Este trabalho do Sr. Lafayette é um dos capítulos de uma grande compilação sobre a Santa Missa, onde o autor recolhe de vasta bibliografia e organiza com inteligência, muitas explicações sobre a Missa Nova, seus erros, a comparação com a Missa de São Pio V etc. Nesta obra inédita são dadas exaustivas referências a todas as obras citadas. Essas notas foram aqui retiradas para não tornar a leitura desagradável.
Antecedentes – Sobre o Concílio Vaticano II e a Reforma Litúrgica
O Papa Pio XII faleceu em 1958 e no início de 1959 foi dado o primeiro aviso oficial sobre o futuro Concílio; e a 25 de julho de 1960, João XXIII tornou pública a sua decisão de confiar aos Padres do Concílio a reforma litúrgica.
As comportas iam ser abertas; era preciso, então, acelerar as providências. O monge beneditino Dom Adrien Nocent, “neolitúrgico típico”, foi nomeado, em 1961, professor do Pontifício Instituto de Liturgia de Santo Anselmo em Roma, uma venerável universidade beneditina fundada por Leão XIII; e lá Dom Nocent preparava o Concílio. Naquele mesmo ano de 1961, em sua obra O Futuro da Liturgia, Dom Nocent definia os princípios e os fundamentos da nova missa que então preconizava. Seu propósito: influir direta e decisivamente na “revisão da liturgia” que poderia ser realizada durante o Concílio Vaticano II.
Veio o Concílio.
Pela vontade do Papa João XXIII, o Vaticano II quis ser um Concílio Ecumênico e, como disse um bispo não tradicionalista, aí esta palavra “ecumênico” deve ser entendida não no sentido tradicional de “universalidade” ou de “catolicidade”, mas “na acepção moderna (ou errônea?) de favorecer a unidade dos cristãos” 1.
Essa intenção de fazer do Concílio um instrumento de ecumenismo (aliás, falso) abriu as portas da Santa Sé e a cidadela foi ocupada pelos neolitúrgicos progressistas.
Deixemos de lado o que nos separa, guardemos o que nos une; este bem conhecido programa de João XXIII foi o principio inspirador da nova liturgia.
Ora, uma reforma litúrgica inspirada em “motivos ecumênicos” é inconcebível, porque contradiz o princípio imutável da liturgia católica: cabe à regra de fé regular a oração. Uma tal reforma é, ao contrário, pôr em prática a “caridade sem fé” que São Pio X condenou no modernismo. Não é de espantar que a “reforma” (que ia ser implantada) tenha sacrificado a claridade e a exatidão doutrinal em troca de ambigüidade e compromisso.
Todavia, imbuídos do princípio anunciado por João XXIII, os Padres conciliares irão dizer, no primeiro documento que aprovaram, ou seja, na Constituição “Sacrosanctum Concilium” sobre a reforma da “Sagrada Liturgia”, de 4 de dezembro de 1963, que o Concílio Vaticano II, desde o seu inicio, propunha-se a “favorecer tudo o que possa contribuir para a união dos que crêem em Cristo“… e para tanto julgou “ser seu dever cuidar de modo especial da reforma e do incremento da Liturgia” (idem, pg 259. O destaque é meu)., estando a Reforma do Ordinário da Missa inserida nessa reforma. E esse documento foi redigido de uma forma tão ambígua que tornou possível a remoção “das pedras que pudessem constituir mesmo sombra de um risco de tropeço ou de desagrado para nossos irmãos separados“, como declarou Monsenhor Annibal Bugnini, artífice da Nova Missa, no L’ Observatore Romano de 19 de maio de 1965, pedras essas que existiam (e que continuam a existir) na liturgia da Igreja Católica, particularmente no rito romano tradicional, restaurado e canonizado por São Pio V para deter e combater as heresias protestantes.
Com a aprovação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia foi iniciada a protestantização da Missa católica. E, isto feito, Paulo VI, a 29 de fevereiro de 1964, criou o “Consilium ad Exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia” – Conselho para a Aplicação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia, o “Consilium”, tendo por presidente o Cardeal Lercaro e por secretário o Monsenhor Annibal Bugnini, ou seja, os elementos mais avançados do Movimento Litúrgico italiano. Ao Consilium coube a tarefa de fazer a Reforma Litúrgica, aprovada pelo Vaticano II.
A VERDADEIRA HISTÓRIA DA COMUNHÃO NA MÃO
I – Introdução
Na “Missa de Dom A. Nocent”, sugerida por este monge beneditino em 1961, já estava recomendado que a comunhão deveria ser feita sob ambas as espécies — costume que havia sido abolido “por graves e justas causas”, como afirmou o Concílio de Trento, mas que a Constituição “Sacrosanctum Concílium” sobre a Sagrada Liturgia, de 1963, tornou novamente possível 2 — e, mais ainda, de pé e na mão.
O procedimento de receber a comunhão de pé e na mão não consta do Livreto “Liturgia da Missa”, obra com a “Tradução Oficial para o Brasil” aprovada pela CNBB e pela Sagrada Congregação do Culto Divino, mas foi adotado sem a menor sombra de dúvida e, depois, tornou-se uma prática universal.
Quanto à questão de ser a comunhão feita de pé, salvo a menção feita na “Missa de Dom A. Nocent”, nada encontrei em documento algum. Todavia, é um procedimento que acompanha naturalmente à decisão de permitir a comunhão na mão, pois ninguém vai se ajoelhar para receber a comunhão desse modo e, hoje em dia, os comungantes só recebem a comunhão de pé; até mesmo aqueles que a querem receber na boca (ver X – “Conclusões”).
A comunhão na mão foi especificamente autorizada pela Instrução “Memoriale Dómini” – Instrução essa redigida “por mandato especial de Paulo VI e por ele mesmo aprovada em razão de sua autoridade apostólica” (28/05/69) – e na qual a Sagrada Congregação para o Culto Divino, na esteira de outros autores, afirma que “em épocas muito antigas se fez uso da comunhão na mão“, dando a entender que este era o procedimento normal. É este o tema que vamos aprofundar neste ensaio, para mostrar a verdadeira história da comunhão na mão.
II – O Corpo de Deus e o respeito que lhe é devido
“Eu sou o pão da vida”… (Jo.6,48), “Eu sou o pão vivo que desci do céu… e o pão, que Eu darei, é a minha carne para a vida do mundo” (Jo.6,51) (e não apenas para a vida dos discípulos) e “Eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt.28,20).
Este pão da vida e pão vivo – Carne do Senhor – o Corpo de Deus vivo e verdadeiro – sempre foi tratado com o maior respeito e cercado de inúmeros cuidados desde os primeiros tempos do cristianismo (voltaremos a este ponto a seguir), como não poderia deixar de ser por se tratar do próprio Deus vivo, que quis se transubstanciar, usando um pedaço de PÃO, para que os homens pudessem comer da sua carne (Jo.6,54), alimento da alma, e (pudessem) alcançar a vida eterna (Jo.6, 54 e 58).
O Senhor se fez carne, Cordeiro de Deus, para o sacrifício e, de carne, se fez Pão – Pão do céu – para alimento de nossas almas.
III – Os cuidados com as partículas que caem da Hóstia consagrada
Era norma dos primeiros cristãos só comer a Carne do Senhor depois de tê-la adorado, o que prova a crença na presença real de Nosso Senhor; e àquele que ia comê-la era dirigida esta advertência: “…recebe com cuidado de nada perder. É em verdade o Corpo de Cristo” (ver IX – A “Memoriale Dómini”).
A Igreja sempre tomou um grande cuidado a fim de evitar que qualquer partícula da Santa Eucaristia se perdesse ou caísse no chão. São Cirilo de Jerusalém (313-316) dizia aos novos batizados que eles deviam lamentar mais a perda de qualquer partícula da Hóstia que a perda de ouro, de diamante ou de qualquer um dos membros de seu corpo. De acordo com este modo de pensar, os orientais chamam os fragmentos da Eucaristia de “pérolas“. Por sua vez, a liturgia de São Crisóstomo (344-407) assinala que, ao fim da Missa, o padre ou o diácono consome com atenção e devoção todos os fragmentos e cuida para que não se perca qualquer partícula ou “pérola”. Note-se que tal norma era, no século IV, dirigida apenas aos ministros do culto, não fazendo menção aos fiéis leigos.
E eles tinham todos esses cuidados ainda que as partículas, ou fragmentos, que caíam da Hóstia consagrada fossem naquele tempo muito menos numerosas que hoje em dia. Isto porque o “dom” oferecido nos primeiros tempos era um pão ázimo como agora, mas de uma forma, com um contorno, que não favorecia a deposição de partículas, ou seja, as “pérolas”, como acontece com as pequenas hóstias que são hoje em dia empregadas pela Igreja do Ocidente; e é preciso dizer que é da máxima importância ter todo cuidado com qualquer partícula da Hóstia já consagrada, por menor que seja, pois está “o Cristo todo inteiro sob a espécie do pão e sob a mínima parte desta espécie“, como definiu dogmaticamente o Concílio de Trento 3.
Com efeito, das bordas das pequenas hóstias que hoje são utilizadas para serem oferecidas e consumidas caem pequeninas partículas; quem já viu um cibório, onde são guardadas as hóstias já consagradas, ou uma patena depois da comunhão dos fiéis sabe quantas “pérolas” ali ficam. Com a nova forma de comungar, o Corpo do Senhor fica agora na palma da mão ou entre os dedos de quem comunga ou então cai no chão e pode ser pisado.
IV – A manipulação do Corpo do Senhor: o procedimento normal
Talvez já prevendo que tais profanações pudessem vir a ocorrer e, também, em função do respeito que se deve ter para com o Corpo do Senhor, os Santos Padres se preocuparam desde os primórdios do Cristianismo em firmar uma doutrina sobre quem estava habilitado a tocar no Pão e no Vinho consagrados. E o procedimento normal adotado, desde o início, sempre foi o de ficar a manipulação dos dons consagrados – e, portanto, a sua distribuição também – restrita a pessoas, também, consagradas, aquelas que recebem o dom de poder tocar no Santíssimo Sacramento, o que mostra que ao leigo não é lícito (salvo em casos especiais) tocar neste Corpo; e se não lhe é permitido tocar, muito mais grave é recebê-lO nas mãos e levá-lO à boca para consumir a Vítima sagrada do Sacrifício — o Corpo de Deus Filho — oferecido a Deus Pai.
Além disso, as normas estabelecidas pelos Santos Padres (que serão mostradas mais adiante) não seriam necessárias se os fiéis leigos estivessem também autorizados a tocar nos santos mistérios. Não podendo tocá-los, por não terem mãos consagradas para fazê-lo, como é que estas mesmas mãos podem receber o Corpo de Deus vivo?
Porém, hoje, depois do Vaticano II, para justificar a comunhão recebida na mão, é dito que era esse o costume dos primeiros cristãos. O próprio, e insuspeito, Padre Le Brun afirma que “durante os cinco primeiros séculos os padres davam a Eucaristia na mão dos fiéis” 4. Todavia, como veremos, esta não é a verdadeira história, e se, no século V, um Papa afirmou explicitamente que a comunhão deve ser recebida na boca não foi porque antes fosse recebida na mão, mas, sim, por causa dos abusos que, ainda, continuavam a ocorrer em seu tempo, como será também mostrado.
V – O procedimento de exceção na manipulação do Corpo de Deus
De fato, a manipulação do Corpo do Senhor pelos leigos — para seu próprio uso ou para distribuí-lO a outros fiéis (o que não significa necessariamente que estivessem autorizados a distribuir a comunhão na mão desses fiéis) — era um costume que devia ficar restrito a alguns casos especiais, casos de exceção (ver VII – “As exceções”), e isto se aplica tanto aos primeiros tempos do cristianismo como aos tempos atuais. Assim é que o Santo Ofício, em resposta (21 de julho de 1841) a uma consulta, diz: “É unicamente em tempo de perseguição, em caso de real necessidade e se o padre, ministro ordinário do Sacramento, estiver impedido, que os leigos podem manipular a Santa Eucaristia”.
VI – Os acontecimentos históricos
Vejamos, então, o que realmente aconteceu, ou seja, qual era a doutrina dos Santos Padres dos primeiros tempos e quais eram os casos de exceção; passemos aos fatos históricos.
São Paulo chama os padres de “ministros do Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus” (1Cor.4,1 e 2) e, portanto, cabe a eles a manipulação do Corpo de Deus e a distribuição dos dons consagrados.
Abusos devem ter ocorrido, pois, São Sixto I – Papa de 117 a 126 – julgou necessário lembrar e publicar a norma apostólica, reafirmando que somente os ministros do culto (os padres e seus ajudantes, os diáconos) são aptos a tocar (tangere) os santos mistérios: “hic constituit ut mysteria sacra non tangeretur, nisi a ministris”.
São Justino (100-166), por sua vez, na sua Apologia dedicada ao Imperador romano, testemunha esta disciplina primitiva afirmando que são “os diáconos que distribuem a comunhão e levam aos doentes”.
E o sábio Tertuliano de Cartago (160-250) diz, também, que o Sacramento da Eucaristia era recebido “somente da mão do padre”: “nec de aliorum manu sumimus”.
Como os casos em que estava autorizada a manipulação da Santa Eucaristia pelos leigos (ver VII – “As exceções”) continuassem a gerar abusos, Santo Estevão – Papa de 254 a 257 – teve que advertir os leigos, dizendo-lhes que eles não deviam “considerar como suas as funções eclesiásticas”; e, quanto ao clero, Santo Eutiquiano – Papa de 275 a 283 – exortou os padres a manterem a disciplina cumprindo seus deveres, especialmente levando eles mesmos a Comunhão aos doentes: “nullus praesumat tradere Communionem laico vel feminae ad deferendum infirmo” (que ninguém ouse confiar a um leigo ou a uma mulher o cuidado de levar a Comunhão a um doente).
Assim, pelos textos citados, vemos que mesmo em tempo de perseguição, ou seja, mesmo antes da “paz da Igreja”, o que ocorreria pouco depois do ano 313, ano do Edito de Milão, não era um costume generalizado os leigos manipularem a Eucaristia para distribuí-la ou consumi-la. Não seriam necessárias todas as advertências dos Santos Padres, acima citadas, sobre quem devia manipular o Corpo de Deus, se os fiéis pudessem tocar habitualmente no Santíssimo Sacramento. Se eles pudessem tocá-lO, poderiam também servir a si mesmos e também (poderiam) distribuir a Comunhão à outras pessoas (o que hoje fazem errada, pois habitualmente, os ministros extraordinários da Eucaristia). Porém, o que de fato se verifica é que, pelo menos desde o Papa São Sixto I, somente aos padres e aos diáconos é permitido manipular e distribuir a Eucaristia e, mais ainda, o diácono devia receber o Santíssimo Sacramento das mãos do padre. Os leigos só podiam tocar na Hóstia consagrada excepcionalmente.
VII – As exceções
É verdade que casos havia em que era permitido aos leigos manipular e distribuir a Comunhão. Os leigos podiam fazê-lo nos chamados casos de necessidade, ou seja, quando não havia sacerdote para se ocupar daqueles deveres; fora dessas circunstâncias, nem os leigos, nem os padres menores, devem ser considerados como ministros da Eucaristia. Eles somente serão chamados a título de ministros extraordinários em casos excepcionais.
Portanto, é verdade que – em tempo de perseguição e, portanto, tempo de exceção – os fiéis leigos foram autorizados a levar para casa o Santo Sacramento, para consumi-lo durante as semanas seguintes ou levá-lo aos doentes, mas era, conforme o caso, ou por causa da ameaça sempre eminente de perseguição ou da distância ou da falta de padres e de diáconos. São Basílio de Cesaréa (329-379), em sua Carta 93, datando aproximadamente de 372, declara que por esses motivos poder-se-ia “receber a Comunhão por meio de sua própria mão”. Temos, assim, mais uma confirmação de que, normalmente, o fiel não deve receber a Comunhão de sua própria mão. Podemos concluir, também, que no caso de distribuição autorizada do Corpo de Deus a outros (doentes, por exemplo), isto não significa que a comunhão fosse dada na mão; estando o leigo que a ia receber proibido de tocar no dom consagrado, não é lícito esperar que recebesse o Corpo do Senhor na mão; e se o fizesse não seria em função de uma norma da Igreja, mas de um abuso. Para evitar dúvidas e abusos, os Santos Padres passarão a dizer, explicitamente, que a Santa Comunhão é recebida na boca (ver VIII – “Os tempos normais”).
Desde que as circunstâncias permitiram, o costume excepcional mencionado no parágrafo anterior foi-se tornando desnecessário e é certo que esta prática de exceção, como diz o “Dicionário de Arqueologia Cristã e de Liturgia”, de Dom H. Leclerq, “caiu em desuso pouco tempo depois da paz da Igreja”.
Todavia, o hábito arraigado em alguns leigos fazia com que esses praticassem abusos já em tempos normais, por continuarem levando o pão consagrado para suas casas. Além disso, com a paz e liberdade concedidas à Igreja, as conversões para o Cristianismo se efetuavam em grande escala e de maneira por vezes brusca; conseqüentemente os novos cristãos ainda guardavam consigo traços de sua antiga mentalidade pagã, muito dada à superstição e ao uso de amuletos. Documentos atestam que a partícula sagrada era não raro pendurada ao pescoço dos fiéis, aos leitos, às paredes das casas, aos cofres, como se fora um amuleto, um feitiço dotado de poderes quase mágicos ou um instrumento poderoso contra doenças, desgraças, inimigos, etc.
Então, medidas enérgicas foram tomadas para restabelecer as regras apostólicas.
Para tanto, São Dâmaso I – Papa de 366 a 384 – proibiu aos fiéis terem o Alimento divino em suas residências: “oblationes… sub dominium laicorum deteneri vetat”.
No ano 380, o Concílio Regional de Saragoça lança anátemas contra aqueles que insistissem em continuar a tratar o Santo Sacramento da mesma maneira que em tempos de perseguição, e o Concílio Regional de Toledo, no ano 400, insiste na mesma determinação: “Se alguém não consumir realmente a Eucaristia recebida do sacerdote, seja expulso como um sacrílego” (canon 14).
Verifica-se, portanto, que naquele tempo já era claramente distinguida a regra normal, daquilo que tinha sido, por muito tempo, exceção na Igreja.
Além disso, sendo as sanções acima citadas, pelas quais a Igreja protegeu o cumprimento das normas litúrgicas transmitidas pelos Apóstolos, de âmbito específico (regional), pode-se concluir também que esses abusos eram desvios não generalizados.
VIII – Os tempos normais
A paz externa, a expansão da Igreja por todo o Império Romano e o aumento das vocações sacerdotais fizeram com que a manipulação do Santíssimo Sacramento pelos leigos não tivesse mais justificativa.
A) A norma expressa sobre a Comunhão na boca
Se os primeiros Santos Padres se preocuparam em afirmar que cabia aos ministros do culto distribuir a comunhão, a fim de evitar que o Pão da Vida fosse manuseado por qualquer um como um pão comum, agora, no século IV e seguintes, em tempos de normalidade, vamos encontrar os Santos Padres citando explicitamente o costume tradicional de comungar; já haviam desaparecido os motivos que justificavam a manipulação do Corpo do Senhor pelos leigos e, por outro lado, era preciso firmar doutrina para combater os abusos que ainda ocorriam, bem como, também, (combater) a prática herética dos arianos5 de receber a comunhão na mão.
Assim, São Leão I – Papa de 440 a 461 – diz, explicitamente, que o Sacramento da Eucaristia recebe-se na boca: “hoc enim ore sumitur quod fide tenetur” (os/oris=boca).
Em 536, o Papa Agapito I, tendo se dirigido a Constantinopla, realiza uma cura milagrosa de um surdo mudo, durante a Comunhão, no momento em que lhe punha na boca o Corpo do Senhor: “cunque ei Dominicum corpus mitteret in os“, conforme assinalado por São Gregório Magno – Papa de 590 a 604 – e sabemos que o próprio São Gregório I, também, dava a Comunhão na boca aos comungantes, como atesta o seu biógrafo Jean Diacre.
Os únicos que sempre comungaram de pé e com a mão foram, desde o princípio, os arianos, que negavam, obstinadamente, a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e que, por isso mesmo, não viam na Eucaristia senão um símbolo de união que podia ser manipulado à vontade.
Por volta de 650, sob o império de Clóvis II, o Concílio de Rouen estabeleceu, também, regras sobre a distribuição do Sacramento da Comunhão, indicando com muita precisão a atitude conveniente dos fiéis, isto é, a recepção da hóstia unicamente na boca — “Nulli autem laico aut feminae Eucharistiam in manibus ponat, sed tantum in os ejus” (cf. Acta Conciliorum Rothomagense, cap. II, pág. 8).
Apesar do cisma do Oriente já estar se anunciando, entre outras coisas por desvios na Liturgia, o Concílio de Constantinopla (692) proibiu, também, aos fiéis leigos se darem a si próprios a comunhão e ameaça de excomunhão por uma semana aqueles que se atreverem a distribuí-la quando houver um bispo, padre ou diácono na região.
Em 878, mais outro Concílio de Rouen (canon II) volta a lembrar a regra tradicional, o que mostra o aspecto realmente esporádico do abuso da prática de comungar com a mão.
Vê-se bem, face ao exposto, que a Igreja não mudava sua regra original, mas a consolidava, desejando o desaparecimento completo dos abusos, porque sempre foi costume, na Igreja de Deus, os leigos receberem dos padres a Comunhão.
São Tomás de Aquino, o Doutor Comum da Igreja Católica (1225-1274), ensina as razões teológicas que embasam esse costume:
“A distribuição do Corpo de Cristo cabe ao padre por três motivos. Primeiro, porque… é ele que consagra assumindo o lugar de Cristo. Ora, o próprio Cristo distribuiu o seu Corpo durante a Ceia. Portanto, assim (como) a consagração do Corpo de Cristo cabe ao padre, é também a ele que cabe a sua distribuição. Segundo, porque o padre foi instituído intermediário entre Deus e os homens. Por conseguinte, como tal, é ele que deve encaminhar a Deus as oferendas dos fiéis e também levar aos fiéis as dádivas santificadas por Deus. Terceiro, porque, por respeito por este Sacramento, ele não é tocado por nada que não seja consagrado. Por causa disto, o corporal e o cálice são consagrados e igualmente as mãos do padre o são, para tocar este Sacramento. Assim, nenhuma pessoa tem o direito de o tocar, a não ser em casos de necessidade como, por exemplo, se o Sacramento cair no chão, ou casos semelhantes” (Summa, III pars, Qu. 82, art 3).
Em 1551, o Concílio Ecumênico6 de Trento, também, repetiu o ensinamento tradicional da Igreja por causa dos desvios dos protestantes:
“Na comunhão sacramental sempre foi costume na Igreja de Deus receberem os leigos a comunhão das mãos do sacerdote… . Com razão e justiça se deve conservar este costume como proveniente da Tradição apostólica” (Sessão XIII, de 11-10-1551 – Decreto sobre a Santíssima Eucaristia – capítulo 8).
O Concílio Vaticano II, porém, nada decidiu e decretou sobre a maneira de comungar: se de pé ou de joelhos, se na mão ou se deve o Corpo do Senhor ser depositado pelo padre na língua do comungante.
Foi a Sagrada Congregação dos Ritos que se manifestou sobre o assunto em questão pela Instrução “Memoriale Dómini”, redigida “por mandato especial de Paulo VI e por ele mesmo aprovada em razão de sua autoridade apostólica”, a 28 de maio de 1969. Esta Instrução, que traz as assinaturas do Cardeal Gut e do Monsenhor A. Bugnini, Prefeito e Secretário daquela Congregação, foi suscitada por solicitações dirigidas à Santa Sé por umas poucas Conferências Episcopais (que já faziam uso da Comunhão na mão, como é dito na própria Instrução, sem qualquer licença para isso). E, em função dessas poucas solicitações, a norma apostólica sobre a comunhão: (I) que deve ser dada pelos ministros do culto, (II) que não deve ser tocada por mãos não consagradas, e (III) que deve por isso mesmo ser recebida na boca, será alterada em 1969.
B) A cronologia das mudanças
Antes de entrar no mérito do conteúdo da “Memoriale Dómini” julgo ser interessante apresentar a cronologia das alterações relativas à Missa e do modo de receber a Comunhão:
[03-04-69] Paulo VI aprova a Constituição “Missale Romanum”, reformando o rito da Missa (ainda sem missal).
[06-04-69] A Sagrada Congregação de Ritos promulga o novo Ordo Missae, com sua “Institutio Generalis”, que deveria entrar em vigor a 30-11-69.
[28-05-69] Paulo VI aprova a Instrução “Memoriale Dómini”, permitindo a comunhão na mão.
[19-06-69] A Congregação para o Culto Divino por carta dirigida ao Presidente da Conferência Episcopal da França autoriza a comunhão na mão, ainda que contrariando a recente “Institutio Generalis” – a “Instrução Geral” do novo Missal – cujo artigo 80 diz que a patena é um dos objetos que se deve preparar para a celebração da Missa e cujo artigo 117 descreve a maneira como se deve efetuar a comunhão: … O fiel responde: Amém e sustentando a patena debaixo do seu rosto recebe o sacramento7.
[23-09-69] Data constante do Livreto “Liturgia da Missa” com a “Tradução Oficial para o Brasil” da Nova Missa, aprovada pela CNBB e pela Sagrada Congregação do Culto Divino.
[20-10-69] Data da Instrução da Congregação para o Culto Divino: “De constitutione missale romanum gradatim ad effectum decudenda” (Instrução sobre a Aplicação Progressiva da Constituição Apostólica “Missale Romanum”), ficando a introdução do Novus Ordo Missae diferida para 28-11-71.
As regras da Nova Missa a respeito do modo de comungar, constantes da Instrução Geral da Constituição “Missale Romanum”, estavam, portanto, superadas antes mesmo de terem entrado em vigor e, na prática, uma Instrução vai alterar não só essa Constituição, como, também, indiretamente, aquela que tinha sido aprovada pelo Vaticano II, ou seja, a “Sacrosanctum Concilium” sobre a Sagrada Liturgia. Vejamos, então, a Instrução “Memoriale Dómini”.
IX – A “Memoriale Dómini”
Na Instrução “Memoriale Dómini”, em sua introdução sobre o valor e o histórico do Sacramento Eucarístico, está dito que, em tempos muitos remotos, nas pequenas comunidades primitivas, a distribuição do Pão da Vida era feita nas mãos dos fiéis.
Contudo, apesar deste início – com o qual não concordo, como se vê pelo exposto acima – é importante transcrever longamente a “Memoriale Dómini”, pois este documento mostra e reconhece aquilo que estamos querendo demonstrar, como se vê pelas partes reproduzidas abaixo.
(Nota – Todas as transcrições da Instrução “Memoriale Dómini” que se seguem foram tiradas de artigos de Gustavo Corção, publicados em sua coluna no jornal “O Globo” dos dias 19, 21 e 26 de junho de 1975. Os destaques são, no entanto, todos do autor deste ensaio).
1) Os grandes cuidados que a Santa Igreja sempre teve com relação à Santa Eucaristia.
“As prescrições da Igreja e os textos dos Santos Padres atestam abundantemente o profundíssimo respeito e as grandes precauções que cercavam a Santa Eucaristia. Assim, “que ninguém (…) coma esta Carne se antes a não adorou”; e a quem a come se dirige esta advertência: “…recebe com cuidado de nada perder. É em verdade o Corpo de Cristo”.
2) Que sempre foi assegurado o respeito que é devido ao Corpo do Senhor.
“Assim, a função de levar a Santa Eucaristia aos ausentes não tardou a ser exclusivamente confiada aos ministros sagrados, a fim de melhor assegurar o respeito devido ao Corpo de Cristo e também de melhor atender às necessidades dos fiéis”.
3) Que o aprofundamento da verdade do mistério eucarístico arraigou o costume de dar a comunhão na língua do comungante.
“Com o tempo, quando a verdade e a eficácia do mistério eucarístico, assim como a presença real do Cristo foram mais aprofundadas, tornou-se mais consciente o respeito devido a esse Santíssimo Sacramento e a humildade com a qual deve ser recebido, estabelecendo-se então o costume pelo qual deveria o próprio ministro colocar a partícula consagrada na língua do comungante”.
4) Que a “comunhão na boca” deve ser mantida.
“Levando em conta a situação atual da Igreja no mundo inteiro, esta maneira de distribuir a santa comunhão deve ser conservada, não somente em razão de sua multissecular tradição, mas principalmente porque exprime o respeito dos fiéis em relação à Eucaristia. Este uso, aliás, em nada fere a dignidade pessoal de quem recebe tão alto sacramento, ao contrário favorece a preparação exigida para que o Corpo de Deus seja recebido de maneira frutuosa”.
Mas, então, por que um grande número de sacerdotes se nega a dar a comunhão da maneira que, como diz a própria “Memoriale Dómini”, dá mais frutos? Por que querem tornar obrigatória a “comunhão na mão”?
Continuamos, abaixo, com a “Memoriale Dómini”.
5) Que a “comunhão na boca” é a maneira tradicional de comungar, que assegura o respeito, o decoro e a dignidade que devem cercar o Corpo do Senhor.
“Esse respeito bem exprime que não se trata de «um pão e uma bebida comuns», mas do Corpo e do Sangue do Senhor, pelo qual o povo de Deus participa dos bens do sacrifício pessoal, re-atualiza a Nova Aliança uma vez por todas selada por Deus com os homens no Sangue de Cristo e na fé e esperança prefigura e antecipa o banquete escatológico no Reino do Pai”.
“Além disso, essa maneira de fazer, que já deve ser considerada como tradicional, assegura mais eficazmente o respeito, o decoro e a dignidade com que convém distribuir a Santa Comunhão,…”.
6) Que a “comunhão na boca” evita as profanações.
“(com que convém distribuir a Santa Comunhão), garante também o afastamento de qualquer perigo de profanação das espécies eucarísticas, nas quais, ‘de um modo único o Cristo total e inteiro, Deus e homem, se acha presente substancialmente e permanentemente’; e enfim, essa maneira de ministrar o sacramento assegurava (este verbo no passado é uma antecipação do que vem mais adiante8) a cuidadosa atenção relativa aos fragmentos sagrados como a Igreja sempre recomendou: ‘considera o que deixaste cair como parte de teus membros que assim te falarão’”.
Este final não é um reconhecimento de que a “comunhão na mão” não protege adequadamente as partículas sagradas?
Além disso, como diz Gustavo Corção, já vemos que a Santa Sé parece ter “a firme intenção de reafirmar o desejo de cercar a Santa Eucaristia de todas as garantias e respeitos assegurados pela tradição e não pode ver com simpatias as poucas Conferências Episcopais (ver 7, a seguir) que solicitavam a adoção do rito da ‘comunhão na mão’”. Era ainda de se esperar que a Santa Sé fosse contra os abusos que estavam sendo cometidos, pois já estava sendo praticado um rito antes de ter sido obtida a necessária permissão para fazê-lo.
Voltemos, porém, à “Memoriali Dómini”.
7) Que a “comunhão na mão” foi pedida por uns poucos e que todos os bispos foram consultados, apesar dos perigos previsíveis, sobre a alteração da verdadeira doutrina.
“Por isso9, diante do pedido formulado por um pequeno número de Conferências Episcopais e certos bispos a título individual para que nos seus territórios fosse permitido o uso da comunhão na mão, o Soberano Pontífice decidiu consultar todos os bispos da Igreja latina sobre o que pensam da oportunidade de introduzir esse rito. Com efeito, mudanças introduzidas em matéria tão grave, que se prende à tradição tão antiga e venerável, não somente tocam a disciplina, mas também podem acarretar perigos que, como todos tememos, nasceriam eventualmente desse novo modo de distribuir a santa comunhão, isto é, um respeito menor pelo augusto sacramento do altar, uma profanação desse sacramento ou ainda uma alteração da verdadeira doutrina (sic)”.
“Por que, então, pergunta Gustavo Corção, diante de tão evidente desaconselhável alteração pedida por um pequeno número de CNBB’s e não justificada por nenhum motivo plausível, a não ser o de contrariar e romper e contrariar a tradição? Não entendemos o acatamento que pode merecer tão insólito pedido depois de tudo o que sabemos e do que acabamos de ler. E quando lemos no próprio documento que os pouco numerosos solicitantes já praticam sem licença aquilo para o que solicitam permissão [ver 9, adiante], ainda menos entendemos o redobrado acatamento que leva o Soberano Pontífice a consultar os bispos do mundo inteiro. Não terão os redatores de tal Instrução da Congregação para o Culto Divino percebido que a insistência de tão desproporcionada consulta viria diminuir a autoridade da secular tradição, a autoridade do Concílio de Trento, do Vaticano I e do Vaticano II, e finalmente a augusta autoridade do sucessor de Pedro – tudo isso para atender a umas poucas agremiações de duvidosíssima catolicidade? Temos a penosa impressão, conclui Corção, de que alguém em Roma tem a esperança de obter um resultado contrário ao que este próprio documento insistentemente ensina”.
8) Que o resultado da consulta universal mostrou que a grande maioria dos bispos foi contra a “comunhão na mão”, como está dito na própria “Memoriale Dómini”.
“Essas respostas mostram, então, que uma forte maioria dos bispos acham que nada deve ser mudado na disciplina atual; e que, tal mudança ofenderia o sentimento e a delicadeza espiritual desses bispos e de numerosos fiéis.”
“Assim sendo e levando em conta as observações e conselhos daqueles que ‘o Espírito Santo constituiu administradores para governar’ as Igrejas (Cf. At.20,28), em vista da gravidade do assunto e do valor dos argumentos invocados, o Soberano Pontífice não pensou dever mudar a maneira tradicional de distribuir a santa comunhão aos fiéis.”
“Por isso a Santa Sé exorta vivamente os bispos, os padres e os fiéis a respeitar atentamente a lei de sempre que permanece em vigor e que se acha confirmada novamente levando em conta tanto o julgamento emitido pela maioria do episcopado católico, quanto a forma utilizada atualmente na santa liturgia e enfim o bem comum da Igreja.”
9) Que, porém, surpreendentemente, a Santa Sé — depois de ter concluído que o respeito ao Santíssimo Sacramento e o bem comum da Igreja exigiam vigorosamente a manutenção do rito tradicional depois do resultado da consulta formulada a todos os bispos e apesar de ter Paulo VI dito que não pensava dever mudar a maneira tradicional de distribuir a comunhão — a Santa Sé (repetimos) autorizou o uso da “comunhão na mão” nos lugares onde tal prática já havia sido introduzida.
“Mas nos lugares onde já foi introduzido um costume diferente – o de depositar a santa comunhão na mão – a Santa Sé, a fim de ajudar as Conferências Episcopais a desempenhar sua tarefa pastoral, tornadas tantas vezes mais difícil nas atuais circunstâncias, confia a essas mesmas Conferências o encargo e o dever de pesar com cuidado as circunstâncias particulares que poderiam existir, sob a condição, no entanto, de afastar qualquer risco de falta de respeito ou de opiniões falsas que poderiam se insinuar nos espíritos em relação à Santíssima Eucaristia e evitar cuidadosamente todos os outros inconvenientes.”
………
“A Santa Sé examinará cada caso atentamente, levando em conta os vínculos existentes entre as diferentes igrejas locais, assim como entre cada uma delas e a Igreja universal a fim de promover o bem comum e a edificação comum para que o exemplo mútuo aumente a fé e a piedade.”
Desnecessário será, talvez, dizer que, a partir daí (antes mesmo da entrada em vigor da Nova Missa), este novo procedimento tornou-se universal, utilizado tanto pelas dioceses que já usavam o rito da “comunhão na mão” como também pelas que não o empregavam e, mais ainda, muitos celebrantes se recusam a dar a comunhão segundo a maneira tradicional, tornando assim obrigatório o novo costume, apesar do mesmo permitir a ocorrência de profanações e sacrilégios.
10) Que os bispos, inclusive os que foram contra a “comunhão na mão”, tomaram conhecimento da “Memoriale Dómini” por intermédio das Conferências Episcopais.
“Esta instrução redigida por mandato especial do Sumo Pontífice Paulo VI foi aprovada por ele mesmo em virtude de sua autoridade apostólica em 28 de maio de 1969 e ele decidiu que a mesma seja levada ao conhecimento dos bispos por intermédio dos presidentes das Conferências Episcopais. Revogadas todas as disposições em contrário.”
Assim sendo, em junho de 1969, logo depois de aprovada a “Memorile Dómini”, por carta dirigida ao presidente da Conferência Episcopal da França, a Congregação para o Culto Divino autorizava a “comunhão na mão”, naquele país, a discrição de cada bispo.
X – Conclusões
Monsenhor Bugnini10, responsável pela reforma litúrgica e pela Nova Missa, estava implantando rapidamente a “comunhão na mão”.
Não diz a “Memoriale Dómini” que “o próprio ministro deve colocar a partícula consagrada na língua do comungante”? que “esta maneira de distribuir a santa comunhão deve ser conservada”? que esta é “a lei de sempre que permanece em vigor”?
Via de regra, não é isto o que se vê.
A comunhão na boca é a maneira de distribuir a comunhão que deve ser preservada, como reconheceu a própria “Memoriale Dómini”, mas, na prática, a comunhão é, hoje em dia, em quase toda parte e em quase todos os casos, nas Missas ou fora delas, recebida de pé e na mão. Em 1961, o monge progressista Dom Adrien Nocent, na obra em que defendia a implantação de uma nova liturgia, já pedia a adoção desse rito. Paulo VI “não pensou dever mudar a maneira tradicional” de distribuir a santa comunhão, porém, por mandato especial dele, o maçon Monsenhor Bugnini o fez com a ajuda das Conferências Episcopais.
O uso da “comunhão na mão”, como diz Gustavo Corção, “hoje mais do que nunca expõe o Santíssimo Sacramento da Eucaristia a inimagináveis profanações, que aliás parecem ser o objetivo, muito logicamente, desejado pelas entidades que querem destruir a Igreja e transformar o Cristianismo num Humanismo, que depressa se tornará desumano e infra-humano”.
Existe, ainda, uma outra razão que também contribuiu para que fosse mudada a maneira tradicional de distribuir a santa comunhão: um desejado falso ecumenismo. Se a Eucaristia é um símbolo materializando a simples lembrança de um acontecimento passado (como querem os protestantes) é inteiramente lógico que haja pouca preocupação com as migalhas que inclusive podem cair no chão (e serem pisadas). Mas se se trata da presença do próprio Deus, de nosso Criador, como o quer a fé da Igreja, como compreender que se admita uma tal prática e até que se a encoraje? A idéia que se esforça por inculcar, assim, com tal procedimento, é uma idéia protestante, contra a qual se rebelam os católicos ainda não contaminados. Para melhor impô-la, os fiéis são obrigados a comungar de pé.
Tanto faz se o que acarretou a mudança da maneira tradicional de comungar foram as atividades maçônicas ou o desejo de implantar uma outra religião, humanista ou protestante, porque o resultado desejado é o mesmo: a destruição da Igreja Católica Tradicional. E é uma destruição realizada dentro da própria Igreja, pois o que se verifica “é a existência de uma Outra Igreja que, com grande parte do clero da Igreja Católica, quer destruí-la em nome da evolução”, como bem disse Gustavo Corção.
Os católicos passaram a comungar o Corpo do Senhor de pé e na mão e, conseqüentemente, a devoção para com o Santíssimo Sacramento é afetada. Além da falta de respeito, quando uma patena é utilizada, mesmo se as comunhões são pouco numerosas, nela ficam sempre partículas (as “pérolas”). Por conseguinte, estas partículas ficam agora nas mãos dos fiéis. E ninguém se importa mais. O respeito ao Corpo do Senhor diminui, a fé se abala.
A “comunhão de pé e na mão” é uma manifestação pública de falta de fé na presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia. “O pão, que Eu darei, é a minha carne, para a vida do mundo” (Jo.6,51), e, por causa da dureza desta linguagem, muitos discípulos, então, na Galiléia, se afastaram de Jesus “e já não andavam mais com Ele” (Jo.6,66); já não eram mais discípulos. Aqueles que, hoje, não reconhecem o Senhor na Hóstia consagrada já estão, também, afastados de Jesus e já não são mais católicos.
NOTAS:
1) Frei Boaventura Kloppenburg – “Compêndio do Vaticano II” – 1983 – Editora Vozes – Petrópolis – pag. 11 e 12.
2) Essa Constituição diz que devem ser “salvarguardados os princípios dogmáticos estabelecidos pelo Concílio de Trento”, mas a seguir especifica os casos em que fica autorizada a “Comunhão sob as duas espécies” [Cap. II – O Sacrossanto Mistério da Eucaristia, nº 612, página 612 da obra citada na nota de rodapé nº 1]. Na prática, a abertura limitada da Constituição em pauta abriu as portas para inúmeros abusos.
Os princípios do Concílio de Trento foram estabelecidos na Sessão XXI, de 16-07-1562 – Doutrina da comunhão sob ambas as espécies e das crianças – capítulos 1 a 4, cânones 1 a 3.
3) Sessão XIII, de 11-10-1551 – Decreto sobre a Santíssima Eucaristia – capítulo 3, cânon 3.
4) Padre Pierre le Brun – “Explication de la Messe” – 1716 e re-editado em 1949 por Les Editons du CERF – Paris – página 421.
5) Discípulos de Ário. A heresia desse clérigo da Igreja teve início no século IV e é conhecida como “Arianismo”
6) Ecumênico está aqui empregado no sentido tradicional de “universalidade” ou de “catolicidade”, o qual era o único sentido existente na Igreja para “ecumenismo” (até o Vaticano II).
7) Louis Salleron – “La Nueva Misa” – 1978 – Editorial Iction – páginas 150, 151 e 156.
8) Esta observação entre parênteses é do autor deste ensaio.
9) Em lugar desse “Por isso”, caberia melhor um “Porém”, pois nada do que foi dito antes justifica o que se segue.
10) Monsenhor Annibal Bugnini foi destituído de sua função de Secretário da Congregação do Culto Divino, em 1976, quando se tornou evidente que era membro da franco maçonaria, mas, quando ele foi enfim afastado, o mal já estava consumado.