Afirmar – como fizeram os promotores da Missa Nova – que a liturgia do Ofertório é uma adição inútil, imputável a uma certa teologia pós-tridentina, é não compreender nada da profunda realidade da Missa Católica.
Fonte: Courrier de Rome n ° 645 – Tradução: Dominus Est
A definição de sacrifício está indicada no seu devido lugar(1) por Santo Tomás, de acordo com as quatro causas: a causa material é a oferta de uma coisa sensível; a causa final é que esta oferta é feita somente a Deus para expressar sua soberania absoluta e nossa sujeição como criaturas, uma expressão que, por sua vez, é concretizada de acordo com os quatro fins particulares, que são: adoração, ação de graças, impetração e satisfação. A causa formal é que esse reconhecimento da soberania divina é significado na medida em que a coisa oferecida é submetida a uma certa transformação; a causa eficiente é um ministro legítimo mandatado por Deus e que é sacerdote no sentido próprio.
2 – De fato, só há um sacrifício aceito por Deus, que é o ato da Paixão de Cristo. De tal modo que este não foi apenas um sacrifício real, mas também o único sacrifício, o único que Deus quis e tal como Ele o quis segundo uma livre vontade que só a Revelação nos dá a conhecer. Os demais sacrifícios são apenas análogos, quer para simbolizar antecipadamente segundo o modo figurativo, como os da antiga Aliança, ou para torná-lo novamente presente segundo o modo sacramental, como o da Missa. O sacrifício da Missa, entendido como sacrifício no sentido próprio é, portanto, a oferta de Cristo imolado. Deve ser definido: 1) primeiramente, como uma oferta, e uma oferta agradável a Deus; 2) segundo, como uma imolação, a de Cristo oferecida a Deus neste estado de imolação. Aqui examinaremos a questão de saber se a Nova Missa de Paulo VI pode ser definida como uma oferta agradável a Deus. Examinaremos mais tarde, em outro artigo, a questão de saber se a Nova Missa de Paulo VI pode ser definida como o ato de uma imolação.
A importância do Ofertório de Missa(2)
3 – “Em suas características específicas”, comenta Da Silveira, “o ofertório da Missa de São Pio V sempre foi um dos principais elementos para distinguir a Missa Católica da Ceia Protestante”(3). É por isso que a supressão das orações do Ofertório, no Novus Ordo, é muito grave, uma vez que é esta supressão que representa uma das partes principais, senão a principal deste distanciamento apontado pela Breve Exame Crítico.
4 – É essencial que o sacrifício da Missa, tomado como oferta, seja agradável a Deus, ou seja, seja aceito como sacrifício, uma vez que a oferta é parte essencial do sacrifício. Ora, no estado de pecado original, nenhum sacrifício vindo do homem seria, por lei, aceitável a Deus e o único sacrifício que pode e deve ser aceito por lei é o de Cristo. Portanto, na medida em que é explicitamente declarado como oferta da imolação de Cristo, feita à Santíssima Trindade, que a Missa aparece pelo que é, referindo-se à própria oblação e à própria imolação de Cristo.
5 – Essa declaração explícita não pode ocorrer no próprio ato do sacrifício, ou seja, durante a dupla consagração, que realiza, neste momento e neste ato, a oferta que Jesus Cristo faz de Si mesmo à Santíssima Trindade. De fato, esta oferta é realizada neste momento (diríamos que é “em um ato exercido“) de uma forma misteriosa, que é o modo próprio do sacramento. As palavras da forma significam o que causam e causam o que significam, isto é, a verdadeira presença sacramental do Corpo e Sangue de Cristo. A imolação se realiza também, segundo este modo sacramental, a partir do fato de que a consagração é dupla e de que o pão é transubstanciado no Corpo de Cristo separadamente da transubstanciação do vinho no Sangue de Cristo. Este estado de imolação é de fato alcançado pela dupla consagração, mas não é diretamente significado pelas palavras desta dupla consagração. Estas significam e causam diretamente – como forma do sacramento – nem mais nem menos do que a dupla presença real. Esta dupla presença real, precisamente por ser dupla, realiza, por sua vez, o estado de imolação, mas isto não é diretamente expresso e não pode ser expresso pelas palavras da forma sacramental, que se contentam em indicar a presença: “Este é o meu Corpo”; “Este é o cálice do meu Sangue”. Dom Vonier chamou a atenção para este ponto em uma sugestiva observação no seu belo livro: “Portanto, temos na Eucaristia dois graus de significado que dependem um do outro e se complementam mutuamente. É por possuir um grau suplementar de significação e é por representar Cristo imolado que a Eucaristia é o sacramento supremo, o sacramento rei de todos os outros” (4). A verdade sobre a qual é importante insistir aqui é que se Cristo sacramentalmente imolado (devido à separação sacramental do seu Corpo e do seu Sangue) é oferecido à Santíssima Trindade como vítima de propiciação, esta oferta realiza-se neste momento da dupla consagração, mas não é ali expressa e não é diretamente significada. É por isso que é necessário que outra parte do rito seja dedicada a exprimir e significar diretamente o que não é expresso no momento da consagração, ou seja, o duplo fato da imolação de Cristo e da oferta de Cristo imolado. E é justamente a função do ofertório dar essa expressão distinta e esse significado direto.
6 – Acrescentemos outro ponto importante. O Ofertório não apenas declara a oblação sacrificial de Cristo e em que consiste. Ele também declara que os fiéis se unem ao sacrifício de Cristo a fim de se oferecerem a Deus com Cristo. “O Ofertório tem uma dupla função. Por um lado resplandece a realidade do sacrifício que será cumprido em poucos instantes. Pelo outro realiza o nosso sacrifício pessoal assumido pelo de Cristo”(5). Este é o sacrifício total de Cristo. O sacrifício da Missa é, unicamente, o de Cristo e da Igreja, pois é o sacrifício da Cruz como oferecido pela Igreja.
7 – Finalmente, último ponto importante: o ofertório também declara a finalidade propiciatória da oferta do sacrifício. Cristo imolado oferece-se a si mesmo para satisfazer e obter a remissão de nossos pecados.
8 – Tudo isso é de extrema importância, pois é, em última análise, o Ofertório que manifesta claramente, significando diretamente, o que é a Missa. Afirmar – como fizeram os promotores da Missa Nova(6) – que a liturgia do Ofertório é uma adição inútil(uma duplicata(7)), imputável a uma certa teologia pós-tridentina, é não compreender a profunda realidade da Missa Católica.
9 – O ponto essencial da definição da Missa assinalada e declarada pelo Ofertório é, com efeito, que a Missa é simultaneamente um memorial e uma realidade do sacrifício da Cruz. Porque ela não é apenas o memorial do sacrifício da Cruz, mas também porque é a própria realidade deste sacrifício, a Missa é o ato sagrado onde a Igreja, através do ministério do sacerdote, não apenas torna presente, mas na realidade FAZ (“conficit” diz S. Tomás) verdadeiramente este sacrifício da Cruz. Afirmar que o sacrifício da Cruz é presente, mas não realizado pelo sacerdote e pela Igreja, está em conformidade com a doutrina protestante e contradiz aquela da Igreja, expressa por Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e o Concílio de Trento. Este último, não contente em dizer que o sacrifício da Cruz é oferecido, especifica que Cristo é imolado na Missa(8). A Missa não repete o sacrifício da Cruz, como se fosse insuficiente (como objetam os protestantes), mas a Igreja renova-o, reitera-o de forma sacramental, e não física. A imolação da Missa é fisicamente distinta daquela da Cruz, mas é sacramentalmente idêntica a ela(9), no sentido de que a liturgia da consagração significa indiretamente e realiza o sacrifício como um ato de Cristo. E a oferta que o Ofertório significa é a de uma imolação que não apenas é significada, mas realizada, pois é a oferta de uma vítima que foi sacramentalmente imolada na própria Missa. Não é apenas como a oferta de uma imolação passada e significada.
10 – Acrescentemos que o Ofertório significa diretamente que a Missa é IGUALMENTE um ato da Igreja e do sacerdote e que eles constituem uma única vítima com Cristo. O Ofertório é, segundo o sinal, uma oferta da vítima pela Igreja, na medida em que a Missa TAMBÉM é o seu sacrifício e não apenas o sacrifício de Cristo. Daí as orações: Suscipe sancte Pater omnipotens hanc imaculatam hostiam quam ego indignus famulus tuus offero; offerimus tibi; suscipe sancta Trinitas hanc oblationem quam tibi offerimus. Portanto, sem o Ofertório (ou com o Ofertório da Missa de Paulo VI), a Missa não é necessariamente inválida, mas já não significa mais que Ela É o sacrifício de Cristo oferecido pela Igreja. Suprimir o Ofertório, portanto, sugere que a Missa é apenas o memorial do sacrifício de Cristo.
O ofertório foi suprimido do Novus Ordo.
11 – Não somente as três ideias fundamentais evocadas acima nos números 5, 6 e 7 desapareceram no novo ofertório, como também várias expressões de outros princípios, que distinguem a doutrina católica do protestantismo, foram suprimidas ou atenuadas. A alusão à queda de nossos primeiros pais é eliminada. A invocação de Nossa Senhora, anjos e santos desaparecem. O princípio de que o sacrifício deve ser aceito por Deus para que Lhe seja agradável é bastante obscuro. Aqui, o Novus Ordo distorce a oferta ao degradá-la. Faz dela uma espécie de troca entre Deus e o homem: o homem traz o pão e Deus o transforma em pão da vida; o homem traz vinho, e Deus o faz uma bebida espiritual:
“Bendito sejais, senhor, Deus do Universo, pelo pão (ou vinho) que recebemos da Vossa bondade, fruto da terra (ou da videira) e do trabalho do homem: que agora Vos apresentamos e que para nós se vai tornar Pão da vida. (ou bebida espiritual)”.
12 – É necessário salientar que as expressões “pão da vida” (panis vitae) e “bebida espiritual” (potus spiritualis) são absolutamente indeterminadas: podem significar qualquer coisa. Aqui, o pão e o vinho são alterados espiritualmente: já não está mais especificado que são substancialmente alterados.
13 – Na preparação das Oblatas, um conjunto semelhante de ambigüidades é alcançado pela supressão de duas admiráveis orações: Deus qui humanae substantiae; Offerimus tibi, Domine calicem salutaris. A primeira destas duas orações declara: “Ó Deus que criou a natureza humana de maneira admirável e que de maneira ainda mais admirável restituiu à sua dignidade original”. É uma recordação da antiga condição da inocência do homem e de sua atual condição de redimido pelo sangue de Cristo; é uma recapitulação discreta e rápida de toda a economia do sacrifício desde Adão até o tempo presente. A segunda dessas duas orações, que é o final do Ofertório, é expressa no modo propiciatório; pede que o cálice seja elevado cum odore suavitatis na presença da Majestade divina, cuja clemência é implorada; sublinha maravilhosamente essa mesma economia de sacrifício. Essas duas orações foram excluídas do Novus Ordo.
14 – Suprimir dessa forma a referência permanente a Deus é eliminar qualquer distinção entre o sacrifício que procede de Deus e o que vem do homem. Se destruirmos a pedra angular dessa maneira, seremos forçados a fabricar andaimes alternativos: se suprimirmos os verdadeiros objetivos da Missa, seremos forçados a inventar propósitos fictícios. Eis, pois, novos gestos para sublinhar a união entre o sacerdote e os fiéis, e dos fiéis entre si; aqui está a sobreposição, destinada a cair no grotesco, das ofertas feitas pelos pobres e pela Igreja à oferta da Hóstia destinada ao Sacrifício. Por esta confusão, a singularidade primordial da Hóstia destinada ao sacrifício é apagada; para que a participação na imolação da Vítima se torne um encontro de filantropos ou um banquete beneficente.
O desaparecimento do ofertório corresponde a uma protestantização.
15 – O livro de Arnaldo Xavier a Silveira destaca este ponto(10) a partir da obra de Luther D. Reed, publicado em 1959 e intitulado The Lutheran liturgy. Este autor é um pastor luterano dos Estados Unidos que ensinou liturgia por 34 anos no seminário luterano da Filadélfia. Ele é um dos promotores do movimento de padronização da liturgia luterana nos Estados Unidos.
16 – Reed escreve, sem rodeios, que “a oração central do Ofertório Suscipe Sancte Pateré uma exposição perfeita da doutrina católica romana sobre o sacrifício da missa”. Ele acrescenta: “Todos os reformadores rejeitaram o Ofertório Romano e sua ideia de uma oferta pelos pecados feita pelo sacerdote, em vez de uma oferta de agradecimento feita pelo povo. Lutero, com sua convicção de que o sacramento é um dom de Deus ao homem e não uma oferta do homem a Deus, chamou o ofertório romano de uma abominação onde a oblação se ouve e se sente em toda parte”. Os luteranos, portanto, reduziram o ofertório à apresentação de dons pelo povo e à preparação de pão e vinho para a comunhão.
17 – A mesma tendência pode ser encontrada entre os calvinistas reformados, cujas posições podemos conhecer graças aos cursos de André Gounelle(11), professor da Faculdade de Teologia Protestante de Montpellier, onde ocupou a cadeira de Teologia Sistemática, de 1971 até sua aposentadoria em 1998. Os calvinistas reformados também veem a adoração como um ato de Deus, uma palavra que Deus dirige aos seres humanos. Como escreve Laurent Gagnebin, “Deus é o ator principal do culto”(12). Em outras palavras, o culto parte de Deus, que tem a iniciativa e vai até o ser humano, que O recebe. O culto nos diz o que Deus nos dá e o que Ele exige de nós. Evidentemente o culto comporta igualmente um ato humano que se volta para Deus e que Lhe fala. No entanto, este ato vem em segundo lugar, em resposta ao primeiro movimento de Deus para conosco. A convocação dos homens por Deus precede a invocação de Deus pelos homens que ela torna possível e que dela resulta. Como escreve Karl Barth, “O culto […] é, em primeiro lugar […], um ato divino, e em segundo lugar, apenas, derivativa e incidentalmente, um ato humano”(13). Somos os beneficiários do culto. Ao celebrá-lo, não levamos nada a Deus. Pelo contrário, dele recebemos a palavra que responde às nossas necessidades, que nos anuncia a salvação e nos mobiliza ao seu serviço e ao de nossos próximos. Nesta linha, os reformadores fizeram uma distinção clara entre “sacramento” (o que Deus oferece aos homens) do “sacrifício” (o que os homens oferecem a Deus). Criticam o catolicismo por conceber o culto mais como um sacrifício (uma oferta dos fiéis a Deus), do que como um sacramento (uma oferta de Deus aos fiéis) (14).
Evidentemente os Reformadores negam que, no culto, os homens vão a Deus e se entregam a Ele (neste sentido, pode-se falar de um sacrifício que se qualificaria como “louvor” para enfatizar que ele não tem um carácter expiatório ou propiciatório caráter expiatório ou propiciatório). Por outro lado, dizer que o culto é essencialmente um ato de Deus não deve levar a dar-lhe um valor sobrenatural. Essa afirmação não autoriza a divinizar as palavras que aí se pronunciam e os gestos que aí se faz. Ela significa que Deus se serve do culto como meio de fazer ouvir sua palavra, assim como o pão e o vinho são instrumentos que Ele usa para nos fazer sentir sua presença. Não se deve desprezá-los (visto que Deus os instituiu para nosso bem) nem os tornar sagrados (como se tivessem um valor absoluto).
18 -Está muito claro que o Novus Ordo, ao abolir o ofertório tradicional e substituí-lo pelas novas orações mencionadas acima, tem um rumo protestante.
Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX
Notas
- Suma teológica, questão 85.
- Arnaldo Xavier Da Silveira, La Nouvelle Messe de Paul VI, qu’en penser?Editions de Chiré, Diffusion de la Pensée Française, 1975, capítulo III, § B, p. 64-76; Michel-Marie Guérard des Lauriers, “L’offertoire de la messe” na Itinéraires No. 158 (dezembro de 1971), p. 46-69; Grégoire Célier, “De l’offertoire à la présentation des dons” na Le Sel de la Terre, n° 1 (segundo trimestre de 1992), p. 77 e sv.
- Arnaldo Xavier Da Silveira, La Nouvelle Messe de Paul VI, qu’en penser?Editions de Chiré, Diffusion de la Pensée Française, 1975, capítulo III, § B, p. 64.
- Dom Anschaire Vonier, La Clef de la doctrine eucharistique, Les Editions de l’Abeille, 1943, p. 121.
- Grégoire Célier, “De l’offertoire à la présentation des dons”, na Le Sel de la Terre, n° 1 (segundo trimestre de 1992), p. 77.
- E assim como o Padre Philippe Jobert, OSB, na revista Esprit et Vie de 17 de fevereiro de 1993. Este estudo é listado pelo Padre Jean-Marc Rulleau (hoje, na religião, Irmão Bernard de Menthon) “Nota crítica: o santo sacrifício” na Le Sel de la terre, n° 12 (outono de 1994), p. 198-200.
- Grégoire Célier, “De l’offertoire à la présentation des dons” na Le Sel de la Terre, n° 1 (segundo trimestre de 1992), p. 80-83.
- DS 1741 e 1743.
- Sobre este assunto, ver o capítulo 8 do livro do Padre Jean-Marc Rulleau, Le Sacrifice, Editions Controverses, 1990.
- Arnaldo Xavier Da Silveira, La Nouvelle Messe de Paul VI, qu’en penser?Editions de Chiré, Diffusion de la Pensée Française, 1975, capítulo V, especialmente em § C, p. 141 e sv.
- As seguintes considerações são extraídas. Esses cursos foram ministrados em 1998 e depois em 2005-2006 (acessíveis no site da Comunidade Protestante de Pomeyrol ou no site andregounelle.fr). O curso de 2005-2006 é um resumo do curso de 1998.
- Laurent Gagnebin, Le Culte à choir ouvert, Labor et Fides, 1992, p. 25 e 62.
- Karl Barth, Connaître Dieu et le servir, Delachaux e Niestle, 1945, p. 176-175; Dogmatic, vol. 22, pág. 29-30 e vol. 25, pág. 209.
- Philipp Mélanchthon, Apologie de la Confession d’Augsbourg, dans La Foi des Eglises Luthériennes(André Biermelé e Marc Lienhard, org.), Labor e Fides-Cerf, 1991, p. 221-222.