A CASA DE JOSÉ

Esta casa de Nazaré, templo  de paz e do amor reabilitado, mostra-nos a forma mais pura de amor.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Tudo começou com a Luz de Deus na alma deste grande Patriarca: José, filho de Davi, não tenhais medo de levar consigo Maria, tua mulher, porque o que nela nasce vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e tu lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de todos os seus pecados.

Que as luzes de Deus, quer sejam dadas no sono extático ou na vigília, iluminem até o âmago da alma, produzindo, ali, a certeza. A profecia de Isaías ilumina como uma paisagem escura atingida pelo sol.

José obedece sem hesitar. Acolhe Maria em sua casa, dando ao noivado, assim, a sanção definitiva do casamento. Exteriormente semelhante a todos os outros, o casamento acontece nas vielas de Nazaré. Ao cair da noite, com lâmpadas acesas e ramos de murta, o cortejo de jovens chega para buscar Maria da casa da Anunciação e conduzi-la, cem passos adiante, até a casa de José.

Semelhante à casa de Maria, esta inclui uma gruta em calcário, com uma janela de sótão com vista para o jardim – será a cela de Maria – e um anexo de alvenaria, utilizado como cozinha e oficina. Ao lado da bancada de trabalho havia uma esteira onde José descansava.

Através deste casamento, como recordarão os genealogistas Mateus e Lucas, Jesus descende de David através de José. Além disso, os dois cônjuges vêm da mesma linhagem real.

Este casamento, consagração mútua da sua virgindade, foi, no entanto, necessário, para salvar a honra da mãe e do filho aos olhos dos nazarenos, que ignoravam o mistério da concepção virginal, e para fornecer um protetor corajoso a estas duas fraquezas.

Figura admirável, este simples operário de alma real, modelo de abnegação e de coragem silenciosa. De agora em diante, nada perturbaria a paz, a confiança mútua do casal. A provação consagrou novamente essa confiança. Sua justiça, numa hora de trágica escuridão, disse-lhes… não julgueis!

Não julgueis! José não julgou o silêncio de Maria. Maria não julgou as ansiedades de José. Que lição! Como erramos ao ignorar distraidamente esses incidentes. Deus os nesta linha divisória dos mundos, para dar-lhes um valor eterno. Naquela época, Herodes tinha mandado degolar sua esposa Mariamne. Era a barbárie… é a nossa nova barbárie. A cena que acabamos de contemplar moldou a nossa civilização. Os nossos antepassados meditaram sobre ela, e dessa meditação nasceu uma nova civilização… não julgueis!

Que dizer o que os lares cristãos de nossos antepassados perduraram em delicadeza, paciência e respeito mútuo por esta cena, que os catequistas nunca deixaram de comentar com as palavras de Jesus… não julgueis e não sereis julgados!

Não julgueis precipitadamente! Contudo, é quase sempre imprudente tentar avaliar o significado moral das ações dos outros. É claro que fatos repreensíveis devem ser condenados, mas isso só pode ser feito por um juiz, que tenha a competência, a autoridade e o conhecimento daquilo que julga… encontre-me um homem capaz de julgar o coração de outro homem… há apenas um, Seu nome é Jesus, e Ele é a Luz deste casebre de Nazaré. Quem, além daquele que examina os corações e as mentes, pode orgulhar-se de fazer um julgamento justo sobre as consciências?

Ignorantes feci … dirá São Paulo falando das suas atrocidades para com os cristãos… Eu não sabia, agia de boa fé… Jesus sabia da ignorância de Saulo, muito antes de Paulo se conscientizar disso.

Não julgueis… Conhecemos melhor receita para os nossos lares do que esta? José era justo. O Evangelho contenta-se com este louvor, e ele é suficiente. Justo, portanto, severo consigo mesmo, tolerante com os outros, servo da justiça, e não o seu senhor.

Uma paz divina reina no casebre de Nazaré, para ali revelar o Amor… O inverno palestino chegou com suas trombas d’água que transformam as ruas em torrentes. É a hora das doces vigílias solitárias para ambos os cônjuges. Entreis numa destas casas na antiga Nazaré, à beira do souk, à noite, e revivereis as horas que José e Maria ali viveram. O carpinteiro guardou suas ferramentas de trabalho. Maria acendeu a lamparina de barro no alqueire e preparou a mesa. Apresentou a José o jarro das abluções, serviu-o, encheu-lhe o cálice e ofereceu-lhe o pão que ele devia abençoar e partir primeiro. Perto está o berço luminoso feito por José, onde esta criança maravilhosa adormeceu.

O olhar de José repousa sobre esta criança, seu filho. Então ele olha para sua jovem esposa com respeitosa admiração. É assim que ele ama sua esposa. Ela é linda, como a noiva dos Cânticos, de inefável beleza. Uma pureza de alma perfeita, que transfigura os traços; uma claridade luminosa de inocência imaculada. E também ela ama este homem com o seu olhar límpido. Quando ele colocou o anel de ouro no seu dedo, quis ser o servo dos planos divinos, o amigo paternal e terno. Ambos sorriem com a alegria do seu segredo: o céu visitou a terra, o seu segredo está ali diante dos seus olhos… Amam-se, como nenhum marido amou a sua mulher, como nenhuma mulher amou o seu marido.

Ao redor deste menino, no silêncio da sua adoração, estes dois esposos reabilitam esta grande coisa que é o amor.

Amor, essa coisa divina, já que Deus quis ser chamado de Amor, CARITAS, a humanidade arrastou-o na lama. Platão, no seu Banquete, tentou purificá-lo. Ele suspeitava do papel da beleza visível, reflexo do invisível, destinado a despertar em nós o amor destas belezas mais elevadas, das almas e de Deus. Mas ele também foi levado pelo turbilhão das Bacantes. Até o belo sonho tinha sido esquecido. A grande coisa que é o amor, maior que a fé e a esperança, tornara-se uma coisa muito pequena, ao alcance da humanidade mais medíocre, da animalidade mais brutal. O amor, esse nobre servo, criado por Deus para garantir a propagação da espécie e a sua educação, a colaboração das almas, na unidade e perpetuidade do lar, criado para fazer vislumbrar, no espelho das criaturas, a beleza que é a fonte de toda a beleza, esse servo real, o paganismo o transformou num tirano de almas e corpos. O servo da vida tornou-se seu coveiro, desintegrando o lar entregue ao divórcio, matando o nascituro, asfixiando a mente e o coração com suas obsessões.

Esta casa de Nazaré, templo de paz e de amor reabilitado, mostra-nos a forma mais pura de amor que é a virgindade voluntária. Esta revelação deu origem à geração de mulheres castas que renunciam às alegrias providenciais do matrimônio, não por egoísmo, mas por maior devoção à família das almas. E ela deu à luz também a este amor conjugal, a glória do lar cristão. Amor que conhece os seus direitos, menos numerosos que os seus deveres. Porque quem ama dá-se a si mesmo, pois o fim último do amor é o sacrifício.

Tal amor traz consigo a sua primeira recompensa. É invulnerável. De onde poderia vir a sua morte? Do sofrimento? O amor é o verdadeiro triunfo dos cabelos brancos e da própria morte. O túmulo é a sua apoteose, pois uniu as almas mais do que os corpos, e não se sepultam as almas.

Oh lição de Nazaré! Infelizmente, esquecemo-nos de ti, e é por isso que as nossas famílias e as nossas cidades estão vacilando. A família em ruínas, a criança, esse incômodo, é sacrificada no corpo ou, pelo menos, na alma… gerações de degenerados que virão, abutres, desvairados, deslizando da luxúria para a cocaína, do asilo para a prisão.

Bendita seja a visão de Nazaré, visão de paz e de triunfo na virgindade… aqui brilham o primado do espírito e a juventude imperecível!

Pe. Vincent Bétin, FSSPX