A INFILTRAÇÃO DO MODERNISMO NA IGREJA – PARTE 1

1Breve História

Fico contente em constatar que no mundo inteiro, no mundo católico, em todo lugar, pessoas corajosas se reúnem em torno de padres fiéis à fé católica e à Igreja Católica, para manter a tradição que é a fortaleza de nossa fé.

Se existe um movimento tão geral é porque a situação da Igreja é verdadeiramente grave. Pois, para que padres, fiéis católicos, aceitem ser tratados de rebeldes, de dissidentes, de desobedientes, mesmo se tratando de bons padres, alguns dos quais já serviram em paróquias durante trinta anos com grande satisfação de seus paroquianos, é para manter a fé católica. Eles o fazem conscientemente no espírito dos mártires.

Ser perseguido por seus irmãos ou pelos inimigos da Igreja, qualquer que seja a mão que bata, por vista que seja contra a manutenção da fé, é sofrer um martírio. Esses padres, esses fiéis, são testemunhas da fé católica. Eles preferem ser considerados como rebeldes e dissidentes a perder a fé.

Nós assistimos, no mundo inteiro, a uma situação trágica, inacreditável, que parece não se ter jamais produzido na história da Igreja. É preciso então tentar explicar esse fenômeno extraordinário. Como podem bons fiéis, bons padres, se esforçarem por manter a fé católica num mundo católico que está em plena dissolução? Foi o Papa Paulo VI, ele mesmo, que falou de autodemolição da Igreja. O que significa esse termo de autodemolição senão que a Igreja se destrói, ela mesma, por ela mesma, por seus próprios membros? É isso o que já dizia o Papa São Pio X na sua primeira encíclica, quando escrevia: «Hoje, o inimigo da Igreja não está mais no exterior da Igreja, está no interior». E o Papa não hesitava em designar os lugares aonde ele se encontrava: «O inimigo se encontra nos seminários». Por conseqüência, já no início do século, o Santo Papa Pio X, na sua primeira encíclica, denunciava a presença de inimigos da Igreja nos seminários.

E é evidente que esses seminaristas que estavam imbuídos do modernismo, do Sillonismo e do progressismo se tornaram padres. Alguns deles se tornaram bispos e entre eles cardeais. Poderia-se citar os nomes daqueles que fizeram seu seminário no início do século, que morreram agora, mas cujo espírito era modernista e progressista.

Assim, já o Papa Pio X denunciava essa divisão na Igreja, uma certa ruptura no interior mesmo da Igreja e do Clero.

Eu não sou mais jovem e já tive ocasiões, ao longo de minha vida de seminarista, de minha vida sacerdotal e de minha vida episcopal, de constatar essa divisão, e isso já no seminário francês de Roma, onde eu fazia meus estudos, pela graça do Bom Deus. Confesso que não estava muito entusiasmado pelos estudos feitos em Roma. Eu pessoalmente preferia estar, como os seminaristas de minha diocese, no seminário de Lille e me tornar um pequeno vigário e em seguida um simples cura numa paróquia do campo.

Manter a fé numa paróquia: eu me via um pouco pai espiritual de uma população a qual nos apegamos, para lhe inculcar a fé e os modos cristãos. Era o meu ideal. Mas, aconteceu que meu irmão estava já, depois da Guerra de 1914-1918, em Roma, porque ele tinha se separado da família por circunstâncias da guerra no norte da França e, por conseqüência, meus pais insistiram para que eu fosse reencontrar meu irmão. «Como seu irmão já está em Roma, no seminário francês, vá então encontrá-lo e fazer seus estudos com ele». E eu parti para Roma. Fiz meus estudos na Universidade gregoriana, de 1923 a 1930. Fui ordenado em 1929 e fiquei como padre no seminário durante um ano.

As primeiras vítimas do Modernismo

Ora, durante esses anos no seminário, passaram-se coisas trágicas que me lembram exatamente tudo o que eu vi depois do Concílio. Estou praticamente na mesma situação em que estava nosso superior do seminário francês naquele momento: o padre Le Floch, que foi o superior do seminário francês de Roma durante trinta anos. Era um homem muito digno, um Bretão, forte e firme na sua fé como o granito da Bretanha. Ele nos ensinava as encíclicas dos papas e o que era o modernismo condenado por S. Pio X, os erros modernos condenados por Leão XIII, o que era o liberalismo condenado por Pio IX. E nós amávamos nosso padre Le Floch. Nós éramos muito apegados a ele.

Mas sua firmeza na doutrina, na tradição, desgostava aos modernistas, evidentemente. Já existiam progressistas naquela época, pois os papas os condenavam. Ele desagradava não somente aos progressistas, mas também ao governo francês. O governo francês tinha medo que, por intermédio do Pe. Le Floch, por essa formação dada aos seminaristas, os bispos tradicionalistas viessem se implantar na França e dessem à Igreja da França um clima tradicional e evidentemente antiliberal. Ora, o governo francês era maçônico e por conseqüência, fundamentalmente liberal e não podia nem pensar que bispos não liberais pudessem tomar os postos mais importantes. Pressões foram exercidas sobre o papa para eliminar o Pe. Le Floch. Foi Francisque Gay, futuro líder do M.R.P., o encarregado dessa operação. Ele desceu a Roma e fez pressão sobre o Papa Pio XI, denunciando o Pe. Le Floch como sendo, por assim dizer, da Action Française, e um homem político ensinando aos seminaristas a serem membros da Action Française.

Tudo isso era mentira. Durante três anos eu escutei o Pe. Le Floch nas suas conferências espirituais. Nunca ele nos falou da Action Française. Hoje eles me dizem: «Você foi naquele tempo membro da Action Française». Eu nunca fui membro da Action Française.

Evidentemente, dizem que somos membros da Action Française, nazistas, fascistas, tudo o que se pode nos rotular como etiquetas pejorativas, porque nós somos anti-revolucionários e antiliberais.

Então uma pesquisa foi feita: o cardeal arcebispo de Milão foi enviado ao local. Não era o menor dos cardeais. Beneditino, homem de uma grande santidade e de uma grande inteligência, foi designado pelo Papa Pio XI para pesquisar no seminário francês para ver se o que dizia Francisque Gay era exato ou não. A pesquisa foi feita. O resultado foi: o seminário francês funciona perfeitamente bem sob a direção do Pe. Le Floch. Não temos absolutamente nada a reprovar ao superior do seminário.

Bem, isto não foi o suficiente. Três meses depois, nova pesquisa, dessa vez com a ordem de acabar com o Pe. Le Floch. A nova pesquisa foi feita por um membro das Congregações Romanas que concluiu, com efeito, que o Pe. Le Floch era amigo da Action Française, que ele era perigoso para o seminário e que era preciso pedir sua demissão. O que foi feito. Em 1926, a Santa Sé pediu ao Pe. Le Floch para deixar a direção do seminário francês. Nós ficamos estarrecidos. O Pe. Le Floch nunca foi um homem político. Era um homem tradicional, apegado à doutrina da Igreja, aos papas, grande amigo do Papa Pio X, que tinha uma grande confiança nele. E, precisamente, porque ele era um amigo do Papa Pio X, então ele era inimigo dos progressistas.

E depois, nessa época em que eu estava no seminário francês, não somente o Pe. Le Floch foi atacado, mas também o Cardeal Billot, teólogo de primeiro valor, hoje ainda reputado e estudado nos nossos seminários. Monseigneur Billot, cardeal da Santa Igreja, foi deposto. Tiraram-lhe a púrpura e enviaram-lhe, como penitência, para perto de Albano, Castelgandolfo, na casa dos Jesuítas, proibido de sair, sob o pretexto de que ele tinha ligações com o Action Française. De fato, o Cardeal Billot não era da Action Française, mas ele estimava a pessoa de Maurras e o citava em seu livro de teologia. Por exemplo, no segundo livro da Igreja, «De Ecclesia», o Cardeal Billot fez um magnífico estudo sobre o liberalismo, onde, em notas, fez algumas citações de Maurras. Era um pecado mortal!Eles acharam isso para depor o Cardeal Billot. Isto não é pouca coisa, um dos maiores teólogos de sua época deposto como cardeal, reduzido ao estado de simples padre, pois ele não era bispo (naquele tempo ainda havia cardeais diáconos). Já era a perseguição.

O Papa Pio XI sofreu influência dos progressistas

O Papa Pio XI sofreu influência dos progressistas que se achavam já em Roma. Nós vemos aí precisamente, uma certa diferença entre os papas que se sucederam e portanto nessa época o Papa Pio XI fez encíclicas magníficas. Não era um liberal. Sua encíclica contra o comunismo Divini Redemptoris, sua encíclica sobre o Cristo-Rei, instaurando a festa do Cristo Rei , logo, o reino social de Nosso Senhor Jesus Cristo é magnífico. Sua encíclica sobre educação cristã é absolutamente admirável e permanece hoje um documento fundamental para aqueles que querem defender a escola católica.

Então, no plano da doutrina, o Papa Pio XI foi um homem admirável, mas fraco no domínio da ação prática. Ele era influenciável. Foi assim que ele foi muito influenciado na guerra do México (1926-1929) e que ele deu ordem aos Cristeros, àqueles que defendiam a religião católica e combatiam pelo Cristo-Rei, de confiar no governo e entregar as armas. Desde que entregaram as armas, foram todos massacrados. Ainda se lembram, no México, desse massacre horrível. O Papa Pio XI confiou no governo, que o enganou. Depois do que se passou, ele mostrou-se desolado. Ele não imaginava que um governo que lhe prometera tratar com honra àqueles que defendiam sua fé iria em seguida massacrá-los. Foram, com efeito, milhares de mexicanos que foram massacrados por causa de sua fé.

Já no início do século certas situações anunciam uma divisão na Igreja. E chegamos lentamente, mas seguramente, às vésperas do Concílio.

O Papa Pio XII foi um grande papa. Tão bom nos seus escritos quanto na sua maneira de conduzir a Igreja. E no tempo de Pio XII a fé foi firmemente mantida e, naturalmente, os progressistas não gostavam dele, porque ele lembrava os princípios fundamentais da teologia e da verdade.

Então veio João XXIII, ele que não tinha o temperamento de Pio XII. João XXIII era um homem muito simples, muito familiar. Ele não via problemas em lugar nenhum.

Quando ele quis fazer um sínodo em Roma, lhe disseram: «Mas, Santo Padre, um sínodo tem que ser preparado, é preciso ao menos um ano, talvez dois, para preparar tal reunião, afim de que os frutos sejam numerosos e que as reformas possam ser verdadeiramente estudadas e em seguida aplicadas para que Vossa diocese de Roma tire proveito. Isto não pode se fazer assim, no espaço de dois ou três meses e depois quinze dias de reuniões, e tudo irá bem. Não é possível !».

«Ah, sim, sim, eu conheço, eu sei, vamos fazer um pequeno sínodo, vamos preparar isso em alguns meses e tudo irá bem».

Preparou-se o sínodo rapidamente: comissões em Roma, todo mundo trabalhando. Quinze dias de sínodo e depois tudo acabou. O Papa João XXIII estava contente, seu pequeno sínodo foi feito; resultado: nenhum. Nada mudou na diocese de Roma. A situação ficou exatamente a mesma.