Devemos obedecer Perinde ac cadaver (como um cadáver)?
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
Durante o Processo do Ordinário de Nevers, em preparação para a beatificação de Santa Bernadette Soubirous, uma irmã contou que a santa, já doente e sendo tratada na enfermaria de seu convento em Nevers, um dia foi proibida pela Superiora Geral de comparecer à Missa no domingo seguinte. A Superiora queria poupar a doente do cansaço. Bernadette, religiosamente chamada Marie-Bernard, foi para lá mesmo assim. Tudo o que ela precisava fazer era se levantar e atravessar o corredor para aparecer na tribuna da capela. Ao vê-la, a Superiora a repreendeu duramente, ao que a irmã se humilhou. Então ela disse: “O que você quer? Eu cumpri o preceito [1].”
Nas Notas das Carmelitas de Lisieux, preparatórias ao Processo Apostólico, Madre Inês de Jesus, irmã de sangue de Santa Teresa de Lisieux (sua irmã Paulina), relatou o seguinte fato: o padre franciscano Alexis Prou veio pregar o retiro comunitário do Carmelo de Lisieux. Suas pregações e conselhos particulares fizeram muito bem à Irmã Teresa do Menino Jesus. Madre Marie de Gonzague, Prioresa, no entanto, proibiu a irmã de voltar a vê-lo. Porém, no final do retiro, ela foi se confessar com ele, como era costume. Isso aconteceu durante a refeição das 11 horas, e sua ausência foi notada pela Prioresa, que expressou sua raiva à Madre Inês de Jesus. “Ela tomou a iniciativa de ir bater na porta do confessionário. Teresa escapou. Ela me respondeu com calma e determinação: “Não, eu não vou sair, o bom Deus quer que eu esteja aqui neste momento, devo aproveitar suas graças e sua luz. Então suportarei todas as dores que ele me enviar”. E ela voltou ao confessionário. O que eu havia previsto aconteceu [2]…” ”
Em ambos os casos, vemos uma santa desobedecendo a uma ordem de sua superiora. Nenhuma delas achou pecaminoso refletir sobre a legitimidade da ordem dada. Nenhuma delas julgou necessário pedir permissão para ver nisso um abuso de poder, que deveria dar lugar a um dever mais imperioso: nesse caso, o preceito dominical, do qual a Superiora religiosa não tinha o poder de dispensar, e a regra da liberdade de confiar-se ao seu confessor, consequência da distinção de jurisdições. Nenhuma delas foi considerado pela autoridade da Igreja como rebelde, anarquista, protestante defensor do exame livre, etc. Pelo contrário, os meticulosos julgamentos eclesiásticos concluíram, em ambos os casos, que as virtudes eram heróicas. Mas sua virtude heróica também os fez aceitar com paciência as injustas penitências que lhes foram impostas.
No contexto das futuras sagrações episcopais na Fraternidade São Pio X, com ou sem mandato pontifício, quando os argumentos de quase 40 anos atrás estiverem vindo à tona[3], algumas mentes entristecidas se lançarão avidamente sobre tais reflexões para ver nelas um elogio à desobediência, a ser acrescentado ao pesado dossiê da Fraternidade, ao lado da excommunicationis laetitia …
Não temos a intenção de abordar toda a questão, mas apenas dar margem para reflexão sobre as exigências da obediência. Esta virtude é necessária para assegurar o bem comum de uma sociedade; permite também ao cristão viver imitando Jesus Cristo e, assim, participar da obra divina da Redenção. Ela constitui um sacrifício da vontade, o mais caro de todos.
Por tudo isso, a obediência a um homem não exige ordinariamente a submissão de acordo com o “movimento interior da vontade” [4], o que significa que a ordem dada pode ser considerada menos judiciosa [5], ou até mesmo desastrosa. Tampouco exige, na submissão externa devida ao superior, que o preceito de uma autoridade superior seja violado.
É surpreendente que se possa falar da situação canônica da Fraternidade São Pio X sem jamais mencionar a crise na Igreja, que é sua única explicação: a motivação para essas ordenações proibidas é dar aos fiéis uma estrutura para conduzir sua vida cristã tradicional de forma integral, e não apenas na mesquinha parcimônia de uma Missa que nem sempre é no domingo. Deixemos a última palavra ao Código de Direito Canônico promulgado por João Paulo II em 1983, que termina com estas palavras: “(…) sem perder de vista a salvação das almas, que deve ser sempre a lei suprema na Igreja“.
Pe. Nicolas Cadiet, FSSPX
Notas:
- R. Laurentin, Sr. M.-Th. Bourgeade, Logia de Bernadette – estudo crítico de suas palavras de 1866 a 1879, Apostolat des Editions et Lethielleux, Paris, Œuvre de la Grotte, Lourdes, 1971, t.3, n°705 p.101.
- Citado por Guy Gaucher, Thérèse de Lisieux (1873–1897), Cerf, 2010, p.347.
- Praticamente inalterado, cf. La Nef, n.º 378, março de 2025. Exceto que, ao contrário do discurso dos anos 1990 (e atual em certos meios de comunicação que especificam complacentemente as nuances à esquerda, mas muito pouco à direita), trata-se apenas de um cisma “ainda não plenamente consumado”, p.18.
- IIa IIae q.104 a.5.
- Cf., por exemplo, Henry Donneaud op, As questões teológicas da obediência na vida consagrada, em Vida Consagrada, n.º 88 (2016/4), pp.33–42.