Doravante, o sofrimento e a morte não são mais um castigo divino, mas a melhor forma de nos conformarmos com Cristo.
Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est
Banalizamos os carros funerários e transformamos os cemitérios em jardins paisagísticos, mas expomos a violência e exibimos as mortes por epidemias ou massacres selvagens. O mundo se esforça para fazer com que Deus desapareça, e assim vagueia sem fé ou razão. E a morte ronda por toda parte à procura de quem devorar, sem que ninguém a consiga evitar. No entanto, não é por falta de tentativas. Todos tentaram em vão, tanto os filósofos como os poetas, um dos quais disse tão bem:
“Ó Morte, velho capitão, é tempo! Levantemos a âncora. Esse país nos entedia, ô Morte! Partamos!
Se o céu e o mar são negros como tinta,
Nossos corações que conheces estão repletos de raios!
Verta-nos teu veneno para que ele nos reconforte!
Queremos, tal é o fogo que queima nosso cérebro,
Mergulhar ao fundo do abismo, Inferno ou Céu, que importa?
Ao fundo do Desconhecido para encontrar o novo!”
A morte é assustadora. São Paulo, assim como nós, não escapou desse medo. Mas ele revela, melhor do que ninguém, este mistério da morte: “Infeliz de mim! Quem me livrará deste corpo (em que habita o pecado, que é causa de morte espiritual)? (Somente) a graça de Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor. Assim, pois, eu mesmo sirvo à lei de Deus com o espírito; e sirvo à lei do pecado com a carne.” (Rm 7, 24-25).
“A morte é assustadora, mas veio por causa do pecado do homem.”
Desde a sua deslumbrante conversão no caminho de Damasco até ao seu martírio, São Paulo proclamou repetidas vezes, e em todos os tons, que não foi o Deus de amor que causou a morte, mas o homem. “Cristo será glorificado no meu corpo, quer pela vida, quer pela morte. Porque para mim o viver é (todo para servir a) Cristo, e morrer é um lucro (porque ficarei mais intimamente unido com ele).” (Fl 1, 20-21). Essa é a única resposta ao mistério da morte. O Apóstolo, divinamente inspirado, mostrou que o primeiro Adão é o tipo do segundo. Toda a humanidade concentrou-se uma primeira vez no primeiro homem. Foi concentrada uma segunda vez, e definitivamente, em Jesus Cristo, em quem se beneficiou da Redenção. Adão nos deu a vida natural, pecado e morte. “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado (original) neste mundo, e pelo pecado a morte, e assim passou a morte a todos os homens” (Rm 5, 12). Jesus, por meio de sua morte, nos deu vida.
Santo Tomás explica que “não apenas a vida espiritual de Cristo, nossa cabeça, opera em nós, mas a morte também opera em nós, no sentido de que, pela esperança da ressurreição e pelo amor de Jesus, os vestígios da morte aparecem em nós, expostos aos sofrimentos da morte”.
“Pela sua morte, Cristo abriu o caminho para a ressurreição.”
Doravante, o sofrimento e a morte não são mais um castigo divino, mas a melhor forma de nos conformarmos com Cristo. Ele é a cabeça do corpo místico do qual somos membros. Cabe-nos, então, imitá-lo em tudo: no sofrimento e na morte. São Paulo exclama: “por ele [Cristo], renunciei todas as coisas, e as considero como esterco para ganhar a Cristo, e ser encontrado nele, não tendo (fá) a minha justiça que vem da (observância da) lei, mas aquela que nasce da fé em Jesus Cristo; a justiça que vem de Deus pela fé, a fim de o conhecer a ele, e a virtude da sua ressurreição, e a participação dos seus sofrimentos, assemelhando-me à sua morte, para ver se dalgum modo posso chegar à ressurreição dos mortos” (Fl. 3, 8-11)
Sem Deus, o homem nada mais é do que uma criatura errante e desiludida. Ele dissipa sua angústia na tripla concupiscência: luxúria, riqueza ou orgulho. Finalmente desiludido, ele se resigna a recusar a sua condição e quer evitar a provação, a única que sempre, em vão, evitou: a morte. Então, prefere entregá-la a si mesmo. Mas então, demasiado tarde, ouvirá esta terrível frase: “Vós que entrais aqui, abandonai toda esperança”.
O cântico de vitória do Apóstolo é bem diferente: “E a vida (sobrenatural) com que eu vivo agora na carne, vivo-a da fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim.” (Gl 2,20). A exaltação de São Paulo provem da sua fé no poder de Cristo que nos redimiu com a sua morte, para nos dar a vida, a vida perfeita, a vida divina; “Entro na Vida”, disse Santa Teresa às portas da morte.
Ele entendeu, esse condenado a morte, antes de ser amarrado ao poste: “Diz-se que nem a morte nem o sol olham um para o outro. No entanto, eu tentei. Não sou estóico e é difícil afastar-se daquilo que se ama…releio a história da Paixão todas as noites, em cada um dos quatro Evangelhos. Rezei muito e foi a oração, eu sei, que me deu um sono tranquilo.”
Pe. Benoît de Jorna, FSSPX, Superior do Distrito da França