MARIA MEDIANEIRA, CORREDENTORA E DISPENSADORA DE TODAS AS GRAÇAS – PARTE 1/2

O que significa dizer que Maria é “corredentora” e “medianeira de todas as  graças”?

MARIA MEDIANEIRA

Fonte: SI SI NO NO – Tradução: Dominus Est

A natureza da mediação

Mediador é aquele que está no meio, entre duas pessoas ou coisas para uni-las (se ainda não estiverem unidas) ou reuni-las (se estiverem separadas por discórdia).

Santo Tomás ensina (S. Th., III, q. 26, a. 1, corpus) que para ser um mediador são necessárias duas coisas:

1°) estar no meio entre os dois extremos: Ora, Maria está no meio entre Deus e os homens, sendo verdadeira Mãe do Homem-Deus e verdadeira criatura humana;

2°) juntar ou reunir duas entidades. Ora, Maria cumpriu o ofício de unir Deus e os Anjos (que não estavam unidos) e Deus e os homens, que estavam separados por causa do pecado original. Por conseguinte, Maria devolveu Deus ao homem e o homem a Deus, mediante a graça santificante devolvida ao homem.

Maria é Medianeira entre o homem e Deus:

1°) na medida em que coopera, de forma subordinada e secundária, com Cristo na reconquista da graça perdida pelo pecado original (Maria Corredentrix);

2°) na medida em que distribui e aplica, subordinadamente a Cristo, a graça reconquistada a todos os homens que não colocam obstáculos em seu caminho (Maria dispensatrix omnium gratiarum).

A mediação divide-se em duas fases:

1°) o resgate da graça santificante por meio da Redenção;

2°) a distribuição ou dispensação da graça a todos os homens mediante a aplicação da Redenção.

Jesus é o Mediador principal neste sentido e Maria a medianeira secundária e subordinada a Cristo.

Vários tipos de mediação

Maria não é a mediadora principal, independente de Cristo, suficiente em si mesma, absolutamente necessária. A Mediação de Maria é secundária e subordinada à de Cristo, dependente dela, insuficiente em si mesma, pois extrai sua força da de Cristo, apenas hipoteticamente ou condicionalmente necessária, ou seja, é necessária porque Deus a quis(1).

A Mediação de Maria, portanto, não contradiz o dogma revelado em São Paulo (1 Tim 2, 5-6): “Porque há um só Deus, e há um só mediador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo homem, o qual se deu a si mesmo para redenção de todos…”. Só Jesus é o Mediador principal, independente, suficiente em si mesmo, absolutamente necessário (no plano estabelecido pela Santíssima Trindade), mas isso não exclui a cooperação ou Mediação, secundária, dependente, insuficiente em si mesma, hipoteticamente ou condicionalmente necessária à redenção do mundo.

2) MARIA CORREDENTORA

A) O fato ou existência da Corredenção

Maria é Corredentora, isto é, ela é Medianeira na reconquista da graça santificante.

A corredenção de Maria não é uma questão periférica à nossa Fé, mas central porque toca a essência do dogma da Redenção do gênero humano.

Depois do pecado original, Deus era livre para nos redimir ou não e escolher qualquer forma de nos redimir. Uma vez que decidiu livremente redimir-nos através da Encarnação do Verbo no seio de Nossa Senhora, associou intimamente Maria à Redenção, tornando-a Medianeira (Corredentora e Dispensadora).

A primeira vez que o termo Corredentora se encontra aplicado a Maria é no século XV, enquanto o título de Redentora já se encontra no século X (cfr. R. LAURENTIN, Le titre de Corédemptrice in “Marianum“, n. 13 , 1951, pág. 429).

O significado de Corredenção

Redenção significa resgatar ou pagar um resgate para recuperar algo que já foi possuído e depois perdido.

Por exemplo, quando bandidos sequestram uma criança e pedem aos pais 1 milhão de euros como resgate. Se o pai o pagar, resgatou ou “redimiu” seu filho em sentido lato, pagando a soma necessária. No caso da Redenção da humanidade, Cristo pagou, com todo o seu Sangue derramado na Cruz, a graça que Adão havia perdido e que recuperamos pela Redenção de Cristo.

Ora, Maria cooperou com Cristo na Redenção do gênero humano de maneira subordinada e secundária, consentindo na Encarnação do Verbo em seu seio e oferecendo Cristo na Cruz ao Pai para resgatar ou redimir a humanidade, sofrendo indescritivelmente e “comovendo” misticamente com Ele aos pés da Cruz. Portanto, Maria é Corredentora secundária e subordinada a Cristo.

Autores católicos comumente sustentam que Maria cooperou formalmente na Redenção, consentindo na Encarnação redentora.

A forma da corredenção

A forma desta cooperação é imediata, ou seja, Deus decretou que a Redenção do gênero humano se realizasse diretamente não apenas pelos méritos de Jesus (Redentor principal), mas também pelos méritos de Maria (Corredentora secundária) de modo que os méritos de ambos constituam o “preço”, estabelecido por Deus, para redimir a humanidade perdida por Adão. Maria é Corredentora e não apenas Dispensadora de graças, aplicando a Redenção a todo homem que não coloque obstáculos no seu caminho. Como podemos ver, a Corredenção de Maria é um elemento essencial e não acidental da Redenção da humanidade, de modo que sem a Corredenção mariana não haveria Redenção assim como a a Santíssima Trindade queria e decretara.

Para dar um exemplo, a Corredenção de Maria é análoga à nossa cooperação na obra de nossa salvação e santificação, que é essencial para nossa Redenção, mas não prejudica a singularidade do Redentor Jesus Cristo, Salvador principal do homem. Assim, Maria coopera com Jesus Cristo, de forma mais eminente, na nossa salvação como Corredentora subordinada e secundária. Portanto, pode-se dizer em ambos os casos que somente Jesus redime o gênero humano: Maria subordinada a Cristo “corredime” a humanidade de maneira eminente e nós cooperamos com nosso livre arbítrio para nossa salvação como causas secundárias juntamente com e sob Jesus. Tal como a nossa salvação sem a nossa cooperação seria incompleta (“Aquele que te criou sem ti, não te salvará sem ti” – Santo Agostinho), assim também a nossa salvação seria incompleta sem a Corredenção de Maria, ou seja, não seria o que Deus decretou.

Objeção: Maria sendo redimida não pode ser “Redentora”

Alguns teólogos objetaram que Maria também foi redimida por Cristo e, portanto, não pode ser ao mesmo tempo “Redentora” devido ao princípio da não-contradição.

É fácil responder que Maria foi redimida de maneira preservativa, ou seja, foi preservada de contrair o pecado original, enquanto outros homens são redimidos de maneira libertativa, ou seja, são libertos do pecado original contraído. Portanto, Maria não é redimida e “Redentora” sob a mesma relação, mas é redimida de maneira preservativa e Corredentora de maneira libertativa. Maria não cooperou na sua redenção preservativa, operada somente por Deus, mas cooperou na redenção libertativa de todos os homens afetados pelo pecado original. Por conseguinte, Maria não é redimida e Redentora de si mesma, ou seja, efeito e causa juntos, o que é impossível pelo princípio da não contradição, mas primeiro ela foi redimida por Cristo e depois foi corredentora com e sob Cristo. Assim, esvanece toda sombra de contradição em ser Maria redimida e “Redentora”.

O padre Gabriele Roschini(2) escreve que “Cristo primeiro (por prioridade lógica e não cronológica) se ofereceu ao Pai como sacrifício pela redenção preservadora de Maria e depois, junto com a ‘co-oblação’ de Maria, ofereceu-Se pela redenção libertativa de todos os outros” (Dicionário de Mariologia, Roma, Studium, 1960, p. 327). Portanto, o Sacrifício que Cristo fez de Si mesmo na Cruz tem um duplo aspecto:

1°) Ele se ofereceu pela Redenção preservativa de Maria;

2°) Ofereceu-Se, juntamente com a “co-oblação” de Maria, pela Redenção libertativa do pecado original para todo o gênero humano (note-se que se trata apenas de uma prioridade lógica, ou seja, no que diz respeito ao nosso modo de pensar e distinguir para melhor compreendermos e nos expressarmos e não uma prioridade ontológica e cronológica).

Como podemos ver, a Imaculada Conceição de Maria a separa de todos os outros homens para permitir que ela seja sua Corredentora.

A Sagrada Escritura e a Corredenção Mariana

O Gênesis (III, 14-15) narra o pecado de Eva e Adão tentados pelo demônio na forma de uma serpente. Então Deus voltou-se para a serpente infernal e disse: “Pois que fizeste isto, és maldita entre todos os animais e bestas da terra: andarás de rastos sobre o teu peito, e comerás terra todos os dias da tua vida. Porei inimizades entre ti e a mulher e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar”.

Neste texto do Antigo Testamento são expostas 4 coisas:

1°) a luta inextinguível entre Cristo/Maria contra Satanás/seguidores;

2°) a vitória de Cristo/Maria (Redenção);

3°) a luta de Cristo coroado pela vitória (Redenção) está intimamente associada a Maria, Sua verdadeira Mãe física (Corredenção);

4°) nesta associação aplica-se o contrapasso ou retaliação: como o demônio fez Eva pecar e ela tentou Adão, assim Deus e os bons Anjos associam Maria, a nova Eva (Eva = Ave), com a luta e vitória de Cristo (Redenção e Corredenção), que ocorre com o esmagamento da cabeça da serpente por Maria, que carrega Cristo dentro dela; o demônio, no entanto, consegue minar e morder o calcanhar de Maria, ou seja, os fiéis que não serão fortes o suficiente para resistir à bajulação diabólica (como não o foi a primeira Eva), enquanto Maria e Jesus farão uso da cooperação do bons fiéis que são a parte não mordida do calcanhar (a parte mais humilde do corpo de Maria) que esmagará (“Ipsa cònteret”, Gen., III, 5) a cabeça da serpente.

Esta é a interpretação autêntica dos versículos do Gênesis dada por Pio IX na Bula Dogmática Ineffabilis Deus, na qual o Papa escreve: “Os Padres viram designados [nos versículos do Gênesis] Cristo Redentor e Maria unidos a Cristo por um vínculo estreitíssimo e indissolúvel, exercendo juntamente com Cristo e por meio Dele a sempiterna inimizade contra a serpente venenosa, e conquistando sobre ela a mais completa vitória”. Assim, pode-se dizer, com certeza teológica, que assim como Cristo venceu o demônio com sua Paixão, Maria o venceu com sua Compaixão. Assim Maria unida e subordinada a Cristo venceu satanás e nos “corredimiu”.

O Evangelho segundo Lucas (I, 38) narra que o anjo Gabriel foi enviado por Deus a Maria para obter o seu livre consentimento para a Encarnação e Corredenção. Nesta cena evangélica temos, em contraste com a de Gênesis, a presença de um Anjo bom (Gabriel), uma nova Eva (Maria) e um novo Adão (Cristo).

Ainda no Evangelho encontramos a corredenção subordinada e secundária de Maria profetizada e especificamente no Evangelho segundo Lucas (II, 34-35) quando o velho Simeão, por ocasião da apresentação do Menino Jesus no Templo, prediz Maria a sua íntima associação com a Paixão e Morte de Cristo: “Eis que este (Menino) está posto para ruína e para ressurreição de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição. E uma espada trespassará a tua alma”.

Em Lucas, portanto, apresenta-se o futuro repleto de todas as dores de Jesus, ao qual se associará a Mãe, cuja alma será misticamente trespassada por uma espada de dor. Note-se que, embora São José também esteja presente, o Evangelho não fala de uma associação subordinada dele ao Sacrifício de Cristo, mas nomeia única e exclusivamente Maria, a única corredentora subordinada em sentido estrito da palavra.

No texto evangélico de São João, Maria nos é apresentada no Calvário junto com o Apóstolo João aos pés da Cruz sobre a qual Jesus está pendurado, que diz a Maria: “Mulher, eis aí o teu filho; filho [João], eis aí tua mãe” (João, XII, 31).

Maria é a nova Eva, a Mãe espiritual de todos os fiéis, em oposição à velha Eva que nos arruinou dando a Adão a maçã para comer.

Encontramos o mesmo paralelismo no último Livro Sagrado, O Apocalipse de João (cap. XII), no qual somos apresentados a mais três personagens: a mulher (Maria), seu filho (Jesus) e o Dragão vermelho (satanás) que tenta prejudicar a mulher: como em Gênesis ele queria morder o calcanhar dela, agora ele quer atacá-la, mas o Dragão é derrotado e a mulher com seu filho são salvos.

A Tradição e a Corredenção mariana

Do século II ao XII encontramos a doutrina da Corredenção implicitamente expressa pelos Santos Padres. Por exemplo São Justino (Dialog. cum Thriph., PG 6, 709-712), S. Ireneu (De carne Christi, c. 17, PL 2, 782) e João Geômetra que, no século X, foi o primeiro falar explicitamente da Maternidade espiritual de Maria e da Corredenção.

Do século XII ao XVII há uma segunda etapa, na qual há uma mudança mais clara do implícito para o explícito, ou seja, do papel de Maria como a nova Eva na Corredenção. Os autores mais famosos são: São Bernardo de Claraval(3), Arnaldo de Chartres, S. Alberto Magno, São Boaventura; no século XIV temos Taulero, S. Antonino de Florenla, Dionisio Cartusiano, Alfonso Salmeròn.

Finalmente, desde o século XVII até os dias atuais, calculam-se 124 teólogos que se manifestam a favor da corredenção imediata de Maria, entre os quais S. Lourenço de Brindisi, São João Eudes, o Olier. No século XVIII, apenas 53 escritores eclesiásticos tomaram partido em favor da corredenção. No século XIX, os teólogos pró Corredenção chegaram a 130, entre os quais o Card. Alessio Lépicier (L’Immacolata Madre di Dio, Corredentrice del genere umano, Roma, 1905). Hoje, depois do Concílio Vaticano II, a Corredenção, por motivos pseudo-ecumênicos, foi sustentada por poucos teólogos, dentre os quais os Franciscanos da Imaculada com a revista teológica Immaculata Mediatrix e D. Brunero Gherardini [nota do blog: os teólogos da FSSPX também nunca deixaram de divulgar e sustentar tal verdade em seus vários livros e publicações oficiais].

O Magistério e a Corredenção Mariana

Leão XIII, na Encíclica Jucunda semper (1894), ensina que “Quando Maria se ofereceu completamente, juntamente com seu Filho no Templo, Ela já era participante da dolorosa expiação de Cristo em benefício do gênero humano, isto é, da Redenção […]. No Calvário ela morreu com Ele no seu coração”.

Novamente Leão XIII, na Encíclica Adiutricem populi (1895), ensina que “Aquela que foi cooperadora no mistério da Redenção humana, teria sido também a cooperadora na distribuição das graças derivadas de tal Redenção”. Observe como o Papa distingue a corredenção da Dispensação das graças e ensina que Maria cooperou em ambas.

São Pio X, na Encíclica Ad diem illud (1904), verdadeira obra-prima mariológica, afirma: “Maria foi associada por Cristo na obra da nossa salvação, ela merece de congruo, como dizem os teólogos, o que Cristo nos merece de condigno”. Note como o Papa afirma duas verdades:

1°) Maria estava associada à Redenção por Cristo e não se associava a si mesma;

2°) em virtude de tal associação Maria mereceu, por mera conveniência ou designação divina (de congruo), as mesmas graças merecidas por Cristo por estrita justiça (de condigno).

Bento XV é o primeiro Papa a formular inequivocamente a doutrina sobre a Corrredenção na Carta Apostólica Inter Sodalicia (1918), ensinando que “Maria aos pés da cruz sofreu tanto e quase morreu com seu Filho para apaziguar a justiça divina, que com razão pode-se dizer que ela redimiu a humanidade junto com Cristo”.

Pio XI é o primeiro Papa a aplicar a Maria o título de Corredentora na radiomensagem de 28 de abril de 1935: “Mãe de piedade e de misericórdia…compaciente e Corredentora…”.

Pio XII em três Encíclicas trata da Corredenção mariana. A primeira é a Mystici Corporis (1943) em que ensina que Maria “ofereceu Jesus ao Pai no Gólgota, fazendo um holocausto de todos os seus direitos maternos e do seu amor materno, por todos os filhos de Adão. Dessa forma, aquela que, quanto ao corpo, era a Mãe de nossa Cabeça, podia tornar-se, quanto ao espírito, a mãe de todos os membros”. Observe como Pio XII ensinou formalmente que Maria é a mãe espiritual de todos os justos e, portanto, Mãe da Igreja, que é o Corpo Místico de Cristo.

Na segunda Encíclica, que é supremamente mariana, Ad Coeli Reginam (1954), o Papa ensina que Nossa Senhora é Rainha não só porque é Mãe de Cristo, que é Rei, mas também “pelo papel singular que desempenhou na obra da nossa salvação, a vontade de Deus… Maria estava associada a Cristo. […]. Ela é Rainha não só porque é a Mãe de Jesus, mas também porque, como nova Eva, foi associada ao novo Adão. […]. Desta união com Cristo vem aquele poder régio pelo qual ela pode dispensar os tesouros do Reino do divino Redentor”. Observe como o Papa ensina que o primeiro fundamento da realeza de Maria é a Maternidade divina e o segundo fundamento é a Corredenção.

Finalmente, na Encíclica sobre o Sagrado Coração, Haurietis aquas (1956), o Papa Pacelli ensina: “De fato, era justo que ela, que tinha sido associada na obra de regeneração dos filhos de Eva à vida da graça, fosse proclamada pelo próprio Jesus como Mãe espiritual de toda a humanidade”. Além disso, no final da Encíclica escreve: “Para que o culto do Divino Coração de Jesus dê mais frutos, os fiéis devem ter o dever de associar intimamente a devoção ao Imaculado Coração de Maria. De fato, é sumamente apropriado que, assim como Deus quis associar indissoluvelmente a Virgem Maria a Cristo no cumprimento da Redenção […], assim também o povo cristão, que recebeu a vida divina de Cristo e Maria, depois de pagar o devida homenagem ao Sagrado Coração de Jesus, vós também prestais semelhantes respeitos de piedade ao Imaculado Coração de Maria […]. Em harmonia com este sapientíssimo desígnio da Divina Providência, Nós mesmos quisemos solenemente consagrar a Santa Igreja e o mundo inteiro ao Imaculado Coração de Maria”.

A razão teológica da corredenção

Na Corredenção de Maria resplandece:

1°) a Sabedoria divina, que usou o mesmo meio (a mulher) que o demônio havia usado para a ruína da humanidade, humilhando-o enormemente ao fazê-lo ser derrotado por um mulher jovem;

2°) o Poder divino, pois Deus com um meio fraco (uma jovem mulher) realizou tão sublime obra (a Redenção);

3°) a Justiça divina, que decretou que o orgulho de Adão e Eva fosse reparado pela humilhação de Jesus e Maria;

4°) a Bondade divina, que em vez de abandonar a mulher que pecou, ​​enobreceu-a fazendo com que se tornasse Corredentora.

A) A essência ou natureza da corredenção

Vimos o fato ou a existência da Corredenção admitida pela Sagrada Escritura, pela Tradição, pelo Magistério, demos a razão teológica para isso; agora nos resta ver a natureza da Corredenção ou o que ela é.

A Corredenção é a participação subordinada de Maria na Redenção de Cristo. Ora, a Paixão de Jesus e a Compaixão de Maria operaram nossa Redenção e Corredenção, mas de que maneira, qual é a sua natureza, o que exatamente são?

Santo Tomás de Aquino (S. Th., III, q. 48) ensina que a Paixão de Cristo realizou a nossa Redenção de 3 maneiras:

1°) por mérito, merecendo para nós a graça santificante perdida com o pecado original;

2°) por satisfação, pagando a dívida a Deus pelo pecado, reparando-o e intercedendo por nós;

3°) por sacrifício, oferecendo-se ao Pai como vítima na Cruz.

Maria também cooperou subordinadamente a Cristo nestes três modos para nossa Redenção. Os teólogos dizem que o que Cristo nos mereceu de condigno ou por estrita justiça, Maria o mereceu de congruo ou por pura liberalidade de Deus.

Quanto à natureza da cooperação mariana na nossa Redenção, os teólogos sustentam, geralmente, que a oferta que Maria fez de Jesus e de si própria no Calvário não é um ato sacrificial e sacerdotal em sentido estrito: Maria não tem um sacerdócio análogo ao de Cristo e nem sequer tem a Ordem sacramental do Sacerdócio Cristão, mas a cooperação de Maria no Sacrifício de Cristo é comparável à que têm todos os batizados, que podem unir-se ao sacerdote (validamente ordenado) e oferece por meio dele o Sacrifício da Missa a Deus, mas Maria o tem em grau eminentemente superior ao de todos os batizados, porque é a Mãe de Deus. No entanto, ela não é um sacerdote em sentido estrito, apesar de ter o espírito do Sacerdócio. Note-se que o Santo Ofício proibiu representar Maria vestida de ornamentos sacerdotais e chamá-la “Virgem-Sacerdote” (ver R. LAURENTIN, Le problème du sacerdoce marial devant le Magistère, in “Marianum”, n. 10, 1948, págs. 160-178).

Quanto à natureza da cooperação de Maria na Redenção de Cristo, a opinião comum dos teólogos é imediata e consiste no fato de que seus méritos e suas satisfações (juntos e subordinados aos de Jesus) foram desejados, solicitados e aceitos pelo Pai Eterno para a reconciliação da humanidade com Ele (cf. MI NICOLAS, La doutrina da Corrédemption dans le cadre de la doutrina thomiste de la Rédemption, in “Revue thomiste”, n. 47, 1947, pp. 20-42) .

Além disso, Maria, como Mãe de Cristo, tinha o direito de proteger a vida de seu Filho de todos os agressores injustos. Em vez disso, Maria abdicou deste seu direito natural e, em obediência à vontade divina, ofereceu seu Filho como sacrifício pela redenção do gênero humano.

CONCLUSÃO

A devoção a Maria não se baseia em razões sentimentais, mas em razões estritamente dogmáticas. Ela é a verdadeira Mãe de Deus e Corredentora subordinada do gênero humano; além disso, todas as graças passam por ela, para chegar de Deus até nós (como veremos no segundo artigo). Portanto, se queremos ser redimidos e salvos, segundo o plano escolhido por Deus, devemos recorrer a Maria para chegar a Jesus e à humanidade a fim de aceder à Santíssima Trindade.. Ad Jesum per Mariam!

Termino com uma bela oração de São Francisco de Sales: “Lembrai-vos e tende presente, ó dulcíssima Virgem Maria, que sois minha Mãe e que eu sou vosso filho; que sois poderosíssima e que eu sou um pequeno ser vil e fraco. Suplico-vos, minha dulcíssima Mãe, que me guies e me defendas em todos os meus caminhos e em todas as minhas ações. Não me digais, ó Virgem graciosa, que não o podeis, pois vosso Filho amado Vos deu todo o poder… Não me digais que não deveis, pois sois a Mãe comum de todos os pobres humanos e especialmente minha. Se não pudésseis, vos desculparia dizendo: É verdade que sois minha Mãe e que me ama como a um filho, mas em vossa pobreza faltam-Lhe bens e poderes”. Se não fosseis minha mãe, me resignaria dizendo: “Ela é rica para me ajudar, mas, infelizmente, não sendo minha mãe, ela não me ama”.

Entretanto, ó dulcíssima Virgem, sendo Vós minha Mãe e sendo poderosa, como poderei vos desculpar se não me consolastes e me prestastes vossa ajuda e assistência?”.

Vedes, minha Mãe, que deveis atender a todos os meus pedidos”.

* * *

No próximo artigo veremos a questão da aplicação dos méritos a cada homem por Maria ou a questão de Maria Dispensadora Universal de todas as graças.

Alphonsus

(continua)

Notas:

  1. Cf. G. ROSCHINI, Mariologia, Roma, Belardetti, II ed., 1947-1948, 4 volumes; Ibid., Compendium Mariologiae, Roma, Scientia Catholica, 1946; Ibid., La Madonna secondo la fede e la teologia, II ed., Roma, Ferrari, 1953-1954, 4 volumes; Ibid., Vita di Maria, Proceno di Viterbo, Effedieffe, III ed., 2017; A. LÉPICIER, Tractatus de Beatissima Virgine Maria Matre Dei, Roma, V ed., 1926; B. MERKELBACH, Mariologia, Parigi, 1939; R. GARRIGOU-LAGRANGE, La Mère du Sauver et notre vie interiéure, Parigi, Beauchesne, 1934 E. CAMPANA, Maria nel dogma cattolico, VI ed., Torino, Marietti, 1954; P. STRAETER, Mariologia, Torino, Marietti, 1952-1953, 3 volumes; D. BERTETTO, Maria nel dogma Cattolico, Torino, S.E.I., II ed., 1956; Ibid., Maria Madre universale. Mariologia, Firenze, L.E.F., 1958; P. C. LANDUCCI, Maria SS. nel Vangelo, II ed., Cinisello Balsamo, San Paolo, 2000; F. SPADAFORA, Maria Santissima nella Sacra Scrittura, Roma, Ed. Pontificia Università Lateranense, 1963.
  2. Neste texto me baseio sobretudo nos textos do P. Roschini, que considero o maior mariólogo do século XX.
  3. São Bernardo é o herói da Mediação mariana, da Corredenção e, sobretudo, da Dispensação universal de todas as graças (conforme veremos na segunda parte do artigo). No que diz respeito à Corredenção, São Bernardo, em primeiro lugar, tratou explicitamente da “satisfação” dada por Maria pela culpa de Eva escrevendo: “Maria satisfaz por nossa mãe Eva, porque se o homem caiu por meio de uma mulher, eis que não será reerguido senão por meio de uma Mulher reparadora dos primeiros pais” (Hom. II super “Missus est”, PL 183, 62).