PROFECIAS DE GUERRA

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Andrea Oddone, S.J., La Civiltà Cattolica

Tradução de Gederson Falcometa 

O homem é imperiosamente atraído pelo desejo de conhecer o futuro e de levantar algumas pontas do véu que lhe esconde o mistério. As artes mágicas, o estudo das ciências ocultas, as diversas formas de adivinhação nada mais são do que manifestações desse desejo e, ao mesmo tempo, tentativas de satisfazê-lo. Em todas as épocas da história humana surgem profetas e adivinhos, aos quais o povo se abandona com vivo ardor e muitas vezes com entusiasmo fanático; aparições, predições e revelações são fenômenos mais ou menos comuns a todas as civilizações. 

Mas em tempos de convulsão social e de calamidades públicas, a avidez pelo maravilhoso e a curiosidade de explorar o futuro tornam-se mais aguçadas, as predições multiplicam-se e encontram maior ressonância nas almas. Fertilíssimo nesta matéria é sobretudo o tempo de guerra. Em 1870, foram colocadas em circulação “profecias” de todos os tipos, tão numerosas que perfaziam dois volumes de mais de seiscentas(1). O mesmo fenômeno repetiu-se durante a guerra que eclodiu em 1914 (2). Ainda hoje, enquanto enfurece a presente tragédia bélica, se faz audível a voz dos profetas de ocasião, que, poder-se-ia dizer, competem em anunciar misteriosamente a sorte futura da humanidade e em predizer os vários acontecimentos, dos quais nós mesmos seremos espectadores. 

Do ponto de vista psicológico este florescimento extraordinário de predições é facilmente explicável. O tempo de guerra produz na alma o tormento e a angústia do que será o amanhã. Nos acontecimentos alternados das hostilidades, confrontados com a dura realidade do sofrimento e da privação, sentimos a necessidade de descansar nas perspectivas de um futuro mais favorável. Um tal estado de espírito é mais favorável do que nunca para acolher tudo o que possa alimentar a nossa curiosidade, incutir alguns raios de esperança e preencher de alguma forma as nossas inquietudes e angústias.

Mas o que pensar dessas predições ou “profecias de guerra” pelo lado teológico? Notamos que se apresentam sempre sob um aspecto religioso e muitas vezes são difundidos sob os auspícios de personagens muito estimados pela sua eminente santidade. 

A teologia deve proteger os fiéis contra dois perigos que podem surgir em torno dos anúncios de eventos futuros: o perigo de compreender mal a ação de Deus, quando Ele deseja manifestar-se a nós de maneira sobrenatural e revelar-nos o futuro, e o perigo de tomar os fatos como manifestações divinas, que não têm outro princípio senão o espírito da mentira ou sonhos de imaginações doentias. O caminho da verdade se encontra a igual distância destes dois excessos: não se inclina nem para o Iluminismo, que admite com cego entusiasmo todas as narrativas maravilhosas, nem para o racionalismo, que rejeita com um desdém ainda mais cego todos os factos sobrenaturais. 

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Não há dúvida de que as profecias de origem divina podem e são verdadeiramente dadas a respeito das vicissitudes e do resultado de uma guerra. Negá-lo seria contrário ao ensinamento tradicional da Igreja e à sua história. Deus é senhor em manifestar o que quer, para quem quer e da maneira que quer. Santo Tomás reconhece expressamente a possibilidade e a realidade de certas profecias de guerra. «Em todos os tempos, escreve ele, houve homens que tiveram o espírito de profecia não para comunicar novos ensinamentos de fé, mas para dirigir as ações humanas. Assim, Santo Agostinho (De Civitate Dei, 1. 5, cap. 26), relata que o imperador Teodósio enviou mensageiros a João, que vivia no deserto do Egito e que ele sabia por reputação ter um espírito profético, e dele recebeu o anúncio mais certo de sua vitória” (3). Santa Joana d’Arc previu, em nome de Deus, a libertação da cidade de Orléans e a consagração de Carlos VII em Reims. O que se tornou realidade. 

Mas como podemos reconhecer uma profecia de origem divina e distingui-la de previsões vulgares, fruto de imaginação exaltada ou de prepotência ou ainda resultado de alguma intervenção diabólica? A Igreja procede neste sentido com grande cautela e prudência, e recomenda uma atitude semelhante aos seus fiéis e aos seus sacerdotes. Proíbe expressamente a divulgação através da imprensa de qualquer espécie de predições, revelações, visões, milagres, novas devoções, e reserva-se o direito de apreciar o seu caráter e adequação, antes que os fiéis lhe tomem conhecimento (4). 

Estas precauções são ainda mais necessárias em tempos de guerra, quando as imaginações são mais facilmente perturbadas e quando a exaltação dos espíritos se acentua na visão horrenda de massacres, violências e mortes. Antes da implementação ou cumprimento dos acontecimentos, não é possível dar um critério absolutamente certo quanto à verdade ou falsidade das profecias. É, no entanto, possível indicar algum “sinal externo” normativo para distinguir a verdadeira profecia da predição puramente humana ou fruto de engano. E isto se consegue tendo em mente o que dizem os autores da teologia mística sobre as “revelações privadas”. Estas revelações são geralmente acompanhadas de visões, êxtases e outros fenômenos extraordinários: será portanto legítimo aplicar aos diferentes estados de uma alma, que profetiza e anuncia o futuro, o que chamamos de “revelações privadas” (5). 

Deus, que quis encerrar a revelação pública com a morte dos Apóstolos, reservou-se o direito de fazer revelações privadas às almas que Ele escolher e para os fins que pretende. Por revelações privadas e particulares entendemos, portanto, aquelas comunicações diretas, imediatas e pessoais que Deus faz a certas almas privilegiadas, tanto para lhes dar um conhecimento mais claro dos mistérios propostos à fé comum dos cristãos, como para lhes dar um vislumbre dos segredos do futuro, e também mostrar-lhes, no presente, coisas que são impossíveis de conhecer naturalmente, como os livres desígnios da Providência, os segredos dos corações, ou inspirar-lhes certos atos, que sendo diretamente úteis aos indivíduos ou a um grupo isolado de pessoas se  tornam, ao menos indiretamente, vantajoso para a Religião. 

As revelações privadas são puramente excepcionais e, qualquer que seja a sua importância, nunca fazem parte do depósito da doutrina católica e não podem em caso algum tornar-se regra de fé (6). “A nossa fé, diz São Tomás, baseia-se na revelação feita aos Profetas e Apóstolos, que escreveram os livros canônicos, e não naquela feita a outros doutores” (7). 

A existência de revelações privadas não pode ser razoavelmente contestada. Os Santos Padres, as histórias eclesiásticas, os Atos dos mártires e as Vidas dos grandes Fundadores de Ordens religiosas oferecem-nos os testemunhos mais irrefutáveis a este respeito. Os doutores e teólogos católicos são unânimes neste ponto. A própria Igreja admite não só a possibilidade, mas também, em alguns casos, a realidade, porque autorizou e aprovou várias delas, tirando das mesmas a ocasião de estabelecer celebrações litúrgicas e devoções. No entanto, não acredita que sejam frequentes e examina-as sempre com a maior circunspecção, atenta ao conselho do apóstolo São João: «Não acrediteis em todos os espíritos, mas provai se os espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas surgiram no mundo” (8). E quando as aceita, considera-as sempre subordinadas à revelação pública e justificáveis pela teologia, que é sempre chamada a examiná-las à luz da fé católica. Das revelações privadas a Igreja não espera, nem pode esperar, um aumento substancial de novos dogmas e de novas verdades. Portanto, recusa-se, com razão, a ver numa revelação privada o fundamento teológico de uma doutrina, de um culto, de uma decisão, e quando define uma verdade dogmática ou aprova uma nova devoção, está determinada a fazer este ato não pela autoridade da revelação privada – embora a revelação privada possa ser e muitas vezes é a ocasião providencial do seu proceder -, mas pela harmonia observada entre esta verdade e a devoção com o depósito da fé recebido de Cristo (9). 

A Igreja, além do mais, ao aprovar as revelações feitas aos Santos, não lhes confere qualquer autoridade dogmática, nem lhes confere um carácter de infalibilidade, mas simplesmente declara que não contêm nada de contrário às Escrituras e ao ensinamento católico e que podem ser propostas como prováveis a crença piedosa dos fiéis. Este é o ensinamento de Bento XIV: “Convém saber, diz ele, que a aprovação destas revelações não é outro que a permissão de publica-las, depois de maduro exame, para a edificação e a utilidade dos fiéis” (10). E em outro lugar ele acrescenta que esta aprovação nunca exige de nós o assentimento de fé católica, mas apenas garante que as revelações aprovadas sejam consideradas prováveis e piedosamente credíveis (11). 

Aqueles que se recusam a aceitar revelações privadas não devem, portanto, ser considerados hereges, embora possam, em certos casos, ser imprudentes e temerários. Isto ocorre quando se procede levianamente, sem motivos razoáveis, ridicularizando as crenças piedosas autorizadas pela Igreja. Que se houvesse motivos razoáveis para duvidar da autenticidade e veracidade das revelações, se documentos mais certos projetassem uma nova luz sobre fatos históricos inicialmente não correctamente compreendidos, uma oposição nobre e serena não seria de todo proibida. “É possível, escreve Bento XIV, a devida moderação com bons motivos e sem desprezo” (12). E é neste sentido que Suarez, falando de uma revelação feita “a uma certa mulher”, que afirmava que Jesus Cristo havia recebido mais de cinco mil golpes durante a flagelação, a contesta com argumentos válidos e acrescenta: “As revelações das mulheres não nos obrigam a crer-lhes verdadeiras: revelationes foeminarum non cogunt nos, ut eas veras esse credamus” (13). Lembremo-nos de que a Igreja, ao dar aprovação a certas revelações privadas, não garante cada ponto em particular, nem pretende declarar que todas as partes individuais são absolutamente verdadeiras, mas que se nelas for encontrado algum erro, tal erro não é prejudicial. Mesmo numa revelação aprovada pela Igreja pode de fato surgir algum erro, porque até os santos podem atribuir ao Espírito de Deus o que vem da sua própria formação ou interpretar mal o significado de uma revelação verdadeiramente divina (14). 

Esta liberdade de apreciação, que a Igreja deixa aos seus filhos, é a resposta mais eloquente às acusações de credulidade cega, que muitas vezes são lançadas contra os católicos, por ignorância ou má-fé. Apliquemos agora os princípios expostos nas revelações e profecias que se espalham em tempos de guerra.

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Notemos antes que não poucas “profecias”, que nos são dadas pelos tempos de guerra, são postas em circulação depois dos acontecimentos, afirmando naturalmente que são anteriores aos acontecimentos de que tratam. A crítica tem o direito de intervir para verificar a autenticidade destas predições, para saber se as revelações atribuídas a uma pessoa que morreu em odor de santidade, repousam sobre um sério fundamento histórico, para procurar qual poderia ser, mesmo nessa pessoa de eminente perfeição, a parte da ilusão, ou ao menos qual o significado exato convinha atribuir às suas palavras. O truque é muitas vezes combinado de forma inteligente sob forma e linguagem apocalípticas. É necessário desmascará-lo para não desacreditar as verdadeiras profecias, e a Igreja interveio mais de uma vez com autoridade para impedir a difusão de semelhantes ficções. 

Outras vezes se trata de prognósticos e previsões puramente humanas, que permanecem no domínio das simples conjecturas. Na verdade, o homem, deixado apenas à luz da razão, pode, até certo ponto, conhecer o futuro. “O homem, diz Santo Tomás, pode conhecer antecipadamente com o conhecimento natural as coisas futuras em suas causas” (15). E atribui esta previsão natural dos efeitos ao conhecimento das suas causas, à vivência de fatos semelhantes no passado, aliada a uma certa boa disposição. Depois de ter mencionado a opinião de alguns filósofos que, seguindo a teoria de Platão, concedem à alma humana uma espécie de intuição do futuro, o santo Doutor acrescenta: “Como parece mais verdadeiro que a alma tira o seu conhecimento das coisas sensíveis, como pensa Aristóteles , será melhor responder que os homens não têm conhecimento prévio desses futuros, mas podem adquiri-lo através da experiência e são ajudados nisso por uma disposição natural, conforme possuam força de imaginação e uma clareza de inteligência mais perfeita” (16). Assim, à luz da história, uma inteligência elevada pode, até certo grau, prever o futuro de uma nação e anunciá-lo. Sob Luís XV não era difícil prognosticar a grande revolução francesa. 

Todavia estas conjecturas humanas diferem radicalmente das profecias divinas, como expressamente observa o próprio santo Doutor (17). Em primeiro lugar, enquanto o conhecimento das coisas futuras, que provém da revelação divina, tem por objeto todos os acontecimentos de qualquer espécie, as previsões humanas, por outro lado, abrangem naturalmente apenas os efeitos aos quais pode estender-se a experiência do homem. Um campo muito estreito na realidade, mas no entanto suficiente, para que a eclosão de uma guerra e também, em certa medida, o desenrolar das hostilidades, possam ser previstos nas suas causas remotas e em suas razões imediatas: rivalidades entre nações, conflitos de ordem comercial e industrial, grupos de alianças ofensivas e defensivas, preparação militar, quantidade e qualidade dos efetivos, etc. Em segundo lugar, a profecia de origem divina está sempre em conformidade com a verdade imutável e participa da sua infalibilidade; isso não ocorre com a predição humana que, em certos casos, é considerada falsa. Portanto, antes de apoiar as predições humanas, é preciso lembrar que o seu valor é muito relativo. A experiência do passado nem sempre é uma garantia segura do futuro. Nos fatos morais e sobretudo nos fatos livres, a vontade do homem pode intervir e introduzir elementos inesperados, e a Providência divina pode subitamente implementar planos desconhecidos para nós, que fazem falhar os melhotes cálculos estabelecidos pela inteligência humana. 

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As alucinações e as ilusões também influenciam em grande parte a “produção profética” dos tempos de guerra, devido ao maior êxtase e ao nervosismo de que as almas são arrebatadas. A imaginação funciona bem nos visionários, especialmente se forem pessoas fisicamente fracas, habitualmente com os nervos excessivamente excitados, dotados de grande sensibilidade, com humor negro e julgamento inseguro (18). Os autores místicos concordam então em afirmar que as mulheres estão muito mais sujeitas a ilusões e erros neste assunto, e que devido à sua ligeireza, ao seu temperamento e à sua acentuada inclinação para o maravilhoso, correm um perigo especial de serem enganadas pelo diabo, que facilmente se transforma em um anjo de luz.

A este respeito, transcrevemos uma advertência de Santa Teresa de Jesus, que é uma mestra autorizada no tema das revelações e comunicações divinas. “Quero, escreve a Santa, mencionar um perigo em que vi cair algumas pessoas de oração, especialmente mulheres, porque a tal perigo a fraqueza do nosso sexo nos torna mais expostas. Há pessoas que, por efeito de austeridades, orações e vigílias, ou mesmo apenas por fraqueza da sua constituição, não podem receber consolação espiritual sem que a sua natureza seja imediatamente abatida e enfraquecida. Nesse estado, se acontecer de entrarem no que se chama de sono espiritual, e que é um pouco mais do que acabei de dizer, imaginam que uma coisa não difere da outra e se abandonam a uma espécie de embriaguez. E aumentando ainda uma tal embriaguez, porque a natureza cada vez mais se enfraquece, eles a tomam como um êxtase e lhe dão esse nome. Mas chamo isso de atordoamento, porque nada mais é do que perda de tempo e ruína da saúde” (19). E ela então fala de pessoas “com cabeças e imaginações tão fracas que acreditam ver tudo o que pensam” (20). São Filipe Neri disse: “Os confessores não devem acreditar ligeiramente nas revelações que os seus penitentes pretendem ter, especialmente naquelas que lhes são contadas por mulheres. Estas visões extraordinárias podem ser sugeridas às mulheres pela maldade do diabo. Muitas vezes não passam de verdadeiros jogos da sua imaginação” (21). 

Com a teologia católica devemos também admitir a possibilidade de predições diabólicas. O demônio, que em sua queda não perdeu a perspicácia e sutileza da inteligência, conhece perfeitamente a concatenação de causas e efeitos, pode escrutinar as forças ocultas da natureza mais profundamente que o homem, e estudar com mais segurança os fenômenos da psicologia humana e vislumbrar com maior antecedência os resultados futuros de fatores morais e sociais. Os Padres da Igreja e a maioria dos teólogos explicam certos “oráculos” com a intervenção do diabo, cuja existência seria difícil de contestar historicamente (22). Acrescente-se que as “profecias diabólicas” contêm uma parte de verdade, o que as torna mais facilmente aceitáveis (23). Além disso, é certo que a desorientação das inteligências e a perturbação dos corações em tempos de públicas e de grandes calamidades favorecem a ação do diabo e o ajudam muito em sua nefasta obra. Podemos, portanto, acreditar com boas razões que várias “profecias de guerra” têm uma origem sobrenatural muito suspeita e são postas em circulação para enganar os homens sob o pretexto da verdade. 

Para discernir as profecias verdadeiras das falsas nos serão de ajuda a moral e a psicologia. Em geral lembramos com Santo Afonso de Ligório que as revelações falsas são muito mais numerosas que as verdadeiras (24) e que as ilusões mais deploráveis também ocorrem nas almas que professam praticar a virtude mais elevada. Por isso é aconselhável manter habitualmente uma desconfiança razoável. Em particular, tomaremos como guia algumas regras sugeridas por teólogos e mestres da vida espiritual (25). 

Em primeiro lugar, é necessário considerar como absolutamente falsas todas as revelações privadas, que são contrárias à Sagrada Escritura, às tradições divinas e apostólicas e às definições infalíveis da Igreja. Esta regra não tem exceção e não requer comentários. Aqui são relevantes as palavras de São Paulo: “Se alguém vos pregar outro Evangelho que não o de Jesus Cristo, seja anátema” (26). Uma revelação que se desviasse um pouco da fé, escreve Santa Teresa, “me faria compreender que vem do diabo tão claramente, que se o mundo inteiro me garantisse que vem de Deus, eu não acreditaria”. (27) . 

A verdadeira profecia, que emana de Deus, tem por finalidade o conhecimento da verdade divina. A contemplação, porém, desta verdade não apenas nos instrui na fé, mas também nos orienta para as nossas ações (28) . Iluminação do intelecto por meio da verdade sobrenatural, orientação dos nossos atos para o bem por meio da graça: este é o duplo objetivo intelectual e moral que se vê na verdadeira profecia. Aqui uma segunda regra. Nenhuma dúvida será possível sobre a falsidade das revelações, quando elas sugerem ou ordenam a violação de leis naturais e divinas, quando contém algo indecente e quando enfim geram presunção, orgulho, perturbação e relaxamento em uma alma. Similarmente não se deve fazer alguma conta daquelas revelações particulares, que tivessem tido por órgãos pessoas impacientes, tagarelas, mentirosos e obstinadas em seus juízos. Estas são notas dos traços característicos dos quais se reconhece a sua impostura (29). 

Consideramos em terceiro lugar como duvidosas e suspeitas as revelações que contêm afirmações novas e estranhas e que têm como objeto coisas curiosas e inúteis. Por afirmações “novas e estranhas” entendemos aquelas que apresentam, reveladas por Deus, opiniões rejeitadas pelo maior número de doutores ou discutidas livremente nas escolas ou das quais quase nenhum vestígio se encontra nos escritos dos Santos Padres. Ainda mais suspeitas são as revelações que têm por objetivo satisfazer uma vã curiosidade, que tratam de coisas puramente humanas e externas, sem qualquer referência à glória de Deus e à salvação das almas (30). 

Um bom número de profecias de guerra esconde, ao contrário, preocupações políticas e dinásticas habilmente disfarçadas sob o aspecto religioso, nas quais os homens encontram um meio fácil de propagar as suas ideias. Outras predições denotam simplesmente, entre os seus autores, o cuidado em responder às necessidades do momento ou em aguçar a curiosidade humana. Marcam datas precisas, determinam os locais onde acontecerão as batalhas, enumeram os castigos com que Deus quer atingir esta ou aquela nação, esta ou aquela categoria de pessoas. Todos esses detalhes se afastam muito do propósito da verdadeira profecia e devem, portanto, alertar-nos e suscitar desconfiança em nós. As verdadeiras profecias trazem o selo de sua origem quando se referem a coisas externas apenas na medida do necessário para o fim que visam, o fim da verdade e da bondade sobrenaturais. 

Uma quarta observação, não menos importante que a anterior, deve ser feita a respeito das próprias profecias verdadeiras, mesmo as mais certas e indiscutíveis em termos de sua substância e de sua complexidade. Nelas pode infiltrar-se uma parte mais ou menos considerável de ilusão ou de invenção pessoal. Deus, concedendo as almas privilegiadas favores extraordinários de êxtases, visões e revelações, não lhes comunica por isso o dom da infalibilidade nem uma assistência especial. Pode, então, acontecer que essas almas, sem o seu conhecimento, misturem com a operação divina algum efeito emanado exclusivamente da sua própria atividade e, consequentemente, modifiquem e transformem em certo grau a própria natureza desta operação. Além disso, deve-se notar que as pessoas que receberam comunicações divinas estão expostas a novos erros quando os contam oralmente ou por escrito, tanto porque lhes faltam os termos para expressar com exatidão os seus pensamentos, como porque as suas memórias ficaram um tanto obscurecidas com o passar do tempo. Ao examinarmos diligentemente as revelações de santos personagens da Igreja colocadas nos altares, encontrámos de fato coisas que são pelo menos duvidosas e por vezes falsas. 

Convém, enfim, considerar que as predições feitas por ocasião dos acontecimentos bélicos contêm muitas vezes terríveis ameaças para o futuro, quase como se os males sofridos durante a guerra já não fossem muito dolorosos. Mas mesmo que a previsão levante realmente o véu de um futuro doloroso, as pessoas não devem ficar excessivamente perturbadas. Na verdade, a teologia católica diz-nos que a profecia ameaçadora tem sempre um carácter hipotético (31). As nossas orações, as nossas mortificações, os nossos sacrifícios, todas as coisas previstas por Deus na ordem das causas e dos efeitos, podem modificar o resultado da ameaça e obter para nós misericórdia em vez de castigo. “Deus determinou, diz Santo Tomás, não só os efeitos que devem ocorrer, mas também as causas e a ordem em que ocorrerão. Agora, entre outras causas, as ações humanas também estão incluídas como causas de certos efeitos. É necessário, portanto, que os homens operem, não para mudar com os seus atos os planos de Deus, mas para produzir com eles efeitos em conformidade com a ordem estabelecida por Deus” (32).  A este respeito, escreve o Padre Poulain S.J.: “São Vincente Ferrer passou os últimos vinte anos da sua vida anunciando que o julgamento final estava próximo. Ele sabia disso através de uma revelação muito clara, cuja veracidade comprovou através de numerosos milagres… Pregando em Salamanca em 1412, operou, como testemunho da sua pregação, um milagre muito famoso, ressuscitando uma mulher que era levada ao cemitério, que confirmou a predição do Santo. No entanto, esta predição solidamente apoiada não se concretizou. Este fato pode ser explicado dizendo que foi condicionado. A época do grande Cisma do Ocidente infelizmente merecia o fim do mundo como punição. Mas esta calamidade foi evitada devido às conversões em massa que as ameaças e milagres do Santo produziram em toda a Europa, entre católicos, hereges, judeus e muçulmanos. Pode-se acreditar que todas as profecias ameaçadoras, como todos os anúncios de favores, sejam condicionados” (33). 

Qualquer que seja a natureza das predições que circulam nos nossos dias, devemos manter a calma mais viril e uma obrigatória reserva ao julgá-las e acolhe-las. Por mais tristes e catastróficos que sejam os acontecimentos que predizem, permanece a certeza de que estamos nas mãos da Providência divina. Os filhos não têm nada a temer do Pai e os pecadores sabem que Deus não quer a morte deles, mas a sua conversão. As predições de ameaças nunca nos farão perder a confiança na bondade divina. Servirão apenas como lembrete e estímulo para reparar nossas faltas e rezar. Estas são necessárias na ordem estabelecida por Deus, e Ele as espera. 

Andrea Oddone, S.J., La Civiltà Cattolica, Volume I, Caderno 2245 – Roma, 1944

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Notas

(1) A. MICHEL, Questions Théologiques, Beauchesne, 1918 , pp. 212 .  

(2) GIUSEPPE CIUFFA, La guerra europea e le profezie. Roma, Desclée, 1916. 

(3) Sum. Theol . , II. II q. CLXXIV, a. VI ad 3. 

(4) Sono proibiti, dice il CJC ( can. 1399 § 5) « Libri aut libelli qui novas apparitiones, revelationes, visiones, prophetias, miracula enarrant, vel qui novas inducunt devotiones, etiam sub praetextu quod sint privatae, si editi fuerint non servatis canonum praescriptionibus » .  

(5) P. GABRIELE DI S. M. MADDALENA, Visioni e rivelazioni nella vita spirituale, Libreria Editrice Fiorentina, 1941.  

(6) “Aqueles que recebem revelações divinas, reconhecidas como tais, depois de um prudente juízo, devem inclinar-se com respeito diante de tal manifestação do sobrenatural. Segundo certos teólogos, eles devem até mesmo crer-lhes com fé divina e teologal, porque, dizem eles, existe motivo formal de fé, a autoridade de Deus revelador. Segundo outros teológos, quem recebe uma revelação privada certa, deve a essa aderir instantaneamente, não com fé divina, mas pela luz profética” ( GARRIGOU- LAGRANGE, O. P., Perfezione cristiana e contemplazione, Torino, Marietti, 1933 , pp. 486 .  

(7) Sum. Theol. , p . I , q.r , a. 8, ad 2 .  

(8) Carta I, cap. IV, 1 .. 

(9) Cfr. Études, 20 juillet 1917 , pp. 180-182 . Leão XIII, tendo recebido uma Carta da Irmã Maria do Divino Coração, que em nome de Nosso Senhor que o pedia para querer consagrar o gênero humano ao Sagrado Coração, ainda que a estimasse verdadeiramente ditada por Deus, a entregou ao Cardeal Mazzella, dizendo-lhe: “Tomai esta carta e colocai por momento à parte. Estudai a questão em si mesma, apenas a luz dos princípios da teologia e da tradição católica” ( LUIGI CHASLES, Suor Maria del Divin Cuore, Torino, Internazionale, 1913 , cap . XI) .  

(10) Op. cit., 1. III, cap. ult. ( 53) , n. 15 . 

(11) De Serv. Dei Beatificatione, 1. II, cap. XXXII, n. II.  

(12) Op. cit., 1. III, cap. ult. , n. 15.  

(13) In tertiam partem Divi Thomae, Mysteria Vitae Christi, q. XLVI, art. 8, sect. II.  

(14) GARRIGOU- LAGRANGE, I. c. , p. 487.  

(15) Sum. Theol. , II, II , q. CLXXII, a . I .  

(16) Sum. Theol. , II, II , q. CLXXII, a.. I. 

(17) L. c. 

(18) J. BONNIOT, L’hallucination, in « Études » . 1874 , vol . 31. pag. 821 . 

(19) Il Castello interiore, Mansione IV, cap. III, n. 11 . 

(20) Op. cit., 1. c. , n. 14. As almas que se encontrassem em tal “estado perigoso” recomenda “fazer menos horas de oração, comer e dormir mais” ( n. 13) .  

(21) Vie de Saint Philippe de Neri par l’abbé BAYLE, chap. 21.  

(22) Sum Theol. , I , q. LVII, a. 3. Cfr. il Libro terzo dei Re, cap. XVIII, v. 19 .  

(23) Sum. Theol. , II, II, q. CLXXII, a. 5 e 6.  

(24) Praxis Confes.  

(25) BOLLANDISTI, Acta Sanctorum, passim . BENEDETTO XIV, De serv. Dei beatif., 1. III, cap. 45-53 . Card. BONA, De discretione spirituum . AMORT, De S. IGNAZIO DI LOIOLA, Regole per il Discernimento degli spiriti. S. GIOVANNI DELLA CROCE, La salita del Monte Carmelo.  

(26) Gal. , 1 , 9 .  

(27) Autobiografia, cap. XV, n. 13 .  

(28) Sum. Theol. , II , II, q. CLXXIV, a. 6. Cfr. Études, anno 1806, vol . 15, pag. 45, Les révélations privées.  

(29) Sum. Theol. , II , II, q. CLXXII, a . 5 .  

(30) “Todavia, existe umperigo a evitar. Os conselhos e as vias de Deus não se medem com as nossas visões limitadas. Por isso poderia acontecer que aquelas revelações que a nós parecem perfeitamente inúteis e sem uma finalidade séria, tenham ao invés disso, a sua razão de ser nos segredos impenetráveis de Deus. Então, não nos apressemos em condená-las subitamente, mas de passa-las por uma crítica rigorosa”. (BENEDETTO XIV, 1. c. ). 

(31) Sum. Theol. , II, II, q. CLXXI, a. 6 , ad 2.  

(32) Sum. Theol. , II, II , q . LXXXIII, a. 2 .  

(33) Des Grâces d’oraison , Paris, Beauchesne, 1914, pag. 341