A LIBERDADE DE ENSINO

Resultado de imagem para marcel lefebvreO ensino deve ter por objeto unicamente coisas verdadeiras”. Leão XIII

Entre as novas liberdades, a terceira condenada pelos papas foi a liberdade de ensino.

Escandalizai-vos almas ingênuas, que não reconheceis vosso espírito liberal! Confessai que não saís de vosso assombro, que já não se compreende nada: os papas condenam a liberdade de ensino! Oh surpresa, oh escândalo! O Papa – e que papa! Leão XIII, que alguns chamam de liberal – condena a sacrossanta liberdade de ensino! Mas como defenderemos nossas escolas católicas… quer dizer, nossas escolas livres? Pois o nome de escola católica tem um ressabio de sectarismo, um sabor de guerra religiosa, um colorido muito confessional, que não convém manifestar nos tempos em cada um guarda a sua bandeira no bolso.

Farei-lhes admirar as moles e açucaradas virtudes liberais, superando-se uma à outra em hipocrisia: falta de senso, covardia e traição dão-se as mãos para cantar em coro, como nas ruas de Paris em junho de 1984, o “Cântico da Escola Livre”:

“Liberdade, liberdade, tu és a única verdade”.

O que falando claramente, significa: “não vos pedimos mais que a liberdade, um pouquinho de liberdade para nossas escolas; assim nada teremos a censurar à liberdade de ensino laica e obrigatória, à liberdade do quase monopólio da escola marxista e freudiana. Continuai tranqüilamente a arrancar Jesus Cristo das almas, denegrindo a pátria, manchando nosso passado no espírito e no coração de 80% das crianças; por nossa parte cantaremos glórias aos méritos da tolerância e do pluralismo, denunciaremos os erros do fanatismo e a superstição; em resumo, faremos apreciadores dos encantos da liberdade, aos 20% que nos restam”.

Deixo agora aos papas a responsabilidade de nos mostrar a falsidade desta nova liberdade e a armadilha que ela constitui para a  verdadeira defesa do ensino católico. Inicialmente vejamos sua falsidade:

“Quanto ao que se chama liberdade de ensino, não se deve julgar de outra maneira: não há dúvida de que somente a verdade deve ser dada às almas porque nela se encontra o bem das naturezas inteligentes, seu fim e perfeição; de modo que o ensinamento só pode ter por objeto as coisas verdadeiras, e  isso tanto para os instruídos como para os ignorantes, para dirigir uns ao conhecimento da verdade e conservá-la nos outros. É, portanto sem dúvida dever dos que ensinam, livrar as inteligências do erro e fechar o caminho que conduz a opiniões enganosas. Por aí se vê quanto repugna à razão esta liberdade de que tratamos e como nasceu para perverter radicalmente os entendimentos ao pretender ser lícito ensinar tudo segundo seus caprichos; licença esta que a autoridade nunca pode conceder ao público, sem infringir seus deveres.

Principalmente porque a autoridade do professor tem grande influência sobre os ouvintes e é muito raro o aluno  poder julgar, por si mesmo, se é ou não verdade o que explica o professor. Portanto, é necessário que esta liberdade não saia de certos limites para ser honesta, para que não suceda impunemente  que  a  faculdade  de  ensinar  se  transforme em instrumento de corrupção”97.

Guardemos pois estas palavras do papa: o poder civil não pode dar nas escolas chamadas públicas o direito de ensinar Marx e Freud, ou o que é pior, dar licença de ensinar que todas as opiniões e doutrinas têm igual valor, que nenhuma pode reivindicar a verdade para si, que todas devem tolerar-se mutuamente; isto constitui a pior das corrupções do espírito: o relativismo.

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Consideremos agora a armadilha que significa a liberdade de ensino. Para o católico, consiste em dizer ao Estado: “Não lhe pedimos mais do que a liberdade”. Em outras palavras: “a escola livre, no Estado livre”. Ou também: “vocês dão liberdade a Marx e a Freud em suas escolas públicas, dêem então liberdade a Jesus Cristo em nossas escolas particulares!” Mas isso é uma armadilha: é deixar à livre vontade do Estado a função de determinar o mínimo tolerável do projeto educativo cristão numa sociedade laica, e nesse espaço se acomodar docilmente. Seria o argumento ‘AD HOMINEM’, talvez aceitável frente a um regime brutalmente perseguidor, mas diante de um    poder    liberal-maçônico    tal    como    existe    no   Ocidente,

especialmente na França, e num país onde as forças da cristandade não foram completamente aniquiladas, isto é uma covardia e uma traição. Católicos! Mostrai valentemente vossa força! Manifestai abertamente os direitos de Jesus Cristo sobre os espíritos resgatados pelo seu sangue! Defendei valorosamente a plena liberdade que a Igreja tem de ensinar, em virtude de sua missão divina! Reivindicai também a plena liberdade dos pais de dar a seus filhos uma educação e instrução católicas em virtude de sua função de educadores natos da prole. É o ensinamento de Pio XI em sua encíclica ‘Divini Illius’ de 31 de dezembro de 1929, sobre educação:

“Dupla é pois a função da autoridade civil do Estado: proteger e promover a família e o indivíduo, mas sem os absorver ou suplantá-los”.

“Portanto em relação à educação, é direito, ou melhor, é o dever do Estado proteger com suas leis o direito da família na educação cristã das crianças, e por conseguinte, respeitar o direito sobrenatural da Igreja sobre essa educação cristã”.

E também em sua encíclica “Nun Abbiamo Bisogno”, de 29 de  junho de 1931 contra o fascismo que estrangulava as associações católicas da juventude, Pio XI tem palavras admiráveis que se aplicam à liberdade “plena” de ensino, à qual têm direito tanto a Igreja como as próprias almas.

“Falávamos dos direitos sagrados e invioláveis das almas e da Igreja. Trata-se do direito que têm as almas de buscar um maior bem espiritual no magistério e na obra formadora da Igreja,    divinamente    constituída    única    mandatária deste magistério e desta obra, na ordem sobrenatural fundada pelo sangue do Deus Redentor, necessária e obrigatória para todos, a fim de participar da redenção divina. Trata-se do direito das almas assim formadas de comunicar a outras almas os tesouros da redenção participando da atividade do apostolado hierárquico (Pio XI tem em vista a Ação Católica).

Em consideração a este duplo direito das almas, dizíamos recentemente que nos sentíamos felizes e orgulhosos de combater o bom combate pela liberdade das consciências, não (como talvez por inadvertência alguns afirmam que disse) pela liberdade de consciência, frase equívoca e frequentemente utilizada para significar a absoluta independência de consciência, coisa absurda em uma alma criada e redimida por Deus (…).

Por outro lado, trata-se do direito não menos inviolável, que tem a Igreja de cumprir o imperativo mandato de seu Divino fundador, de levar às almas, a todas as almas, todos os  tesouros da verdade e de bens doutrinais e práticos que Ele trouxe ao mundo. ‘Ide e ensinai a todas as nações, ensinando- lhes a guardar tudo o que vos confiei’ (Mt 28,19-20)”98.

Esta doutrina se aplica especialmente aos ensinamentos dispensados pelas escolas católicas. Penso que agora compreenderão melhor a diferença, a oposição diametral entre a liberdade de ensino liberal e a liberdade total de ensino, reivindicada pela Igreja como um de seus direitos sagrados.

Que lugar deixa a doutrina da Igreja ao Estado, no ensino e na educação? A resposta é simples: tirando certas escolas preparatórias aos serviços públicos, como por exemplo as escolas militares, o Estado não é educador nem docente. Sua função, de acordo com o princípio de subsidiaridade aplicado por Pio XI na citação acima, é promover a fundação de escolas particulares pelos pais e pela Igreja, e não substituí-los. A escola pública, o princípio de um “grande projeto nacional e educativo”, inclusive se não é laico e se o Estado não reivindica o monopólio da educação, é um princípio contrário à doutrina da Igreja.

Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre

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97 Leão XIII, “Libertas” PIN. 209/10; e “E giunto” PIN. 240.

98 D.C. 574 (1931) col. 82; Ensinamentos Pontificais, “A Educação”, Desclée, 1960 nº316.