DO LIBERALISMO À APOSTASIA (INTRODUÇÃO)

Há 61 anos, foi anunciado o Concílio Vaticano II por São João XXIII |  Pontifício Instituto Superior de Direito CanônicoPara onde vamos? Qual será o final de todas as mudanças atuais? Não se trata de guerras, de catástrofes atômicas ou ecológicas, mas sobretudo da revolução no exterior e interior da Igreja, da apostasia que por fim ganha povos inteiros, católicos em outros tempos, chegando inclusive a mais alta hierarquia da Igreja. Roma parece afogada em uma cegueira completa, a Roma de sempre está reduzia ao silêncio, abafada pela outra Roma, a Roma liberal que a ocupa. As fontes da Graça e da fé divina se esvaem e as veias da Igreja canalizam por todo seu corpo o veneno mortal do naturalismo.

É impossível compreender esta crise profunda sem levar em conta o fato central deste século: o segundo Concílio  Vaticano. Creio que minha opinião em relação a ele é bastante conhecida para me permitir dizer sem rodeios meu pensamento: sem rechaças em bloco este Concílio, penso que é o maior desastre deste e de todos os séculos passados desde a fundação da Igreja. Na verdade não faço mais do que julga-lo pelos frutos, usando o critério que nos foi dado por Nosso Senhor (Mt.VII,16). Quando se pede ao  Cardeal Ratzinger que mostre algum bom fruto do Concílio, não sabe o que responder1; e ao perguntar um dia ao Cardeal Garrone, como um “bom” concílio havia produzido tão mais frutos, me respondeu: “não é o Concílio, são os meios de comunicação social”2.

Agora um pouco de reflexão pode ajudar ao senso comum: se  a época pós-conciliar está dominada pela revolução na Igreja, não é porque o próprio Concílio a introduziu? “O Concílio é o 1789 na Igreja”, declarou o Cardeal Suenens. “O problema do Concílio, foi assimilar dois séculos de cultura liberal”, diz o Cardeal Ratzinger. E se explica: Pio IX pelo Syllabus, havia rechaçado sem possibilidade de réplica o novo mundo surgido da Revolução, ao condenar este proposição: “O Romano Pontífice pode e deve se reconciliar e se acomodar com o progresso, com o liberalismo e com a civilização moderna”(nº 80). O Concílio, diz abertamente Joseph Ratzinger, foi um “contra-Syllabus” ao efetuar este reconciliação da Igreja com o liberalismo, particularmente por intermédio de “Gaudium et Spes”, o maior documento conciliar. Com efeito os papas do século XIX não parecem ter sabido discernir o que havia de verdade cristã, e  portanto assimilável pela Igreja, na revolução de 1789.

Uma afirmação deste é absolutamente dramática, principalmente na boca de um representante do magistério da Igreja! Essencialmente o que foi a revolução de 1789? Foi o naturalismo e o subjetivismo do protestantismo, transformados em normas jurídicas  e impostas a uma sociedade ainda católica. Como resultado: a proclamação dos direitos do homem sem Deus, a exaltação da subjetividade de cada um em detrimento da verdade objetiva, por no mesmo nível todas as crenças religiosas e finalmente a organização de uma sociedade sem Deus e sem Nosso Senhor Jesus Cristo. Uma só palavra resume este teoria monstruosa: LIBERALISMO.

Para desgraça, chegamos verdadeiramente ao “mistério da iniqüidade” (2 Ts 2,7); desde o dia seguinte da revolução, o demônio suscitou dentro da Igreja homens cheios do espírito de orgulho e de novidades, apresentando-se como reformadores inspirados que, sonhando em reconciliar a Igreja com o liberalismo, tentaram  realizar uma união adúltera entre a Igreja e os princípios da Revolução. Com efeito, como reconciliar Nosso Senhor Jesus Cristo com um conjunto de erros que se opõem tão diametralmente à sua graça, à sua verdade, à sua divindade e à sua realeza universal? Não, os papas não se enganaram quando apoiados na Tradição, e portanto garantidos com a assistência do Espírito Santo, condenaram com a sua autoridade suprema e com grande continuidade a grande traição católica liberal. Como pôde então a seita liberal impor seus pontos  de vista em um concílio ecumênico? Como a união pouco natural entre a Igreja (melhor dizendo: homens da Igreja, aparato exterior) e a revolução deu a luz o monstro cujas divagações enchem de espanto atualmente inclusive a muitos de seus mais ardentes adeptos? São estas as perguntas que procuro responder nestas palestras sobre o liberalismo, mostrando que já tendo penetrado na Igreja, o veneno  do liberalismo a conduz à apostasia como conseqüência natural.

“Do liberalismo à apostasia”, tal é então o tema deste livro. Certamente, viver em tempo de apostasia não tem em si nada de agradável. Entretanto, pensemos como todos os tempos e todos os séculos pertencem a Nosso Senhor Jesus Cristo: “Ipsus sunt tempora et saecula”, dizemos na liturgia pascal. Este século de apostasia, sem dúvida diferente dos séculos de fé, pertence a Jesus Cristo; por outro lado, a apostasia da maioria põe em destaque a fidelidade heróica do pequeno Elias em Israel, quando somente sete mil homens se negaram a dobrar o joelho ante Baal, preservados por Deus (3 Rs 19,18). Não dobremos portanto o joelho ante o ídolo do “culto do homem”3 “instalado no santuário e residindo como se fora Deus” (2 Ts 2, 4), permaneçamos católicos, adoradores do único verdadeiro Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, com seu Pai e o Espírito Santo!

Por outro lado como dá testemunho a história da Igreja, toda a época de crise prepara uma época de fé pela fidelidade à tradição, uma verdadeira renovação. A todos vocês caros leitores, lhes cadê contribuir recebendo humildemente o que a Igreja nos transmitiu até a véspera do Vaticano II, pela boca dos papas e o que lhes transmito nesta oportunidade. É esta doutrina imutável da Igreja que recebi sem reservas que lhes transmito sem reservas: “quam sine fictione didici, sine invidia communico” (Sb 7,13).

Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre

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  1. Cardeal Joseph Ratzinger, “Entretien sur la foi”. Fayard, Paris, 1985 pgs. 45-48.
  2. Entrevista de 13 de Janeiro de 1975.
  3. Palavras de Paulo VI