DO MAGISTÉRIO VIVO E DA TRADIÇÃO – PARA UMA “RECEPÇÃO TOMISTA” DO VATICANO II?

Concílio Vaticano II. Um Guia de Leitura | by IHU | Instituto Humanitas  Unisinos | Medium

Fonte: Courrier de Rome – Tradução: Dominus Est

Nos dias 15 e 16 de maio de 2009 ocorreu, nas instalações do Instituto católico de Toulouse, um colóquio organizado pela Revue thomiste e pelo Instituto Santo Tomás de Aquino, sob a direção do Padre Serge Thomas Bonino, O.P. O colóquio tinha como tema: «Vaticano II – Ruptura ou continuidade. Apresentação das hermenêuticas». Cerca de cem ouvintes, a maioria do clero, estavam presentes. A ausência da Fraternidade São Pio X parece ter sido notada com grande pesar pelos próprios organizadores. A publicação das Atas do colóquio foi anunciada para 2010. Mas os ditos do Padre Bonino em seu convite já explica suficientemente o sentido dessa iniciativa: «Nosso colóquio se propõe a refletir sobre a maneira pela qual a corrente teológica originada em Santo Tomás de Aquino pode colaborar para uma Recepção do Vaticano II que honre o Concílio como um ato da Tradição viva». Para atingir esse objetivo, o método é todo ele exposto: «Trata-se de destacar simultaneamente o aspecto “memória” e o aspecto “novidade” desse ensinamento magno do Magistério do século XX. É a exigência que o Papa Bento XVI indicava aos teólogos em seu discurso à Cúria romana em 22 de dezembro de 2005 quando ele propunha distinguir entre “hermenêutica da continuidade” e “hermenêutica da ruptura”».

Partindo desse fato que o Discurso de 22 de dezembro dirigido pelo papa Bento XVI à Cúria afirma a continuidade dos ensinamentos do Vaticano II em relação à Tradição viva da Igreja, os organizadores desse colóquio quiseram refletir sobre a maneira pela qual a teologia tomista poderia justificar essa continuidade, no âmbito da hermenêutica proposta por Bento XVI. Na intenção do papa, a hermenêutica da continuidade deveria triunfar sobre as extrapolações progressistas advindas da hermenêutica da ruptura a qual o Discurso à Cúria denuncia enquanto tal. É por isso que, retomando a proposta do Padre Bonino, a continuidade viva deve se definir como a síntese de dois aspectos: o aspecto memória e o aspecto novidade, ou, retomando as expressões de Bento XVI, longe de qualquer ruptura, ela deve corresponder a uma síntese de fidelidade e dinamismo. A partir de então, caberia à teologia elaborar os elementos especulativos dessa síntese, e o colóquio de Toulouse quis preparar o terreno para uma contribuição tomista à hermenêutica do Concílio.

É justificável tal proposta? Para responder a essa questão, examinaremos primeiro se o Vaticano II pode se apresentar como um «ensinamento magno do Magistério do século XX», e verificaremos por esse meio qual é o valor do magistério do Concílio (1ª parte). Em seguida, examinaremos o significado preciso do Discurso de 22 de dezembro de 2005 e determinaremos por meio desse exame em qual o sentido o Papa Bento XVI concebe a hermenêutica do Concílio (2ª parte). Isso nos proporcionará depois a ocasião para resgatar a definição de Tradição, que é o ponto fundamental do qual depende a solução das graves dificuldades suscitadas no último Concílio (3ª parte).

Primeira parte – O valor magisterial do Vaticano II

A – Algumas distinções elementares

Em sentido etimológico, o magistério é uma função que tem por objetivo instruir[1]. Deve-se distinguir o termo conforme ele apresenta dois sentidos análogos: há o magistério científico e o magistério eclesiástico, que é um caso particular de magistério testemunhante. No caso do magistério eclesiástico, trata-se da proposição do objeto da fé, que é essencialmente obscuro; enquanto que no caso do magistério científico trata-se de uma demonstração científica, que coloca em posse de uma evidência. O magistério eclesiástico não é científico porque ele não causa a ciência. O magistério eclesiástico dá um testemunho e, ao dá-lo, contribui para causar a fé.

O magistério eclesiástico é: «a atividade do papa e dos bispos que, em virtude da missão que receberam de Jesus Cristo, propõem com autoridade, em nome de Jesus Cristo, os mistérios sobrenaturais de fé e as verdades naturais reveladas por Cristo, tendo assim como fim conservar a unidade da fé na Igreja e conduzir os fiéis à salvação eterna». Nessa definição podemos distinguir quatro elementos distintos. Em primeiro lugar, a causa material ou o sujeito que exerce o magistério: o magistério é a atividade do papa e dos bispos. Em segundo lugar, a causa eficiente ou o agente que institui o magistério: o magistério é uma atividade que o papa e os bispos exercem em virtude da missão que receberam de Jesus Cristo. Em terceiro lugar, a causa formal ou a natureza mesma do magistério: o magistério é o ato pelo qual o papa e os bispos tornam-se testemunhas autorizadas das verdades reveladas por Jesus Cristo e as impõem à crença dos fiéis com a própria autoridade de Jesus Cristo. Em quarto lugar, a causa final: o magistério é uma atividade que o papa e os bispos devem exercer a fim de conservar a unidade da fé na Igreja, conduzindo assim os fiéis à salvação eterna.

Há, portanto, importantes distinções a serem feitas quando se utiliza a palavra «magistério». E aqui nos interessa destacar que a palavra pode ser entendida em três sentidos: em primeiro lugar, pode designar o sujeito que exerce o ato de magistério (ou seja, o papa e os bispos); em segundo lugar, pode designar o ato de magistério propriamente dito (ou seja, a pregação que é exercida oralmente ou por escrito); em terceiro lugar, pode designar o objeto do magistério (ou seja, a verdade revelada que é ensinada no âmbito da pregação).

B – O magistério entendido no segundo sentido: o ato ou exercício do poder de magistério

O ato de magistério consiste em fazer uso da autoridade divina de Cristo para conservar, explicar e impor à adesão dos fiéis as verdades divinamente reveladas por Cristo. Para cumprir esse ato é necessário e suficiente que se esteja em posse da autoridade divina de Cristo e que se tenha a intenção de usá-la nos limites que lhes são concedidos, ou seja, com o fim de impor à crença as verdades divinamente reveladas. A primeira condição (estar em posse da autoridade divina de Cristo) é realizada no papa, sucessor de São Pedro, e nos bispos, sucessores dos apóstolos, assim como em todos os ministros (padres ou diáconos) aos quais o papa e os bispos podem delegar sua autoridade. A segunda condição (ter a intenção requerida) merece um pouco mais de explicação.

Há, com efeito, uma distinção fundamental entre dois tipos de intenção. Por um lado, há a intenção de cumprir uma função ou ‘intenção simples’, e, pelo outro, há a intenção de cumprir essa mesma função por um fim louvável ou ‘intenção reta’. A primeira intenção corresponde ao que os teólogos chamam de «finis operis» e ela é requerida para a existência pura e simples ou para a validade do ato: é a intenção objetiva. Enquanto que à segunda corresponde o «finis operantis» e ela é requerida para o bom mérito do ato: é uma intenção subjetiva e acidental ao ato (mesmo que ela possa às vezes mudar a espécie do ato). Por exemplo, há a intenção de fazer o que faz a Igreja, que é requerida para a validade de um sacramento, e há a intenção de buscar a glória de Deus e a salvação das almas (e não ganhar dinheiro ou a honra humana), que é requerida para o mérito do ministro que dá o sacramento.

Alguns atos exteriores, para serem válidos, pedem a intenção objetiva do agente, entendida no primeiro sentido. É o caso dos sacramentos. É ainda o caso para o exercício da autoridade. Um sacramento é válido se, e somente se, o ministro que o realiza (para todos os sacramentos) ou a pessoa que o recebe (exceto na eucaristia) tem a intenção objetiva de realizar ou de receber o benefício desse sacramento, ou seja, o ato exterior desejado enquanto tal pela Igreja[2]. O exercício da autoridade é válido e legítimo se, e somente se, o chefe que a exerce tiver a intenção objetiva de cumprir o ato requerido pelo bem comum da sociedade[3]. Ordinariamente, essa intenção é presumida. Mas não podemos mais presumi-la quando houver prova em contrário que venha por meio de uma declaração da pessoa em questão, indicando uma intenção diferente[4].

Não é difícil compreender por que isso é assim. O homem age sempre enquanto tal, ou seja, como agente racional e livre. Ele deve cumprir todos seus atos com conhecimento de causa e voluntariamente. Portanto, é necessário que ele tenha conhecimento da natureza de seu ato e que ele queira cumpri-lo, tal como ele o concebe. Dizer que a autoridade humana ou o ministro humano é um intermediário entre Deus e os homens não significa que Deus utilize esse intermediário como uma máquina, que funcionaria sempre conforme um mesmo mecanismo imperturbável, qualquer que fosse a participação do homem chamado a exercer a autoridade ou o ministério. O instrumento ao qual Deus se serve não é um instrumento inanimado, mas, ao contrário, um instrumento inteligente e livre. Mesmo no caso da mediação ex opere operato, própria do exercício dos sacramentos, a intenção do homem permanece absolutamente necessária. Com mais forte razão é o caso da mediação ex opere operantis, própria do exercício da autoridade.

Se o titular da autoridade manifesta de uma maneira ou outra que não tem a intenção necessária ao exercício da autoridade, os atos que ele vai pôr na dependência dessa intenção habitual não serão atos de legítima autoridade enquanto a intenção requerida não tiver sido claramente manifesta. Com mais forte razão, se o titular da autoridade adota uma intenção contrária à intenção requerida, e incompatível com ela[5]: para que o exercício da autoridade seja válido, é então necessário que o titular se retrate dessa intenção contrária. Por exemplo, um professor que manifestasse sua intenção de dar um curso de filosofia moderna, baseando-se nos princípios do pensamento iluminista, exclui pelo próprio fato a intenção de fazer filosofia tomista, visto que o pensamento iluminista e o de Santo Tomás são incompatíveis. E nenhum dos alunos desse professor deverá deixar enganar-se.

Nessas condições, é fácil compreender qual é a intenção requerida ao exercício do magistério: é simplesmente a intenção de fazer uso da autoridade divina de Cristo para conservar, explicar e impor à adesão dos fiéis as verdades divinamente reveladas por Cristo.

C – O magistério entendido no terceiro sentido: o objeto próprio da pregação eclesiástica

O objeto próprio do ato do magistério é a Revelação transmitida pelos apóstolos, ou seja, o depósito da fé que se deve guardar santamente e explicar fielmente. O Concílio Vaticano I nos ensina em duas ocasiões. Primeiro na constituição dogmática Pastor Aeternus sobre a Igreja: «Pois o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de Pedro para que, por revelação sua, manifestassem uma nova doutrina, mas para que, com sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente a revelação transmitida pelos Apóstolos, ou seja, o depósito da fé»[6]. Em seguida, na constituição dogmática Dei Filius sobre a fé católica: «A doutrina da fé, que Deus revelou, não foi proposta como uma descoberta filosófica a ser aperfeiçoada pelas mentes humanas, mas foi entregue à Esposa de Cristo como um depósito divino, para ser por ela fielmente guardada e infalivelmente declarada»[7].

Para designar o objeto próprio do ato do magistério, o Concílio Vaticano I utiliza duas expressões: «a Revelação transmitida pelos Apóstolos» e «o depósito da fé».

A Revelação transmitida pelos apóstolos é o conjunto das verdades necessárias à salvação que foram reveladas aos apóstolos, primeiro por Jesus Cristo até sua Ascensão e pelo Espírito Santo desde Pentecostes até a morte do último dos apóstolos. A Revelação é definitivamente terminada nos apóstolos[8], de tal maneira que o papel do magistério é conservá-la e transmiti-la, e não o de receber novas Revelações.

A expressão «depósito da fé» é utilizada por São Paulo em quatro ocasiões: duas vezes usando os termos próprios e duas vezes aludindo à ideia. Em termos próprios: em 1Tim 6, 20 («Guarda o depósito, evitando novidades de palavras, e as contradições de uma ciência de falso nome») e 2Tim 1, 13-14 («Guarda a forma das sãs palavras, que me tens ouvido na fé, e no amor em Jesus Cristo. Guarda o bom depósito pelo Espírito Santo, que habita em nós»). Quanto à ideia: em 2Tim 2, 2 («e guardando o que ouviste da minha boca diante de muitas testemunhas, entrega-o a homens fiéis que sejam capazes de instruir também a outros») e 2Tim 3, 14 («Mas tu persevera nas coisas que aprendeste e que te foram confiadas, sabendo de quem as aprendeste»). Essa expressão deve ser entendida em sentido metafórico. Uma coisa recebida em depósito é propriedade de outro que está sendo guardada e que deve ser restituída em toda sua integridade substancial ao seu proprietário. Da mesma maneira, o conjunto da Revelação objetiva é a verdade de Deus que o magistério recebe a guarda e que ele deve transmitir em toda sua integridade substancial. Podemos observar como, nas duas passagens em que utiliza a expressão, São Paulo insiste também nas palavras «vocum» e «verborum», que são a expressão requerida pela integridade substancial da verdade. Não se deve mudar nem o sentido das palavras e nem as próprias palavras. Estando o dogma para a Revelação objetiva como as palavras estão para a verdade, a transmissão íntegra do depósito equivale à transmissão do dogma, ou seja, à transmissão das expressões imutáveis utilizadas para designar a verdade.

D – Uma consequência: o magistério eclesiástico é um magistério tradicional

O magistério eclesiástico é por definição um magistério tradicional e constante. Com efeito, é uma função de ensino particularíssima, porque tem por objetivo conservar e transmitir sem qualquer alteração substancial[9] o depósito inalterável das verdades reveladas por Jesus Cristo. O magistério tradicional se distingue do magistério científico, que procede pela via da pesquisa, e que tem por objetivo descobrir novas verdades. O magistério eclesiástico não tem por objetivo descobrir novas verdades; ele deve transmitir a verdade definitivamente revelada, sem qualquer mudança substancial possível.

Disso estamos absolutamente certos. Primeiro porque Cristo em pessoa afirma no Evangelho. Querendo assegurar a perpetuidade e a difusão em todos os lugares da Revelação que Ele veio dar ao mundo, dirigiu a palavra aos apóstolos que havia estabelecido como vigários na terra para finalizar sua obra dizendo: «Foi-me dado todo o poder no céu e na terra. Ide, pois, ensinai todas as gentes, […] ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei. Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28, 20). É nessa passagem que se encontra a instituição divina do magistério eclesiástico, e nota-se bem que magistério é estabelecido por Cristo para transmitir fielmente a Revelação. Por outro lado, o ensinamento do Concílio Vaticano I afirma explicitamente a natureza tradicional do magistério da Igreja. Na constituição Dei Filius sobre a fé católica, o Concílio, reunido sob a autoridade do Papa Pio IX, afirma efetivamente que «aquele sentido dos sagrados dogmas que a santa mãe Igreja uma vez tenha declarado, e jamais, nem a título de uma inteligência mais elevada, é permitido afastar-se deste sentido. “Cresçam, pois, e multipliquem-se abundantemente, tanto em cada um como em todos, tanto no indivíduo como em toda a Igreja, segundo o progresso das idades e dos séculos, a inteligência, a ciência e a sabedoria, mas somente no gênero próprio dela, isto é, no mesmo dogma, no mesmo sentido e na mesma sentença” (São Vicente de Lérins)»[10]. Pio IX declara ainda, durante o mesmo Concílio, na constituição Pastor Aeternus (desta vez sobre a Igreja) que «Nossos predecessores sempre dedicaram infatigável empenho à propagação da salutar doutrina de Cristo entre todos os povos da terra, e com igual solicitude vigiaram para que, onde fosse recebida, também fosse guardada pura e sem alteração»[11].

E – O magistério do Vaticano II: em qual sentido?

Para aplicar essas distinções ao Vaticano II, pode-se dizer que o Concílio permanece de qualquer maneira como magistério no primeiro sentido, ou seja, que ele representa o sujeito hierárquico (papa e bispos) em posse da autoridade divina de Cristo e capaz de exercer eventualmente um ato de magistério, porquanto foi um Concílio legitimamente convocado.

Em seguida, pode-se dizer que o Vaticano II não foi por completo magistério no terceiro sentido. Com efeito, encontramos nos textos desse Concílio uma multidão de ambiguidades e equívocos, uma linguagem que se afasta da expressão clara e nítida do dogma e da verdade para se comprazer no indeterminado, em expressões confusas e vagas supostamente adaptadas ao mundo moderno. Essa linguagem, que nada mais quer definir, permite todas as interpretações e deixa assim o caminho livre para os erros e para o laxismo moral. Os próprios fundamentos da Igreja e da Revelação estão abalados por isso. Por outro lado, sobre certos pontos, esse Concílio propôs inclusive expressões que contradizem explicitamente o ensinamento do magistério anterior (como por exemplo o nº 2 de Dignitatis Humanae que contradiz os ensinamentos de Pio IX em Quanta Cura)[12].

Enfim, pode-se dizer que o Vaticano II não foi por completo magistério no segundo sentido pela mesma razão, visto que o ato do magistério eclesiástico deve ser definido em função de seu objeto próprio: onde não há objeto, não há ato correspondente; pode-se inclusive dizer que o Vaticano II não foi por completo magistério no segundo sentido porque a intenção claramente manifesta dele não foi usar da autoridade de Cristo para impor à crença as verdades reveladas por Cristo; mas antes apresentar a verdade revelada em função das categorias do pensamento moderno para poder levar a cabo um diálogo com o mundo[13]; e o Concílio menos ainda pode ser considerado como fonte legítima de uma Tradição magisterial do que aqueles que ainda o reivindicam hoje, sendo o Papa Bento XVI o primeiro deles: eles concebem essa Tradição de uma maneira que seria muito difícil de conciliar com a definição de magistério eclesiástico, ou seja, concebem-na num sentido evolucionista e relativista de uma Tradição viva.

Em suma, o Vaticano II foi um Concílio que não se concretizou: o exercício de seu magistério foi paralisado pelos prelados conquistados pela causa do modernismo e pelos teólogos que, como Yves Congar, aproveitaram das circunstâncias para revisar os esquemas oficiais preparados sob a direção do Cardeal Ottaviani e substituí-los pelas suas próprias elucubrações (já condenadas pelo Papa Pio XI na encíclica Humani Generis de 1950)[14]. Portanto, temos dois motivos muito sérios para questionar o valor magisterial do Concílio Vaticano II, se nós nos colocarmos desde o ponto de vista do ato, considerando a palavra «magistério» no segundo sentido.

F – As vantagens dessas distinções: uma crítica fundada sobre sérias razões doutrinais

Se distinguirmos entre os três sentidos diferentes da mesma palavra «magistério», estamos em condições de fazer uma crítica séria e profunda, indo até o cerne do problema estabelecido pelo último Concílio. Com efeito, não basta dizer que o Vaticano II não foi um concílio infalível, que o Concílio que se quis «pastoral» não quis proceder conforme o modo solene de um magistério dogmático restringindo e enunciando dogmas e que ele permaneceu no nível do mero magistério autêntico. Com efeito, o ato do magistério não-infalível e meramente autêntico obriga também o foro interno: ele é obrigatório. Certamente ele não reivindica um ato de fé, mas reivindica, apesar de tudo, um ato de obediência (o famoso «assentimento religioso interno») sob pena de falta grave. O Papa Pio IX chegará inclusive a dizer que não se pode recusar a aderência aos ensinamentos do magistério meramente autêntico «sem prejuízo para a profissão da fé católica»[15]. Os teólogos[16] são unânimes em dizer que os ensinamentos não infalíveis de um ato de magistério meramente autêntico obrigam a consciência e não podem ser objeto de crítica positiva senão com muitas reservas[17].

Constância dos ensinamentos conciliares

De fato nós vemos que os ensinamentos do Concílio Vaticano II, por não infalíveis que sejam, são impostos no âmbito de uma nova tradição constante, que corresponde à pregação do magistério pós-conciliar. Dois exemplos o confirmam, e o valor desses dois indícios é tão importante que eles correspondem aos dois ensinamentos do Concílio que estão em oposição manifesta em relação à toda a Tradição da Igreja: a nova eclesiologia e o ecumenismo de um lado, e a nova doutrina social e a liberdade religiosa de outro.

Acerca do primeiro ponto, a Congregação para a doutrina da fé nunca deixou de afirmar nos últimos quarenta anos com todas as letras e com uma constância notável o significado da constituição dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja (no nº 8) e do decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo (no nº 3).  Em quatro ocasiões, 1973[18], 1985[19], 2000[20] e 2007[21], o órgão da Santa Sé interveio nos textos oficiais para lembrar a doutrina que deve ser imposta na Igreja. O último texto com data de 2007 afirma inclusive que «a Congregação se propõe a precisar aqui o significado autêntico de certas expressões eclesiológicas do magistério, para que o debate teológico não seja falseado por confusões ou mal-entendidos»[22].

Quanto ao segundo ponto, a pregação do Papa Bento XVI, que se quer em perfeita continuidade com a de seu predecessor imediato, reafirma também com uma constância igualmente notável o princípio da liberdade religiosa tal como a enunciou o Concílio Vaticano II na declaração Dignitatis Humanae. Nos últimos três anos, Bento XVI expressou-se cerca de 80 vezes para expor a nova doutrina social da Igreja, tal como ela deve ser entendida desde o Concílio Vaticano II. Se folhearmos os 75 números da Documentação católica que se distribui de abril de 2005 a novembro de 2008, nos números 2337 até 2411 podemos ver exatamente 87 ocorrências tratando do assunto, ou seja, sobre o lugar da Igreja no mundo atual, com o duplo princípio da liberdade religiosa e da laicidade dos Estados[23].

Uma explicação contraditória

É por isso que, se considerarmos que os ensinamentos do Concílio Vaticano II caem sob a jurisdição de um magistério propriamente dito, mesmo que não infalível e meramente autêntico, parece bem difícil questioná-los. Conforme mostramos, apoiando-nos no ensino dos papas e da doutrina comum dos teólogos, o magistério não infalível é um magistério propriamente dito, perfeitamente concluído na própria linha do magistério. Para poder considerar o magistério meramente autêntico como um magistério inacabado ou impropriamente dito, seria preciso começar supondo implicitamente que o único magistério verdadeiramente acabado e digno desse nome seria o magistério infalível[24]. Mas isso vai de encontro com o ensinamento constante dos soberanos pontífices, desde Pio IX até Pio XII[25].

Por outro lado, bem vemos que o ensinamento pós-conciliar não se dá por inacabado de maneira alguma. Os comunicados oficiais da Congregação para a doutrina da fé que evocamos acima a propósito da nova eclesiologia e do ecumenismo, a pregação ordinária dos papas João Paulo II e Bento XVI sobre a liberdade religiosa e a nova doutrina social da Igreja conciliar não deixam nada a desejar: temos aí uma expressão completa e acabada que se quer em continuidade perfeita com os ensinamentos conciliares, sobre os pontos mais abertamente contrários à Tradição católica. Se admitimos como hipótese que o Concílio Vaticano II representa o exercício de um magistério «ordinária e manifestamente autêntico»[26], não podemos ver como seria possível retificar ou completar os ensinamentos relacionados ao ecumenismo, à liberdade religiosa ou ao estatuto das religiões não cristãs. Longe de tratar de uma retificação de um ensinamento inacabado, nós temos diante dos nossos olhos, ao contrário, o eco mais fiel do ensinamento conciliar já concluído em si mesmo.

O verdadeiro ponto de partida da crítica

A crítica dos ensinamentos do Concílio é possível se, somente se, for assegurado que nós não temos de tratar o Vaticano II como o exercício de um verdadeiro magistério (infalível ou não). O ato de magistério define-se pelo seu objeto e, conforme explicamos anteriormente, esse objeto é a Revelação transmitida pelos apóstolos, ou seja, o depósito da fé a ser guardado santamente e ser explicado fielmente. E é por isso que o magistério eclesiástico é um magistério tradicional e constante. Se forem propostas novas verdades que estão em franca oposição com as verdades já ensinadas como reveladas pela Igreja, como fez o Vaticano II, essa proposição não pode ser o exercício de um magistério digno do nome. Sem dúvida encontra-se no Concílio o magistério no primeiro sentido (o sujeito do magistério: o papa e os bispos); entretanto, essa hierarquia foi como que paralisada pela intenção falseada que a dirigia e que a conduzia a querer expor a doutrina da Igreja a fim de «ser estudada e exposta através das formas de investigação e de formulação literária do pensamento moderno, medindo tudo dentro das formas e proporções de um magistério com caráter prevalentemente pastoral»[27]. As mesmas razões, que fazem com que o magistério conciliar não possa empenhar sua infalibilidade, fazem com que ele não possa falar com autoridade exercendo um ato de magistério (no segundo sentido).

Por eles não serem a expressão de um verdadeiro ato de magistério, os ensinamentos do Concílio Vaticano II podem ser julgados à luz do magistério de sempre, à luz da Tradição imutável da Igreja. É, ademais, assim que Mons. Lefebvre interpretava a crítica do Concílio. «Para mim, para nós, eu penso, dizer que vemos, que julgamos os documentos do Concílio à luz da Tradição, isso quer evidentemente dizer que rejeitamos aqueles que são contrários à Tradição, e que interpretamos segundo a Tradição aqueles que são ambíguos e que aceitamos aqueles que são conformes à Tradição»[28].

Segunda parte – O Discurso de 22 de dezembro de 2005

Dito isso, uma nova questão merece ser posta. O papa Bento XVI, particularmente em seu famoso discurso de 22 de dezembro de 2005, teria exprimido a vontade de retificar e de corrigir os ensinamentos do Concílio Vaticano II, a fim de compreendê-los no sentido de uma continuidade em relação à Tradição católica anterior? Em uma outra referência, a Carta aos bispos de 10 de março de 2009, o papa não dizia, além disso, na intenção «daqueles que se proclamam grandes defensores do Concílio», que «o Vaticano II contém em si a história doutrinal inteira da Igreja» e que «aquele que quer obedecer ao Concílio deve aceitar a fé professada ao longo dos séculos e não pode cortar as raízes que dão vida à árvore»[29]?

Há uma alusão muito clara a essa «hermenêutica da ruptura», que o papa denunciava desde o começo de seu pontificado[30]. «A hermenêutica da descontinuidade», dizia, «corre o risco de terminar numa ruptura entre a Igreja pré-conciliar e a Igreja pós-conciliar». Nessa perspectiva falseada, estima o papa, equivocamo-nos sobre o papel que o Concílio Vaticano II é chamado a desempenhar. «Deste modo, ele é considerado como uma espécie de Constituinte, que elimina uma constituição velha e cria outra nova».

A – Bento XVI e a hermenêutica da reforma

À essa hermenêutica da ruptura, Bento XVI opunha o que ele chama de «hermenêutica da reforma». Ela corresponde, sem mais nem menos, à intenção inicial claramente expressa por João XXIII na abertura do Concílio Vaticano II: «É necessário», dizia ele em 11 de outubro de 1962, «que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. […] dever-se-á usar a maneira de apresentar as coisas que mais corresponda ao magistério, cujo caráter é prevalentemente pastoral»[31]. João XXIII dá mais precisão ainda ao mesmo pensamento em uma alocução endereçada ao Sacro Colégio, em 23 de dezembro de 1962, onde ele diz: «[A doutrina da Igreja] deve ser estudada e exposta através das formas de investigação e de formulação literária do pensamento moderno, medindo tudo dentro das formas e proporções de um magistério com caráter prevalentemente pastoral»[32]. E Bento XVI comenta isso nos dizendo que, para responder a essa intenção inicial do Papa João XXIII, o Concílio Vaticano II deveria realizar «uma síntese de fidelidade e dinamismo»[33]. A hermenêutica da reforma corresponde a um «cuidado de exprimir no modo novo uma determinada verdade», exigindo «uma nova reflexão sobre ela e uma nova relação vital com a mesma»[34]. Seria preciso apresentar a doutrina levando em conta as «formas de investigação e de formulação literária do pensamento moderno».

Aos olhos de Bento XVI, o Concílio Vaticano II quis assim inaugurar uma nova etapa nas relações que devem existir entre a fé e o pensamento humano. Essas relações devem, com efeito, evoluir segundo o arbítrio da história, porque a fé deve buscar se exprimir da maneira que convém ao seu tempo. O Concílio Vaticano II representou para o pensamento moderno nascido no século XVIII o que Santo Tomás representou para o pensamento aristotélico do século XIII. A intenção desse concílio foi antes propor a verdade de fé em função do pensamento moderno e, portanto, de se conciliar com ele. Como fez Santo Tomás no século XIII, seria preciso «colocar a fé em uma relação positiva com a forma de razão dominante no seu tempo»[35].

B – A verdadeira intenção do Concílio

O Concílio Vaticano II tinha a tarefa de «determinar de modo novo a relação entre a Igreja e a era moderna»[36]. Com efeito, essas relações começaram a se tornar conflitantes. «O conflito da fé da Igreja com o liberalismo radical e também com as ciências naturais que pretendiam envolver com os seus conhecimentos toda a realidade até aos seus extremos, propondo-se insistentemente de tornar supérflua a “hipótese de Deus”, tinha provocado no Século XIX, sob Pio IX, por parte da Igreja ásperas e radicais condenações de tal espírito da era moderna. Portanto, aparentemente não havia mais qualquer espaço aberto para uma compreensão positiva e frutuosa, e eram igualmente drásticas as rejeições por parte daqueles que se sentiam os representantes da era moderna»[37]. O Syllabus de 1864 é como que a quintessência dessa oposição. Ora, justamente, com a constituição pastoral Gaudium et Spes, o Concílio Vaticano II quis ir no caminho contrário ao do Syllabus e inaugurar um novo tipo de relação.

Em seu livro publicado em 1982, Os princípios da teologia católica, o Cardeal Joseph Ratzinger afirmava que a intenção fundamental do Concílio Vaticano II está contida na constituição pastoral Gaudium et Spes. O epílogo desse livro é intitulado: A Igreja e o mundo: a propósito da questão da recepção do Concílio Vaticano II[38]. O prefeito da Congregação para a doutrina da fé afirma: «Se buscarmos um diagnóstico global do texto, poderíamos dizer que ele é (em coordenação com os textos sobre a liberdade religiosa e sobre as religiões do mundo) uma revisão do Syllabus de Pio IX, uma espécie de contra-Syllabus. […] O Syllabus traçou uma linha de separação diante das forças determinantes do século XIX: as concepções científicas e políticas do liberalismo. Na controvérsia modernista, essa dupla fronteira foi novamente reforçada e fortificada. […] Primeiro na Europa central, o apego unilateral condicionado pela situação às posições tomadas pela iniciativa de Pio IX e Pio X contra o novo período da História aberto pela Revolução francesa havia sido em grande parte corrigido via facti; mas uma determinação fundamental nova das relações com o mundo tal como ele se apresentava desde 1789 ainda estava ausente»[39]. Vinte e três anos mais tarde, em uma conferência pronunciada em Subiaco durante a entrega do «Prêmio São Bento pela promoção da família na Europa», em 1 de abril de 2005[40], véspera da morte do Papa João Paulo II, o cardeal Ratzinger explica ainda mais profundamente em que consiste essa intenção do Concílio. O Concílio quis realizar a adaptação da verdade da Igreja em relação ao pensamento do Iluminismo e de 1789. Esse pensamento iluminista admite os valores religiosos sem por isso confundi-los com o mundo e com os valores profanos; portanto, ele torna possível a conciliação entre o cristianismo e o pensamento moderno, de uma maneira diferente da Idade Média e das épocas anteriores a 1789, pois ele coloca como princípio os direitos absolutos da liberdade.

Tal é a nova mentalidade moderna, que reivindica um outro tipo de relação com a Igreja. «O Concílio Vaticano II, na Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo atual evidenciou essa correspondência profunda entre o cristianismo e o Iluminismo, tentando chegar a uma verdadeira conciliação entre a Igreja e a modernidade, que é o grande patrimônio que devem salvaguardar ambas as partes»[41].

C – Ruptura ou continuidade?

Aos olhos de Bento XVI, essa intenção inicial do Concílio Vaticano II não implica nenhuma ruptura, nenhuma descontinuidade. Ao propor a fé de maneira a desta vez colocá-la em uma relação positiva com o pensamento moderno, tal como originado no Iluminismo do século XVIII, o Concílio quis realizar «uma síntese de fidelidade e dinamismo». É a ideia central do Discurso de 2005, que vem completar e terminar nesse ponto a reflexão ratzingeriana dos anos de 1982 até 2005. «É exatamente neste conjunto de continuidade e descontinuidade a diversos níveis que consiste a natureza da verdadeira reforma»[42].

O Vaticano II pôde se apresentar como uma espécie de contra-Syllabus sem levar a cabo a descontinuidade e a ruptura em relação ao ensinamento de Pio IX; e isso se explica porque, diz-nos Bento XVI, as decisões que a Igreja toma em um domínio contingente são elas mesmas contingentes. «Neste processo de novidade na continuidade devíamos aprender a compreender mais concretamente do que antes que as decisões da Igreja em relação às coisas contingentes por exemplo, certas formas concretas de liberalismo ou de interpretação liberal da Bíblia deviam necessariamente ser essas mesmas acidentais, justamente porque referidas a uma determinada realidade em si mesma mutável. Era preciso aprender a reconhecer que, em tais decisões, somente os princípios exprimem o aspecto duradouro, permanecendo subjacente e motivando a decisão a partir de dentro. Não são, por sua vez, igualmente permanentes as formas concretas, que dependem da situação histórica e podem portanto ser submetidas a mutações. Assim, as decisões de fundo podem permanecer válidas, enquanto as formas da sua aplicação a estes novos podem mudar»[43].

É verdade que há uma diferença absolutamente fundamental entre a ciência (ou mesmo a opinião) e a prudência. A ciência deve dar simplesmente a ratio, ou seja, a razão pela qual um predicado é atribuído a um sujeito. Essa atribuição é universal e necessária. Se, por exemplo, se diz que o bispo de Roma é o sucessor de São Pedro, essa proposição é verdadeira sempre e em todos os lugares e ela não pode não ser verdadeira: ela é absoluta. Qualquer que tenha sido o sujeito legalmente eleito pelos cardeais bispos de Roma, qualquer que seja a época da História da Igreja, esse indivíduo é o sucessor de São Pedro. A prudência deve dar a recta ratio agibilium, ou seja, não mais a razão que descreve uma definição universal e necessária, mas a razão que explica por que se decide realizar tal ação, aqui e agora. Essa razão chega no término de um raciocínio, e é a conclusão de um silogismo prático: nesse silogismo, combina-se uma premissa universal e necessária e outra premissa particular e contingente. A conclusão indica o que é verdadeiro não mais absolutamente, mas relativamente, e não mais sempre e em todos os lugares, mas no contexto de determinadas circunstâncias. Tal silogismo não tem por objetivo passar de um universal confuso a um outro universal distinto. Deve-se passar de um universal para o particular. Com efeito, a lei é um princípio que permanece demasiadamente universal para que se possa aplicá-la enquanto tal; ela contém em potência uma multidão de conclusões cuja possibilidade é igual. É preciso escolher dentre as conclusões aquela que não somente é possível, mas provável ou verossímil, ou seja, no particular, detalhadas todas as circunstâncias que compõem essa particularidade. Ainda que verdadeira em dadas circunstâncias, essa mesma conclusão seria falsa em outras circunstâncias diferentes. O juízo prudencial é, portanto, relativo às circunstâncias.

Portanto, a relatividade de um juízo não é ruim, assim como não o é seu caráter absoluto. O que é defeituoso é se enganar de categoria e enunciar um juízo relativo em matéria necessária[44] ou um juízo absoluto em matéria contingente[45]. Santo Tomás explica isso em seu Comentário à Ética de Aristóteles[46]: não se pode aplicar uma demonstração matemática em matéria moral. Um juízo relativo não é um juízo falso ou insuficiente. É um juízo que é verdadeiro em um domínio e até certo ponto. Ele se adequa a um contexto particular. Tal juízo mudará conforme as circunstâncias. Dizendo mais precisamente, o juízo da prudência tem por objetivo determinar qual é o meio a se empregar para obter o fim, não o meio em geral, que se impõe sempre e em todos os lugares, mas o meio requerido em tais circunstâncias.

D – Relatividade e relativismo

Não obstante, um juízo, mesmo o juízo prudencial, relativo às circunstâncias, não é jamais puramente relativo, pois ele comporta uma parte de necessário: o fim não justifica todos os meios. De maneira similar, quando a Igreja toma decisões relativas às circunstâncias, decisões que são tomadas em matéria contingente, estas correspondem ainda assim a uma certa parte de necessidade, contígua aos princípios: os princípios que são aplicados em uma matéria contingente não são necessariamente contingentes.

Por outro lado, há sobretudo uma grande diferença entre tomar uma decisão em uma matéria contingente (ou seja, realizar um ato de prudência) e exercer um ato de maneira contingente (o que caracteriza todo ato humano, quer ele seja prudencial ou científico). É claro que todo ato que emana de um sujeito humano é exercido de maneira contingente, no sentido em que, o sujeito humano, sendo dotado de razão e livre, poderia não exercer esse ato; e no sentido em que esse ato se inscreve na História, no âmbito de uma duração onde nenhum momento se parece exatamente com o outro. Mas isso não quer dizer que todo ato de um sujeito racional e livre, inscrito no tempo, só possa ser exercido em matéria contingente[47].

Se, pelo seu corpo, o homem é o sujeito do movimento e se inscreve na duração e pertence a uma certa parte de contingência, pela sua alma ele pode alcançar verdades necessárias e imutáveis que abstraem da contingência histórica. E, de fato, boa parte das declarações do magistério da época moderna anteriores ao Vaticano II dizem respeito a uma matéria necessária. Ainda que façam parte do contexto histórico do século XIX, época diferente da nossa, as declarações do Papa Pio IX que condenam a liberdade religiosa e os falsos princípios iluministas são definitivas e necessárias: o Papa Pio IX condenou o erro do liberalismo enquanto tal, tal como ele deve se manifestar sempre e em todos os lugares, e tal como ele é expresso em um princípio que permanece em oposição universal e necessária em relação à doutrina divinamente revelada.

E – Continuidade da fé e da razão em Santo Tomás

Ademais, não é exato dizer que Santo Tomás realizou a conciliação entre a fé e a filosofia aristotélica, «colocando assim a fé em uma relação positiva com a forma de razão dominante no seu tempo»[48]. Santo Tomás conciliou a fé e a razão, e não a fé e o aristotelismo ou a fé e o pensamento racional de seu tempo, o que corresponderia ao pensamento moderno do século XIII. A síntese tomista vale em todos os tempos. Como diz o Papa São Pio X em seu Motu proprio Doctoris Angelici em 29 de junho de 1914, ela representa um conjunto de princípios «graças aos quais todos os erros de todos os tempos se encontram refutados». E acrescenta que «os principais pontos da filosofia de Santo Tomás não devem ser colocados no gênero de assuntos que podem ser disputados em um ou outro sentido, senão que devem ser considerados como fundamentos sobre os quais toda a ciência das coisas naturais se encontram estabelecidas». O Papa Pio XII repetirá a mesma coisa pouco mais de trinta anos depois na encíclica Humani Generis de 12 de agosto de 1950: «Essa filosofia, reconhecida e aceita pela Igreja, defende o verdadeiro e reto valor do conhecimento humano, os inconcussos princípios metafísicos, […] e a posse da verdade certa e imutável». A síntese realizada por Santo Tomás em dado momento da História é a conciliação definitiva, necessária e suficiente da fé e da filosofia natural na razão humana. Pode-se certamente progredir para um melhor conhecimento da Revelação e fazer o possível para se aprofundar cada vez mais nos mistérios divinos, recorrendo às luzes da razão dirigida pela fé. «Quando a razão, iluminada pela fé, diz o Concílio Vaticano I, busca diligente, pia e sobriamente, consegue, com a ajuda de Deus, alguma compreensão frutuosíssima dos mistérios»[49]. Mas nessa busca, a razão dirigida pela fé não pode mudar de instrumento: sua ferramenta natural e necessária continua sendo a filosofia perene em seus princípios fundamentais, tais como Santo Tomás perfeitamente sintetizou. É por isso que não há nenhuma continuidade possível entre a fé e o pensamento moderno nascido no século XVIII; os homens da Igreja não podem alimentar a pretensão de exprimir a fé «de forma a responder às exigências do nosso tempo», se entendemos por isso a filosofia moderna iluminista.

F – A ruptura do relativismo em Bento XVI

Em seu Discurso de 2005, o papa Bento XVI raciocina como se toda decisão, do fato mesmo de que ela pertence à História, só pudesse dizer respeito a uma matéria contingente e exprimir uma verdade somente relativa às circunstâncias. Não se poderia ser mais explícito para erigir à condição de princípio o relativismo doutrinal. Ademais, o exemplo que o papa alega para ilustrar a natureza da verdadeira reforma, que consiste, segundo ele, em um conjunto de continuidade e descontinuidade, mostra muito claramente que não é somente a aplicação dos princípios que muda, mas antes os próprios princípios. «Era preciso definir», disse, «de modo novo a relação entre a Igreja e o Estado moderno, que abria espaço aos cidadãos de várias religiões e ideologias, comportando-se em relação a estas religiões de modo imparcial e assumindo simplesmente a responsabilidade por uma convivência ordenada e tolerante entre os cidadãos e pela sua liberdade de exercer a própria religião»[50]. Ora, não há nenhuma continuidade, mas ao contrário: a mais completa descontinuidade entre o novo princípio de Dignitatis Humanae, equivalente a essa nova definição da relação entre a Igreja e o Estado, e o princípio evocado por Leão XIII na encíclica Immortale Dei, de 1 de novembro de 1885, e segundo a qual «as sociedades políticas não podem sem crime comportar-se como se Deus absolutamente não existisse, ou prescindir da religião como estranha e inútil, ou admitir uma indiferentemente, segundo seu beneplácito. Honrando a Divindade, devem elas seguir estritamente as regras e o modo segundo os quais o próprio Deus declarou querer ser honrado. Devem, pois, os chefes de Estado ter por santo o nome de Deus e colocar no número dos seus principais deveres favorecer a religião, protegê-la com a sua benevolência, cobri-la com a autoridade tutelar das leis, e nada estatuírem ou decidirem que seja contrário à integridade dela». É absolutamente inexato pretender, como faz Bento XVI, que «O Concílio Vaticano II, com o Decreto sobre a liberdade religiosa, reconhecendo e fazendo seu um princípio essencial do Estado moderno, recuperou novamente o patrimônio mais profundo da Igreja»[51]. O ensinamento do Concílio Vaticano II sobre a liberdade religiosa, em vez disso, realizou uma ruptura em relação a toda a Tradição e, portanto, em relação ao patrimônio mais profundo da Igreja.

G – O verdadeiro alcance do Discurso de 22 de dezembro de 2005

A hermenêutica da reforma, tal como a concebeu Bento XVI, não é a expressão de um retorno à Tradição da Igreja. Bento XVI busca sem dúvidas estabelecer uma continuidade entre o Vaticano II e os ensinamentos do magistério anterior. Mas não é a continuidade tal como compreenderam os papas até antes do último Concílio, ou seja, a continuidade na transmissão inalterada de uma mesma doutrina substancialmente imutável. É a continuidade de uma nova tradição viva, continuidade no relativismo onde se crê poder superar a contradição, partindo do princípio que os ensinamentos da Igreja são expressos sempre em uma matéria contingente.

Para terminar, tentemos identificar mais de perto essa nova noção de tradição viva, ao menos tal como o Papa Bento XVI a entende.

Terceira parte – O novo relativismo da Tradição viva

O relativismo doutrinal exprimido no Discurso de 22 de dezembro de 2005 corresponde, no pensamento do Papa Bento XVI, a uma noção falseada de Tradição que permanece na linha do Motu proprio Ecclesia Dei afflicta de João Paulo II. Essa noção é descrita na catequese do papa Bento XVI sobre a Igreja, com as alocuções de 26 de abril, 3 e 10 de maio de 2006, publicadas no L’Osservatore romano. A Tradição não é mais definida primeiro como a transmissão do depósito das verdades divinamente reveladas. Ela é concebida em primeiro lugar como uma Experiência e uma Vida.

A – A Tradição redefinida

Na quinta alocução de 26 de abril[52], o papa Bento XVI se exprime assim: «É o Espírito quem garante a presença ativa do mistério na História, Aquele que garante a sua realização ao longo dos séculos. Graças ao Paráclito a experiência do Ressuscitado, feita pela comunidade apostólica nas origens da Igreja, poderá ser sempre vivida pelas gerações sucessivas, porque transmitida e atualizada na fé, no culto e na comunhão do Povo de Deus, peregrino no tempo. […] A Tradição apostólica da Igreja consiste nesta transmissão dos bens da salvação, que faz da comunidade cristã a atualização permanente, na força do Espírito, da comunhão originária». A Tradição não é mais principalmente a transmissão dos dogmas, o ensinamento perpétuo das verdades reveladas e nem a administração dos sacramentos e a celebração do culto. Ela é sem dúvida essa transmissão, mas na medida em que ela prolonga a experiência comunitária das origens: mediante essa transmissão, a comunhão de hoje continua a comunhão de ontem, o vivido e a experiência das gerações passadas continua no vivido e na experiência das gerações presentes.

Um pouco mais adiante, encontramos uma outra definição que exprime ainda a mesma ideia: «A Tradição não é transmissão de coisas ou palavras, uma coleção de coisas mortas. A Tradição é o rio vivo que nos liga às origens, o rio vivo no qual as origens estão sempre presentes. O grande rio que nos conduz ao porto da eternidade»[53]. Na sexta alocução de 3 de maio[54], Bento XVI recapitula assim sua proposta: «A Tradição apostólica não é uma coleção de objetos, de palavras como uma caixa que contém coisas mortas; a Tradição é o rio da vida nova que vem das origens, de Cristo até nós, e envolve-nos na história de Deus com a humanidade». E ele acrescenta mais adiante: «A Tradição é a história do Espírito que age na história da Igreja através da mediação dos Apóstolos e dos seus sucessores, em fiel continuidade com a experiência das origens»[55].

B – Um discurso coerente, mas diametralmente oposto aos ensinamentos da Igreja

Sem dificuldades, compreendemos então o que quer dizer Bento XVI quando afirma que «o Vaticano II contém em si a história doutrinal inteira da Igreja» e que «aquele que quer obedecer ao Concílio deve aceitar a fé professada ao longo dos séculos e não pode cortar as raízes que dão vida à árvore»[56]. Essa «história doutrinal inteira da Igreja», essa «fé professada ao longo dos séculos» de que fala em março de 2009 é exatamente a Tradição viva de que já falava em maio de 2006, ou seja, «a história do Espírito que age na história da Igreja através da mediação dos Apóstolos e dos seus sucessores, em fiel continuidade com a experiência das origens». A proposta do Papa continua a mesma, do começo ao fim. Mas é uma proposta que dá uma nova definição de magistério e de Tradição que está em completa oposição com os ensinamentos do magistério anterior ao Vaticano II.

C – Uma Tradição imutável e um magistério vivo

É verdade que a Igreja explicita a expressão das verdades reveladas e assim proporciona aos fiéis uma compreensão mais profunda do depósito da fé. É nesse sentido que se pode dizer que o magistério tradicional era também um magistério vivo. «Vivo» se opõe a «póstumo». Esse atributo diz respeito ao sujeito e ao ato do magistério (o magistério entendido no 1º e no 2º sentido), mas não ao objeto do magistério (o magistério entendido no 3º sentido).

Do ponto de vista do 2º sentido (o magistério entendido como ato de ensino), o magistério póstumo é a simples repetição do ensinamento passado dado com autoridade pelo magistério vivo e autêntico, após a cessação deste. Ele é exercido por escrito. O magistério vivo é o exercício sempre atual do magistério autêntico. Ele é exercido principalmente pela pregação oral e acessoriamente por escrito.

Do ponto de vista do 1º sentido (o magistério entendido como o sujeito que exerce o ato de ensino), o magistério é vivo no sentido em que a cada época da História a prudência dos pastores mantém-se sempre suficientemente inventiva para esclarecer a inteligência dos fiéis e lhes propor a mesma verdade de uma maneira cada vez mais aprofundada e adaptada às circunstâncias.

Na Questão disputada nº 11 da série De Veritate, Santo Tomás de Aquino mostra no artigo 4 que o ensino é uma obra que compete à vida ativa. Com efeito, o ato de ensinar diz respeito, por assim dizer, a um duplo objeto, uma dupla matéria. Há a verdade ensinada: em relação a esse objeto, o ensino é uma obra da vida contemplativa. Há também o auditório a ser ensinado: em relação a esse objeto, o ensino é uma obra da vida ativa[57]. Há, por parte do auditório que será ensinado, circunstâncias variáveis que pedem uma adaptação da pregação. O auditório não é uniforme e ele pode se apresentar sob condições bem diferentes. Essas condições diversas serão, por exemplo, os erros que assolam os fiéis e que colocam em perigo a compreensão que eles têm do dado revelado, fazendo com que seja necessária uma proposição mais explícita[58]. Essas condições diversas correspondem ainda à diversidade de tempo e lugar, fazendo com que sejam necessárias explicações diversamente apropriadas[59] no nível do direito positivo eclesiástico. Nesse sentido, a transmissão da doutrina católica é uma pregação viva porque é uma pregação pastoral, sendo o pastor aquele que usa de discernimento e que leva em conta as disposições do seu rebanho (segundo o adágio escolástico: «quidquid recipitur in aliquo est in eo per modum recipientis[60]»: “tudo o que se recebe, recebe-se segundo o modo do recipiente”). É por isso que essa pregação recorre principalmente à palavra falada[61].

Mas isso não tem nada a ver com o «magistério pastoral» ao qual reivindica o Vaticano II. Com efeito, o magistério do Vaticano II se quis pastoral porque ele mudou a verdade sob pretexto de adaptar a pregação da verdade à inteligência do homem moderno. Ora, se o magistério é vivo no 1º e no 2º sentidos, a Tradição objetiva que se identifica com o magistério tal como entendido no 3º sentido (e que equivale aos dogmas, ou seja, às verdades divinamente reveladas, que são objeto da pregação do magistério) não é viva, mas imutável. A pregação eclesiástica só se torna mais precisa quando os pastores da Igreja exercem seu magistério para dar uma compreensão mais profunda do dogma. Mas o dogma não muda. Há um progresso não do dogma, mas da compreensão dos dogmas nos fiéis, que são mais intensamente protegidos contra os ataques do erro. É a passagem de um conhecimento implícito a um conhecimento explícito; a alteração afeta o modo segundo o qual será exercida a adesão do intelecto do fiel ao objeto da fé. O objeto da fé permanece inalterado, e ele está formalmente revelado tanto antes como depois da definição do papa. Por exemplo, o fiel acreditava até então implicitamente na Imaculada Concepção ao crer explicitamente que a Santíssima Virgem possuía a plenitude da graça (verdade ensinada na Sagrada Escritura com a passagem do Evangelho de São Lucas, capítulo 1, versículo 28). Essa plenitude da graça implica muitas coisas, e em particular a concepção incólume do pecado original. Essa consequência particular foi explicitada pela definição do Papa Pio IX (enquanto que uma outra consequência particular seria explicada por Pio XII quando veio a proclamar o dogma da Assunção). Desde então, o fiel está obrigado a crer não somente implicitamente, mas também explicitamente na verdade da Imaculada Concepção. Portanto, a evolução recai precisamente e exclusivamente sobre o modo de se crer: a maneira pela qual o crente exerce seu ato, de maneira implícita e explícita, e não sobre o objeto da crença.

D – Do magistério vivo à nova Tradição viva

Em suma, pode-se admitir somente um certo progresso extrínseco, mas jamais intrínseco do dogma, ou seja, um progresso não do dogma enquanto tal, mas da compreensão que os fiéis possuem dele. Por um lado, o progresso dessa compreensão deve ser realizado «no gênero próprio[…], isto é, no mesmo dogma, no mesmo sentido e na mesma sentença»[62], sem colocar em causa o conteúdo objetivo do depósito revelado. Pelo outro, é o magistério infalível e constante, o magistério tradicional da Igreja, e somente ele, que deve dar essa compreensão, e não a mera razão natural e nem a filosofia sozinha. Na constituição Dei Filius, o Concílio Vaticano I consagrou à sua autoridade essa propriedade essencial do magistério eclesiástico, que é a de ser um magistério constante. «Aquele sentido dos sagrados dogmas que a santa mãe Igreja uma vez tenha declarado, e jamais, nem a título de uma inteligência mais elevada, é permitido afastar-se deste sentido»[63]. À essa proposição corresponde o cânon seguinte: « Se alguém disser que, às vezes, conforme o progresso das ciências, se pode atribuir aos dogmas propostos pela Igreja um sentido diverso daquele que ensinou e ensina a Igreja: seja anátema»[64].

Mesmo se a pregação da Igreja se exerce de maneira contingente, no âmbito das circunstâncias históricas, ela tem por objetivo transmitir verdades divinamente reveladas, que não são contingentes, mas necessárias e imutáveis. A confusão introduzida pelo Discurso de 22 de dezembro de 2005 está neste nível: passou-se de um magistério vivo (a pregação eclesiástica que se exerce para transmitir sempre a mesma verdade, de maneira contingente, ou seja, tendo em conta as circunstâncias) para uma Tradição viva (a pregação eclesiástica que se exerce em uma matéria contingente, ou seja, para estabelecer uma relação sempre renovada e cambiante entre a fé e a razão dominante de cada época). Passou-se assim do progresso dogmático extrínseco e homogêneo para um progresso intrínseco e relativista.

Epílogo

Por uma recepção frutuosa e realista

O colóquio de Toulouse se propunha refletir «sobre a maneira pela qual a corrente teológica originada em Santo Tomás de Aquino pode colaborar para uma Recepção do Vaticano II que honre o Concílio como um ato da Tradição viva». Podemos dizer, de agora em diante, sem medo de nos enganar, que essa reflexão permanecerá prisioneira da problemática na qual ela se encerrou desde o início. Se admitimos o postulado da Tradição viva, nenhuma crítica séria dos ensinamentos conciliares seria possível. Seria preciso, queira ou não, fazer com que ingressasse no patrimônio da Igreja a liberdade religiosa, o ecumenismo e a nova eclesiologia, mesmo que ao preço da contradição, ou antes graças à contradição erigida à condição de princípio primeiro de toda reflexão teológica. Porque se a Tradição é viva, o movimento é o ser e tudo se torna possível… e imaginável.

A única «recepção tomista» que nos parece concebível é aquela que começaria por definir sem ambiguidade a Tradição e o magistério em conformidade com os ensinamentos do Papa Pio IX e do Concílio Vaticano I. Nessas condições, e nessas condições somente, nós poderíamos alimentar a esperança de interpretar os ensinamentos do Vaticano II «à luz da Tradição», compreendida como sempre compreenderam todos os papas e todos os bispos católicos até o Concílio.

Pe. Jean-Michel Gleize, Courrier de Rome, n° 514, julho-agosto 2009

Notas

  1. Joaquin Salaverri, S. J., De Ecclesia, tese 12, n.º 503 em Sacra theologiæ summa, t. 1: «Theologia fundamentalis», Biblioteca de autores cristianos, Madrid, 1962, p. 654-655.
  2. Por exemplo: CIC de 1917, cânon 742, §1; cânon 752, § 3; DS 1017; DS 1262; DS 1312; DS 1315; DS 1352; DS 1611; DS 1617; DS 1685; DS 1998; DS 2328; DS 2382; DS 2536; DS 2835; DS 2838; DS 3100; DS 3104; DS 3126; DS 3318; DS 3874; DS 3928.
  3. Por exemplo: DS 1309; DS 1406; DS 1407; DS 1434; DS 1519; DS 2399; DS 2509; DS 2729; DS 2750; DS 2885; DS 3007; DS 3120; DS 3202; DS 3400; DS 3428; DS 3440; DS 3448; DS 3518; DS 3793.
  4. CIC, cânon 830; cânon 1086.
  5. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, IIa IIa, questão 105, artigo 5.
  6. Concílio Vaticano I, constituição dogmática Pastor Aeternus, capítulo 4 em DS 3070.
  7. Concílio Vaticano I, constituição dogmática Dei Filius, capítulo 4 em DS 3020.
  8. Cardeal Johannes Baptist Franzelin, La Tradition, Courrier de Rome, 2008, tese 23, Apêndice, n° 499, p. 350-351.
  9. Explicaremos mais adiante (3ª parte, §C) em que medida é possível que se tenha uma certa alteração acidental, um progresso extrínseco, na medida em que o magistério exprime a mesma verdade em termos mais explícitos para permitir à inteligência dos fiéis compreender com maior profundidade.
  10. Concílio Vaticano I, constituição Dei Filius, capítulo 4 em DS 3020.
  11. Concílio Vaticano I, constituição Pastor Aeternus, capítulo 4 em DS 3069.
  12. Sobre esse assunto o leitor pode consultar o número de julho-agosto de 2008 do jornal Sí Sí No No.
  13. João XXIII, «Discurso de Sua Santidade Papa João XXIII na abertura solene do SS. Concílio», 11 de outubro de 1962, em AAS 54 (1962), pp. 785-795; e «Alocução dirigida ao Sagrado Colégio», 23 de dezembro de 1962, em DC nº 1391 (6 de janeiro de 1963), col. 101.
  14. É o que prova o Discurso que o Cardeal Ottaviani, presidente da Comissão de doctrina fidei et morum, pronunciou durante o Concílio Vaticano II, na ocasião da 31ª congregação geral de 1 de dezembro de 1962, para submeter ao exame da assembleia o esquema sobre a Igreja: «Aqueles que finalizaram o esquema tiveram o cuidado de lhe dar um contorno tão pastoral e bíblico quanto possível, e de torná-lo acessível aos simples fiéis, evitando empregar expressões escolásticas, para se exprimir antes numa linguagem compreensível a todos, à época atual. Digo isso porque espero ouvir as lamúrias habituais dos padres conciliares: não é ecumênico, é escolástico, não é pastoral, é negativo e assim por diante. Além disso, devo fazer uma confidência. Acredito que eu e os demais relatores falaremos em vão, porque o assunto já está julgado. Com efeito, aqueles que sempre nos dizem: “Retire o esquema, retire!” são aqueles que já estão pronto para o combate. Eis uma pequena revelação: antes mesmo que o esquema fosse distribuído – escute bem, escute bem! – antes mesmo que ele fosse distribuído, já se estava redigindo um outro esquema que deveria substituí-lo [Vobis revelationem quamdam facio: antequam schema istud distribueretur – audite! audite! – antequam distribueretur, jam conficiebatur schema substituendum]. É por isso que antes mesmo de ter sido examinado, nosso texto já estava julgado! Só me resta calar, visto que, como diz a Sagrada Escritura: “Não desperdices palavras, onde não há quem as ouça”. Está dito» (Acta synodalia sacrosancti concilii oecumenici vaticani II, vol. 1, pars 4, Typis polyglottis vaticanis, 1971, p. 121.)
  15. Na encíclica Quanta Cura (8 de dezembro de 1864) Pio IX diz exatamente o seguinte: «E não podemos calar da audácia dos que pretendem poder negar, sem pecado e sem dano da profissão católica, o assentimento e a obediência àqueles juízos e decretos da Sé Apostólica dos quais se declara que seu objeto visa o bem geral da Igreja, bem como seus direitos e disciplina – contanto que este objeto não se refira aos dogmas da fé e da moral». Na carta Tuas libenter (21 de dezembro de 1863), o próprio soberano pontífice tinha já exprimido a mesma ideia: «Mas, dado que se trata daquela submissão com a qual em consciência são vinculados todos os católicos que se dedicam às ciências de tipo especulativo, para que proporcionem com seus escritos novos benefícios à Igreja, por este motivo os homens daquela assembleia devem reconhecer que, para os estudiosos católicos, não é suficiente que acolham e honrem os referidos dogmas da Igreja, mas é também necessário que se submetam, quer às decisões de doutrina emanadas pelas Congregações Pontifícias, quer aos capítulos de doutrina que, por comum e constante consenso dos católicos, são tidos como verdades teológicas e conclusões de tal modo certas, que as opiniões contrárias a esses pontos de doutrina, também se não podem ser chamadas heréticas, merecem todavia alguma censura teológica». E no Motu proprio Praestantia Scripturae (18 de novembro de 1911) São Pio X diz: «Por isso vemos que é preciso declarar e ordenar, como no presente o declaramos e expressamente ordenamos, que todos por dever de consciência estão obrigados a submeter-se às sentenças da Pontifícia Comissão Bíblica, tanto aos decretos já emitidos, como aos que daqui em diante serão emitidos, do mesmo modo que a todos os decretos das Sagradas Congregações referentes a questões doutrinais e aprovadas pelo Sumo Pontífice; e não podem evitar a nota de desobediência e temeridade e, portanto, não estão livres de grave culpa quantos, por palavra ou por escrito, impugnarem estas sentenças; e isto, abstração feita do escândalo ofensivo e as demais coisas de que podem ser culpados diante de Deus, por aquilo que disserem temerária e erroneamente sobre estas matérias, como sói acontecer».
  16. Cardeal Johannes Baptist Franzelin, La Tradition, Courrier de Rome, 2008, nº 254-255, p. 166-168 ; Padre Dublanchy, artigo «Infaillibilité du pape» em DTC, col. 1711-1712 ; Padre Straub, De Ecclesia, nº 968 sq.; Padre Reginald-Marie Schultes, De Ecclesia catholica, Lethielleux, 1925, p. 620-622; Lucien Choupin, S. J., Valeur des décisions doctrinales et disciplinaires du Saint-Siège, Beauchesne, 1928, p. 91.
  17. Por exemplo, no artigo citado do Dictionnaire de théologie catholique, o Padre Dublanchy faz as seguintes observações: «Contra a certeza moral com a qual o ensinamento pontifício [meramente autêntico] se apresenta à inteligência, só se pode ter normalmente dúvidas ou suspeitas infundadas ou imprudentes, que devem ser descartadas, seja com a ajuda de razões de ordem intelectual sobre as quais se apoia a certeza moral do ensino, seja pela influência da vontade que deve, por deferência à autoridade, inclinar a inteligência a uma adesão julgada praticamente muito prudente. Se, num caso particular, as dúvidas que parecem bem fundadas detêm a inteligência e impedem sua adesão ao ensinamento proposto, deve-se, para dar fim a essa situação no espírito, submeter suas dúvidas aos guias capazes de esclarecer a inteligência ou submetê-las à própria autoridade».
  18. Congregação para a doutrina da fé, «Declaração Mysterium Ecclesiae acerca da doutrina católica sobre a Igreja para a defender de alguns erros hodiernos» em DC nº 1636 (15 de julho de 1973), p. 664-665 e 670.
  19. Congregação para a doutrina da fé, «Notificação sobre o livro “Igreja: Carisma e poder. Ensaios de Eclesiologia militante” de Frei Leonardo Boff, O.F.M» em DC nº 1895 (5 de maio de 1985), p. 484-486.
  20. Congregação para a doutrina da fé, «Declaração sobre a unicidade e a universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja» em DC nº 2233 (1 de outubro de 2000), p. 812-822.
  21. Congregação para a doutrina da fé, «Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja» em DC nº 2385 (19 de agosto de 2007), p. 717-720.
  22. Congregação para a doutrina da fé, Ibid., p. 717.
  23. Vemos por exemplo que, durante sua viagem aos Estados Unidos da América, o papa encorajou positivamente o pluralismo religioso nas escolas: «Hoje jovens cristãos, judeus, muçulmanos, hindus e budistas, bem como crianças de todas as religiões nas salas de aula de todo o país sentam-se lado a lado, aprendendo umas com e das outras. Esta diversidade dá lugar a novos desafios que suscitam uma reflexão mais profunda sobre os princípios fundamentais de uma sociedade democrática. […] Portanto, convido todas as pessoas religiosas a considerar o diálogo não somente como um meio para reforçar a compreensão mútua, mas inclusive como um modo para servir de maneira ampla a sociedade. […] Um exemplo concreto da contribuição que as comunidades religiosas podem oferecer à sociedade civil são as escolas confessionais. Estas instituições enriquecem as crianças, quer intelectual quer espiritualmente. Orientados pelos seus professores a descobrir a dignidade conferida por Deus a cada ser humano, os jovens aprendem a respeitar os credos e as práticas religiosas dos outros, enriquecendo a vida civil de uma nação» (Bento XVI, «Encontro com os representantes de outras religiões no Centro cultural João Paulo II em Washington, em 17 de abril de 2008» em DC nº 2403, p. 529-530).
  24. Em seu tratado sobre a Tradição, o Cardeal Franzelin justifica detalhadamente a existência desse magistério não infalível, explicando o verdadeiro pensamento do Papa Pio IX e dos teólogos (Suárez, Gotti, Bento XIV, Cappellari, futuro Gregório XVI, Zaccaria), para defendê-lo contra as deformações que lhe fizeram sofrer os jansenistas de Utrecht. Estes só reconheciam, com efeito, o exercício do magistério de maneira infalível. Vide Cardeal Johannes Baptist Franzelin, La Tradition, Courrier de Rome, 2008, tese 12, 3º corolário do 7º princípio, nº 254-272, p. 166-183.
  25. Com efeito, na encíclica Humani Generis (12 de agosto de 1950), Pio XII diz: «Embora este sagrado magistério, em questões de fé e moral, deva ser para todo teólogo a norma próxima e universal da verdade (visto que a ele confiou nosso Senhor Jesus Cristo a guarda, a defesa e a interpretação do depósito da fé, ou seja, das Sagradas Escrituras e da Tradição divina), contudo, por vezes se ignora, como se não existisse, a obrigação que têm todos os fiéis de fugir mesmo daqueles erros que se aproximam mais ou menos da heresia e, portanto, de “observar também as constituições e decretos em que a Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões” (CIC, cânon 1324).»
  26. Paulo VI, «Audiência de 12 de janeiro de 1966» em DC nº 1466 (6 de março de 1966), col. 418-420.
  27. AAS 55 (1963) 43;Discorsi-Messaggi-Colloqui del Santo Padre Giovanni XXIII, vol. V, pp. 54-57.
  28. Mons. Lefebvre, «Conférence à Écône, le 2 décembre 1982» em Vu de haut, nº 13 (outono de 2006), p. 57.
  29. Bento XVI, «Carta de 10 de março de 2009 aos bispos da Igreja católica» em DC nº 2421, p. 320.
  30. Bento XVI, «Discurso do Papa Bento XVI aos cardeais, arcebispos e prelados da Cúria romana na apresentação dos votos de Natal» em DC nº 2343, p. 59.
  31. João XXIII, «Discurso de Sua Santidade Papa João XXIII na abertura solene do SS. Concílio», 11 de outubro de 1962, em AAS 54 (1962), pp. 785-795.
  32. DC nº 1391 (6 de janeiro de 1963), col. 101.
  33. Bento XVI, «Discurso do Papa Bento XVI aos cardeais, arcebispos e prelados da Cúria romana na apresentação dos votos de Natal» em DC nº 2343, p. 60.
  34. Id., Ibid.
  35. Id., Ibid., p. 62.
  36. Id., Ibid., p. 60.
  37. Id., Ibid.
  38. Cardeal Joseph Ratzinger, Les Principes de la théologie catholique. Esquisse et matériaux, Téqui, 1982, p. 423-440.
  39. Id., Ibid., p. 426-427.
  40. O texto original em italiano foi publicado em Il Regno em 01 de maio de 2005.
  41. Cardeal Joseph Ratzinger, «L’Europe dans la crise des cultures» em DC extra 1, Cardeal Ratzinger : Discours et conférences de Vatican II à 2005, 2005, p. 123-124.
  42. Bento XVI, «Discurso do Papa Bento XVI aos cardeais, arcebispos e prelados da Cúria romana na apresentação dos votos de Natal» em DC nº 2343, p. 61.
  43. Bento XVI, «Discurso do Papa Bento XVI aos cardeais, arcebispos e prelados da Cúria romana na apresentação dos votos de Natal» em DC nº 2343, p. 61.
  44. É, entre outros, o próprio do liberalismo, herdeiro do cepticismo.
  45. É, entre outros, o próprio do matematismo, como em Descartes ou Spinoza. Este último apresentou uma moral que tem como título Ethica ordine geometrico demonstrata.
  46. Livro I, lição 3, nº 32.
  47. A oposição que existe entre a necessidade e contingência pode ser entendida em dois sentidos distintos. Num primeiro sentido, pode-se entender a propósito do «modus operandi», e nesse sentido a operação necessária se opõe à operação contingente como a operação do agente natural desprovido de razão se opõe à operação do agente livre. Em sem Comentário à Física de Aristóteles (livro 2, lição 13), Santo Tomás explica que o agente natural age sempre da mesma maneira, porque estando desprovido de razão ele não tem a possibilidade de variar seus meios, diferentemente do agente livre que pode variá-los em sua arte. É por isso que as teias de aranha parecem todas iguais, enquanto nenhuma cozinha de uma casa se parece (normalmente) com a outra. Em um segundo sentido, pode-se entender a distinção a propósito da matéria que é objeto da operação, e nesse sentido a operação necessária se opõe à operação contingente como a operação da ciência se opõe às da arte ou da prudência. É por isso que os cursos de matemática se parecem todos uns com os outros, enquanto que nenhuma obra artística e nenhum tratado diplomático se parecem um com o outro.
  48. Bento XVI, «Discurso do Papa Bento XVI aos cardeais, arcebispos e prelados da Cúria romana na apresentação dos votos de Natal» em DC nº 2343, p. 62.
  49. Concílio Vaticano I, constituição dogmática Dei Filius, capítulo 4 em DS 3016.
  50. Bento XVI, «Discurso do Papa Bento XVI aos cardeais, arcebispos e prelados da Cúria romana na apresentação dos votos de Natal» em DC nº 2343, p. 61.
  51. Bento XVI, «Discurso do Papa Bento XVI aos cardeais, arcebispos e prelados da Cúria romana na apresentação dos votos de Natal» em DC nº 2343, p. 61.
  52. Bento XVI, «A comunhão no tempo: a Tradição», Alocução de 26 de abril de 2006 em L’Osservatore romano nº 18 de 2 de maio de 2006, p. 12.
  53. Bento XVI, «A comunhão no tempo: a Tradição», Alocução de 26 de abril de 2006 em L’Osservatore romano nº 18 de 2 de maio de 2006, p. 12.
  54. Bento XVI, «A Tradição apostólica», Alocução de 3 de maio de 2006 em L’Osservatore romano nº 19 de 9 de maio de 2006, p. 12.
  55. Id., Ibid.
  56. Bento XVI, «Carta de Sua Santidade Bento XVI aos bispos da Igreja católica a propósito da remissão da excomunhão aos quatro bispo consagrados pelo Arcebispo Lefebvre» em DC nº 2421, p. 320.
  57. Essa dualidade de matéria é bem traduzida pela construção do verbo latino «docere», que exige um duplo acusativo.
  58. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, IIa IIa, questão 1, artigo 9, ad 2.
  59. Id., ibid., artigo 7, ad 2 e ad 3.
  60. Id., ibid., Ia parte, questão 76, artigo 2, 3ª objeção.
  61. Com efeito, a expressão escrita contém certos limites que não estão presentes na expressão oral. Portanto, esta última é o meio de expressão privilegiado da prudência, que deve manter desenvoltura suficientemente para enfrentar de improviso as circunstâncias. Isso nos mostra por que a religião católica não é uma «Religião do livro».
  62. Concílio Vaticano I, constituição Dei Filius, capítulo 4 em DS 3020.
  63. Ibid.
  64. Ibid., cânon 3 do capítulo 4 em DS 3043.