Esta síntese de Mons. Lefebvre manifesta o viés psicológico que levou ao desastre conciliar.
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
A preparação desta ilusão perante o Concílio
Seria necessário escrever longas páginas para detectar todas as causas que prepararam esta incrível ilusão dos clérigos, para não dizer dos Bispos do Concílio Vaticano II.
Sem repetir a história do liberalismo e do modernismo bem conhecido de nossos leitores, devemos afirmar que, apesar das solenes e repetidas advertências dos Papas do século XIX e da primeira parte do século XX, esses erros originários das lojas maçônicas, habilmente difundidos e disseminados por todos os meios modernos de difusão do pensamento, continuaram a crescer, a inspirar as sociedades civis e por meio delas a invadir todas as instituições públicas e privadas, todas as famílias e, da mesma forma, os Seminários e as Universidades Católicas.
Em breve, as próprias ordens religiosas e suas revistas espalharão esses erros que reduzem a fé a um sentimento natural de religião, atos de religião a simples manifestações desse sentimento. A partir de então, seriam os próprios clérigos que destruiriam sua fé, submetendo-a a razão e fazendo desaparecer a vida sobrenatural, a vida da graça.
As guerras também contribuíram para a desordem e, acima de tudo, para a desordem moral, em particular a última guerra. Após o conflito, a euforia da prosperidade material trouxe um desejo desenfreado de diversão. O naturalismo infiltrado na Igreja fez desaparecer a noção de pecado, exaltando a consciência individual, o orgulho da personalidade humana que se tornara adulta e responsável. Todos os abusos, todos os crimes tornaram-se legítimos e protegidos pela consciência!
Este clima só poderia esvaziar as igrejas, reduzir vocações, acelerar o processo de secularização e dessacralização no interior da Igreja. Sacerdotes e Bispos começaram a se questionar, desafiar, a procurar soluções.
O espírito do mundo entrou na Igreja
Foi então que surgiram os profetas da mutação, da mudança, da adaptação, da reestruturação, da abertura, etc.
O que iria sair dessa fermentação? Uma verdadeira renovação ou a ruína? Ouvindo os profetas e líderes do episcopado mundial poderia-se facilmente prever a catástrofe que estaria por vir. Mas Pio XII estava vigilante e, enquanto vivo os espíritos ansiosos pela demolição moderaram seus esforços.
E foi nessa situação extremamente perigosa que vieram João XXIII e seu Concílio Vaticano II.
Concílio Vaticano II ou o momento da grande ilusão
Mesmo antes do Concílio, só se falava em mudança. A Igreja, suas instituições, seus ensinamentos, sua liturgia, tudo foi questionado e responsabilizado pela crise que se aproximava.
Os últimos Papas, mais conscientes do que João XXIII, rejeitaram a ideia de um Concílio temendo precisamente não poder conduzir efetivamente uma assembleia considerável, facilmente sujeita a correntes de pensamento contrárias à ortodoxia, graças aos meios disponíveis para os líderes da opinião pública.
Papa João XXIII e Cardeal Ruffini
Agora, o Papa João XXIII não só ignorou os sábios conselhos dados pelo Cardeal Ruffini, Arcebispo de Palermo, mas também não hesitou em entrar imediatamente no jogo dos inovadores e destruidores, dando ao seu Concílio o famoso nome de “Concílio do Aggiornamento”, e seu discurso na abertura abundou em críticas à Igreja. Pode-se dizer que o Papa fez um mea culpa batendo no peito da Igreja.
Entre os peritos do Concílio, admitirão falsos profetas, já condenados pelo Santo Ofício. Desde a primeira sessão, ele pedirá aos membros da Cúria que permaneçam calados.
Portanto, pode-se pensar que os partidários da grande ilusão não teriam dificuldade em arrastar a Assembleia para junto deles: a mudança deveria ser feita a todo custo e essa mudança deveria ser feita às custas das instituições da Igreja culpadas pela imobilidade, desajustes e incompreensão da evolução do mundo.
As lojas poderiam se alegrar: seu sucesso foi sensacional, os próprios clérigos decidiram a grande mutação que a Igreja deveria sofrer; ela deveria buscar uma expressão de seu dogma adaptada ao espírito moderno, isto é, ao ateísmo prático; deve repensar sua lei moral; deve democratizar suas instituições e sua liturgia, segundo a orientação do espírito do homem moderno, profundamente democrático.
Podemos dizer desses clérigos, muitos deles inconscientes: houve um erro ao atirar. Dispararam em si mesmos ao invés de atirar no inimigo. Como essa ilusão pode se tornar realidade? Porque sua fé foi diminuída e sua coragem destruída.
O QUE DEVERIA SER O VATICANO II
- Um eco fiel da fé dos Papas desde Pio VI até Pio XII.
Uma corajosa e clara reafirmação da fé católica na divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo com todas as suas conseqüências:
- para a Igreja – para seu sacerdócio – suas instituições – seu sacrifício – seus sacramentos – sua santificação pela graça;
- para as almas – a sua santificação pela graça dos sacramentos e do Santo Sacrifício da Missa;
- para as famílias, honrando novamente o Sacramento do Matrimônio e suas obrigações;
- para as sociedades, através do reconhecimento da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo e da primazia espiritual da Igreja.
- Um chamado à santidade.
- Uma condenação dos erros modernos.
A grande ilusão foi procurar o mal na constituição do organismo, em vez de vê-lo na doença que corrói e destrói esse organismo. Ao acusarem a constituição do organismo, deram uma mão à doença, daí o acúmulo de desastres e ruínas que infelizmente levaram as almas à sua perda.
Devemos acabar com esta ilusão criminosa e fortalecer tudo o que sempre permitiu à Igreja enfrentar face os constantes ataques dos seus inimigos, isto é, sobretudo a sua fé em Jesus Cristo, no seu divino Sacrifício, em seus sacramentos, em seu ensinamento. Este foi o lema do último São Papa Pio X: “restaurar tudo em Cristo”.
D. Marcel Lefebvre
Nota do editor – Este artigo já apareceu no “Rivarol” de 29/12/79.
Extraído da revista Fideliter, número 14 de março/abril de 1980.