EXEGESE FUMÍGENA

 

Exegetas semeando dúvidas

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Por ocasião do Natal, tornou-se habitual dar a palavra a estudiosos sobre a historicidade dos relatos evangélicos. O jornal La Croix volta a fazê-lo(1), entrevistando dois especialistas: uma exegeta protestante de Montpellier e um padre jesuíta que leciona em Paris.

Percebe-se que eles parecem concordar que situar o nascimento do Salvador em Belém é uma reconstrução teológica e que o relato da vinda dos magos do Oriente não tem qualquer fundamento histórico. Quanto a saber se Jesus tinha consciência de ser Deus, a única certeza é que se trata de uma questão complexa! Nesses casos, basta dizer que essa não é a questão principal.

Em todas as ciências, incluindo a exegese, o valor das conclusões depende do valor dos princípios, independentemente do rigor do método empregado. Se quisermos estudar as Sagradas Escrituras com os preconceitos do racionalismo e das teorias contemporâneas sobre a composição dos textos sagrados, então podemos, sem dúvida, reescrever tudo sem hesitação; mas não devemos exigir a confiança do leitor sob o pretexto de autoridade científica.

O fiel, animado pela fé, lê as Sagradas Escrituras como a Igreja(2) as lê, considerando os Evangelhos como relatos históricos [3] porque a vida cristã não se satisfaz com mitos repletos de boas intenções. Além disso, é difícil imaginar um Cristo que não tenha muita certeza de sua própria identidade [4]. Precisamos da verdade, não por alguma vontade de poder que procura “capturar” a verdade, segundo a caricatura complacentemente mantida para evitar o rigor intelectual [5], mas porque é a lei da nossa inteligência: “Uma ideia que parece muito simples e de fato o é, mas que está longe de ocupar o seu devido lugar na consciência comum, é a de que o homem tem deveres para com a sua inteligência, e que esses deveres são sérios [6]” 

Além disso, a vida cristã é uma vida de amizade com Jesus Cristo. O amor da amizade não se alimenta de mentiras nem de ficções: não se pode dizer ser amigo de uma pessoa cuja identidade é incerta. Se a Igreja tivesse cultivado esse gosto pela dúvida, jamais teria se alegrado com a conversão de um Santo Agostinho ou de um John Henry Newman.

Pe. Nicolas Cadiet, FSSPX

Notas:

  1. https://www.la-croix.com/religião/que-savons-nous-vraiment-de-jesus-deux-biblelistes-repondent-20251219
  2. “Eu não acreditaria no Evangelho se a autoridade da Igreja Católica não me obrigasse a fazê-lo.” Santo Agostinho, Livro Contra a Chamada Carta Fundamental dos Maniqueus, cap. 5 §6.
  3. O próprio Concílio Vaticano II não considerou oportuno afirmar na Constituição Dei Verbum (18 de novembro de 1965): “De maneira firme e absolutamente constante, a Santa Madre Igreja afirmou e afirma que os quatro Evangelhos enumerados, cuja historicidade ela atesta sem hesitação, transmitem fielmente o que Jesus, o Filho de Deus, enquanto vivia entre os homens, realmente fez e ensinou para a salvação eterna deles, até o dia em que foi levado ao céu.” (n. 19)? É notável que Joseph Ratzinger considere as teorias que negam o nascimento em Belém como “invenções pessoais” (Joseph Ratzinger, A Infância de Jesus, 2012, p. 3).
  4. A Igreja, por exemplo, sustenta contra os modernistas que Jesus teve a visão beatífica desde a sua concepção: decreto Lamentabili, 3 de julho de 1907, n.º 34; Santo Ofício, 5 de junho de 1918; Pio XII, encíclica Mystici corporis.
  5. A “doutrina usada como pedras a serem atiradas”, de acordo com os novos pecados capitais explicados pelo Papa Francisco em 1 de outubro de 2024.
  6. Pe. Michel Labourdette, op. cit., curso sobre virtudes.