Muitas de nossas dificuldades cotidianas decorrem da falta de discernimento. O que isso significa?
Fonte: Apostol n° 188 – Tradução: Dominus Est
Não apreciamos a realidade dos fatos tal como eles são objetivamente. Deixamos de julgar corretamente uma determinada situação. Não se trata de erros, que afetam o nosso conhecimento sobre Deus, a humanidade ou do mundo material: erros que poderíamos chamar de “teóricos”. Mas trata-se de interpretar mal o comportamento do próximo; interpretar mal uma mensagem escrita ou oral, atribuindo-lhe um significado que ela não possui; não compreender as reações emocionais dos outros; fazer conexões – sem base alguma – entre dois fatos independentes; atribuir uma causa extraordinária a um fenômeno que pode ser explicado de forma mais simples pelas leis da natureza… Nosso olhar, fascinado pelos detalhes ou aspectos da realidade, esquece-se de considerá-la em sua totalidade: uma visão superficial que leva a um mal-entendido parcial ou até mesmo total.
Esses erros práticos de julgamento podem ter consequências mais ou menos graves, por vezes dramáticas. Na medida em que agimos de acordo com a maneira como avaliamos a realidade, é evidente que um erro de julgamento pode levar a decisões insensatas que vão contra nosso bem e nossa felicidade. Infelizmente, isso não é incomum… e o único objetivo deste artigo é apontar o dedo para um problema frequentemente encontrado.
Como chegamos a esse ponto? Há várias causas, a começar pelas afeições descontroladas: a raiva ofusca a visão e impede que as pessoas sejam razoáveis. É por isso que a raiva nunca deve ser desencadeada antes que a situação tenha sido avaliada e julgada com calma! Amor e ódio, desejo ou aversão, tristeza ou alegria podem alterar profundamente nossa visão dos outros a ponto de distorcê-la. Mas também existem pensamentos falsos: preconceitos ou pré-conceitos, ignorância que nem imaginamos ter, ideias errôneas que carregamos sem sempre perceber; eles também contribuem, ao condicionar nossa inteligência, para julgar mal determinadas situações. Há também erros de raciocínio: fulano disse isso, fulano fez aquilo; a afirmação de fulano é verdadeira ou falsa; ou erros de método: para saber o que pensar sobre determinada pessoa, grupo ou sociedade, vejo o que a mídia ou as redes sociais têm a dizer sobre isso. Não é preciso dizer que o uso frequente de telas não nos ajuda a julgar as situações adequadamente: ao favorecer o imediatismo das informações e buscar o sensacionalismo ou a emoção, as telas muitas vezes nos impedem de dar um passo atrás, reservar um tempo e pensar bem para fazer os julgamentos corretos sobre as diversas situações com as quais nos deparamos.
Aprender a julgar as situações objetivamente está se tornando um imperativo. Não há dúvida de que não somos iguais nesse aspecto: alguns têm uma aptidão natural para isso, enquanto outros não a possuem. Mas é possível que todos progridam: distanciar nossas emoções e nossas telas; verificar a veracidade de nossas ideias preconcebidas e a lógica de nosso raciocínio; referir-se a pessoas conhecidas pelo seu julgamento sensato e justo ou ter os seus julgamentos verificados por pessoas sábias: todas estas são maneiras de nos ajudar a remediar a nossa falta de juízo e as suas infelizes consequências.
Pe. Louis-Marie Berthe, FSSPX