mesmo opostas.

A liturgia é a oração da Igreja dirigida a Deus. Sendo Deus invisível, assim como os bens sobrenaturais, a graça, o caráter sacramental e os mistérios passados da criação, da queda e da redenção, devem ser expressos em linguagem humana, por sinais. Para que a liturgia seja adequada, os sinais utilizados devem exprimir suficientemente os mistérios, evitando ambiguidades.

De fato, conhecemos mudanças litúrgicas introduzidas no decurso da história para excluir novas heresias, como quando se introduziu na oração pública a doxologia “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo...”, colocando em pé de igualdade as três Pessoas divinas, para que a oração quotidiana dos fiéis rejeitasse explicitamente a heresia ariana.

Conhecemos também a astúcia de Lutero para mudar a liturgia de modo a refletir a sua própria doutrina, sem perturbar os fiéis com uma mudança demasiado brusca. A liturgia protestante, sobretudo a luterana, utiliza uma série de sinais que os católicos também podem utilizar, mas a doutrina expressa já não é a mesma (sobre a justificação, a natureza da missa, o batismo, a absolvição etc.).

Quando Roma promulgou, em 1969, um novo Missal, ou seja, o livro litúrgico que descreve os ritos e as cerimônias da celebração da Missa, a intenção explícita dos promotores da reforma era minimizar as diferenças entre a oração católica e a oração protestante[1]. O sucesso do empreendimento é atestado pelos testemunhos dos protestantes[2], que se regozijavam por poderem agora utilizar os livros católicos para as suas cerimônias.

Podemos então dizer que nos encontramos na situação ilustrada pela imagem de Charles Gilbert: o mesmo livro litúrgico (e não apenas esta ou aquela cerimônia inspirada nesse livro) pode, muito bem, significar (na verdade, muito mal) a doutrina católica e, ao mesmo tempo, a doutrina protestante da missa. Mas estes dois significados não se fundem na unidade de um único sentido moral como o da vaidade. A unidade dos dois significados custa a verdade da doutrina.

Desa forma, sem dúvida, não há heresia no Missal de Paulo VI (embora fosse necessário protestar vigorosamente contra a definição da Missa dada na primeira versão da Introdução Geral da obra), e não se pode dizer absolutamente que todas as novas Missas são inválidas em princípio, mas esta miserável manobra para abafar a voz católica com medo de ofender a heresia protestante é suficiente para desqualificar esta reforma para um espírito católico.  Como disse um bispo no Concílio: “Ocultar a verdade fere-nos e fere aqueles que estão separados de nós. Isso nos fere, porque parecemos hipócritas. Fere aqueles que estão separados de nós, porque os faz parecer fracos e susceptíveis de serem ofendidos pela verdade[3].”

A reação dos fiéis do Novus Ordo Missae no La Croix em 2023 (4) também mostra que a interpretação acatólica do novo rito continua a produzir frutos nocivos dentro da Igreja.

Pe. Nicolas Cadiet, FSSPX

Notas

  1. O famoso Mons. Bugnini disse o seguinte sobre a reforma da Semana Santa sob Pio XII: ““A Igreja foi guiada pelo amor às almas e pelo desejo de tudo fazer para facilitar a nossos irmãos separados o caminho da união, removendo toda pedra que poderia constituir qualquer sombra de um risco de obstáculo ou de desprazer Documentação Católica, n° 1445 (1965), col. 604. Para a reforma de 1969, ver Abade Grégoire Célier, A dimensão ecumênica da reforma litúrgica, Fideliter, 1987
  2. Por exemplo, Max Thurian, de Taizé: “Com a nova liturgia, as comunidades não católicas poderão celebrar a Sagrada Comunhão com as mesmas orações que a Igreja Católica. Teologicamente, isso é possível.” La Croix, 30 de maio de 1969.
  3. Mons. Gotti sobre o ecumenismo, citado por Ralph Wiltgen, O Reno se lança no Tibre, Editions du Cèdre, 1975, pp.94-95.
  4. Foruns do Sr. e Sra. Weidert em La Croix , em 10 de fevereiro de 2022 e 12 de julho de 2023. Cf. uma crítica no La Porte Latine em 20 de julho de 2023. Nesse texto é mostrado, entre outras coisas, a observação desse casal modernista que coloca “a religião da qual a Missa tradicional é o principal ato de culto pode muito bem não ser a mesma da nova missa; é a “Missa de outra fé”, talvez não celebrada em nome do mesmo Deus!”