O LIBERALISMO DE TODO MATIZ E CARÁTER FOI JÁ FORMALMENTE CONDENADO PELA IGREJA?

Pe. Félix Sardá y Salvany

Sim, o liberalismo, em todos os seus graus e em todas as suas formas, foi formalmente condenado; de modo que, além das razões de malícia intrínseca que o fazem mau e criminoso, todo fiel católico tem acesso à suprema e definitiva declaração da Igreja a respeito do liberalismo: ela o julgou e anatematizou. Não se podia permitir que um erro de tal transcendência deixasse de ser incluído no catálogo das doutrinas oficialmente reprovadas, e aliás foi ele incluído em várias ocasiões.

Já quando apareceu na França, durante sua primeira Revolução, a famosa Declaração dos Direitos do Homem, que continha em germe todos os desatinos do moderno liberalismo, foi condenada por Pio VI.

Mais tarde, essa doutrina funesta foi desenvolvida e aceita por quase todos os governos da Europa, até pelos príncipes soberanos, o que é uma das mais terríveis cegueiras que ofereceu a história das monarquias. Tomou em Espanha o nome pelo qual hoje é conhecida em toda parte: liberalismo.

Ocorreram as terríveis contendas entre monarquistas e constitucionalistas, os quais se designaram mutuamente com os nomes de servis e liberais. Da Espanha essa denominação estendeu-se a toda a Europa. Pois bem, na maior força da luta, por ocasião dos primeiros erros de Lamennais, Gregório XVI publicou sua Encíclica Mirari vos[1], condenação explícita do liberalismo, tal como era então entendido, ensinado e praticado pelos governos constitucionais.

Mais tarde, quando a corrente invasora dessas idéais funestas cresceu, tomando até sob o influxo de alguns talentos extraviados a máscara de catolicismo, suscitou Deus à sua Igreja o Pontífice Pio IX, que, com toda a razão, passará à história com o título de açoite do liberalismo.

O erro liberal, em todas suas faces e seus matizes, foi desmascarado por este papa. Para que mais autoridade tivessem suas palavras neste assunto, dispôs a Providência que a repetida condenação do liberalismo saísse dos lábios de um Pontífice que os liberais, desde o princípio, procuraram apresentar como seu partidário. Depois dele, já não restou mais subterfúgio algum ao qual pudesse recorrer este erro. Os numerosos Breves e Alocuções de Pio IX mostraram ao povo cristão o liberalismo tal qual ele é, e o Syllabus colocou o último selo na condenação.

Vejamos o conteúdo principal de alguns destes documentos pontifícios. Citaremos apenas alguns, entre muitos que poderíamos citar.

Em 18 de junho de 1871, Pio IX, respondendo a uma comissão de católicos franceses, falou-lhes assim:

“O ateísmo nas leis, a indiferença em matéria de religião e as máximas perniciosas chamadas católico-liberais, são, sim, verdadeiramente a causa da ruína dos Estados; foram elas a perdição da França. Crede-me, o mal que vos anuncio é mais terrível que a Revolução, e ainda mais que a Comuna. Sempre condenei o catolicismo-liberal, e voltarei quarenta vezes a condená-lo, se preciso for”.

No Breve de 6 de março de 1873, dirigido ao presidente e aos membros do Círculo de Santo Ambrósio de Milão, o Soberano Pontífice se expressa assim:

“Não falta quem tente fazer uma aliança entre a luz e as trevas, e uma associação entre a justiça e a iniqüidade, em favor das doutrinas chamadas católicas-liberais, que, baseadas em perniciosos princípios, mostram-se favoráveis às invasões do poder secular nos negócios espirituais; inclinam seus partidários a estimar, ou ao menos, a tolerar leis iníquas, como se não estivesse escrito que ninguém pode servir a dois senhores. Os que procedem assim são, sob todos os ângulos, mais perigosos e funestos que os inimigos declarados, não só por que, sem que sejam advertidos, talvez mesmo sem que percebam, secundam os projetos dos maus, mas também porque, mantendo-se dentro de certos limites, eles se mostram com aparências de probidade e sã doutrina, para iludir os imprudentes amigos da conciliação, e seduzir as pessoas honradas que teriam certamente combatido o erro manifesto”.

No Breve de 8 de maio do mesmo ano, à Confederação dos Círculos Católicos da Bélgica, afirmou:

“O que sobretudo louvamos em vossa religiosíssima empresa é a absoluta aversão que, segundo me consta, professais aos princípios católico-liberais, e vossa intrépida vontade de desarraigá-los de seus adeptos. Em verdade, ao esforçar-vos em combater esse erro insidioso, muito mais perigoso do que uma inimizade declarada, quanto mais se encobre sob o especioso véu de zelo e caridade, e, em procurar com afinco apartar dele as pessoas simples, extirpareis uma funesta raiz de discórdias, e contribuireis eficazmente para unir e fortalecer os ânimos. Seguramente, vós, que acatais com tão plena submissão todos os documentos desta Sé Apostólica, e que conheceis as reiteradas reprovações dos princípios liberais, não necessitais destas advertências”.

No Breve ao La Croix, jornal de Bruxelas, em 21 de maio de 1874, o papa diz o seguinte:

“Não podemos deixar de elogiar o propósito expresso em vossa carta, e ao qual soubemos que satisfaz plenamente o vosso jornal, de publicar, divulgar, comentar e inculcar nos ânimos tudo quanto esta Santa Sé tem ensinado contra as perversas, ou ao menos falsas doutrinas professadas em tantas partes, e particularmente contra o liberalismo católico, empenhado em conciliar a luz com as trevas e a verdade com o erro. ”

Em 9 de junho de 1873, Pio IX escreveu ao presidente do Conselho da Associação Católica de Orleães, e, sem nomeá-lo, retratou o liberalismo pietista e moderado nos seguintes termos:

“Ainda que vossa luta tenha de ser travada rigorosamente contra a impiedade, talvez por este lado não vos ameace um perigo tão grande como o do grupo de amigos imbuídos daquela doutrina ambígua que, ainda que rejeite as últimas conseqüências dos erros, retêm obstinadamente seus germes, e não querendo abraçar-se com a verdade íntegra, nem se atrevendo a rejeitá-la por inteiro, afana-se em interpretar as tradições e ensinamentos da Igreja, para ajustá-las ao molde de suas opiniões privadas”.

Mas, para não nos tornarmos intermináveis e cansativos, nos contentaremos em ajuntar algumas passagens de outro Breve, o mais expressivo de todos, e que portanto não podemos em consciência omitir. É aquele dirigido ao bispo de Quimper, em 28 de julho de 1873. Nele o Papa diz o seguinte, referindo-se à Assembleia Geral das Associações Católicas, que acabava de ser celebrada naquela diocese:

“Seguramente, essas associações não se apartarão da obediência devida à Igreja, nem por escritos, nem pelos atos com que, mediante injúrias e invectivas a perseguem; mas, essas opiniões chamadas liberais podem pô-las na escorregadia senda do erro, já que são aceitas por muitos católicos, homens de bem e piedosos. Esses católicos, em razão da própria influência que possuem por sua religião e piedade, podem muito facilmente captar os espíritos e induzi-los a professar máximas muito perniciosas. Inculcai, portanto, venerável Irmão, aos membros desta assembléia católica, que quando nós repreendemos tantas vezes os sequazes dessas opiniões liberais, não temos em vista os inimigos declarados da Igreja, os quais seria ocioso denunciar; mas a esses que aludimos há pouco, que retêm oculto o vírus dos princípios liberais que beberam com o leite. Esse vírus, eles inoculam facilmente nos espíritos, como se não estivesse impregnado de palpável malignidade, e como se fosse tão inofensivo para a religião como eles pensam. Propagam assim a semente dessas turbulências que há tanto tempo revolvem o mundo. Que eles evitem portanto essas ciladas; que se esforcem em apontar seus tiros contra esse pérfido inimigo, e certamente merecerão a homenagem da religião e da pátria”.

Assim, nossos amigos e adversários o verão: o papa diz tudo que pode se dizer sobre o tema nesses Breves, particularmente no último que devemos estudar de um modo especial.

Tradução e Fonte: Permanência

[Fonte: El liberalismo es pecado, 1887]


[1] 15 de abril de 1832.